quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

NASCE UM NOVO TEMPO

O ano de 2009 chega ao poente à espera do alvorecer de 2010. Entre o ocaso e o romper da aurora, noites estreladas de um verão vivo. Vamos deixar aflorar nossas virtudes. Vamos aplaudir a chegada dos novos tempos, muitos dias para saborear a vida em 2010.
Nossa nova jornada será, certamente, de sucesso, de colheita de sorrisos e conquistas. Dias para rever a beleza que nos rodeia, para abraçar os amigos, cantar, sentir o aroma das plantas e agradecer ao criador. Resta-nos renovar nossos espíritos, deixar que a água do mar, mesmo a da torneira, toque nosso corpo para nos lembrar que vamos recomeçar com ânimo a caminhada rumo a um futuro pleno de luz. O sol do amanhã nos embala e nos convida para uma grande e agradável aventura.
Eu sempre me impressiono com o poder da palavra escrita. Escrever, para mim, é o que mais se aproxima de um ato de fé. Nesse final de ano, coloque seus sonhos, os mais loucos, os mais atrevidos, os mais coloridos, em uma folha branca de papel. Deixe a lista acessível. Pegue nela pelo menos uma vez por semana. Mantenha contato com a sua fantasia. Ela pode virar realidade.
Eu gosto da Véspera do Ano Novo. Sempre gostei. Gosto de imaginar as pessoas espalhadas pelo mundo inteiro, em seus fusos horários diferentes, cheias de esperança e de otimismo. Nem que seja somente durante as 12 badaladas. A chegada do Ano Novo é marcada pela esperança. E é disso que mais se precisa no mundo de hoje.
Apesar das previsões não muito otimistas e sérios problemas, principalmente a questão do aquecimento global, dos conflitos e da fome que assola algumas nações, vamos abrir o portal do novo ano com vontade de ser feliz, porque isso é do que precisamos para recomeçar. Tenhamos a alma leve e seja cada coração como uma pluma, sem rancores, sem raiva, sem más recordações de pessoas que nos machucaram.
Que possamos suavizar a caminhada, nossa e dos outros, com atitudes de delicadeza, com gentileza, palavras boas, gestos ternos. Tenhamos os braços abertos para o amor e uma coexistência pacífica com tudo que nos cerca, com todos os seres da natureza e com todas as pessoas das nossas relações. Que queiramos nos harmonizar com todos e seguir em frente sem mágoas do passado. Que a compreensão seja uma prática, não apenas uma intenção e a vida branda, suave como um bebê adormecido e nós, sábios como um ancião de muitas certezas. E seja o nosso caminho feito de carinho, que é o delicado apelido do amor.
Prepare as simpatias para apagar o passado e saudar o futuro que desponta no horizonte. Romãs, uvas, louros, fogos. Para quem não acredita em viagens e não se deixa enredar nas teias da superstição, nada é preciso para abrir as portas do amanhã. Nem mesmo um pé-de-cabra. Basta caminhar, cabeça erguida, com a certeza de que somos capazes de construir a realidade de nossos sonhos, de que temos determinação para superar obstáculos sem se intimidar com a sombra de eventuais problemas.
A idade do tempo ultrapassa a contagem, os compromissos... E logo mais vem o carnaval e a alegria se derramará sobre os foliões. No aguardo da diversão vindoura é preciso pensar nas crianças, educá-las para que sejam úteis e possam contribuir para o nascimento de um novo mundo, mais justo, sem a ganância dos especuladores, mais voltado para a convivência harmoniosa entre os povos. Mas fica vedada a preguiça. Quem espera sentado não vê o cavalo passar, não avista o barco se afastar mar adentro, deixa a vida escorrer como um rio. Vamos à luta que venceremos.
Tenham um ótimo viajar em 2010, com dias maravilhosos e muitas vitórias. Que o Ano Novo venha recheado com muita saúde, amor e paz. O resto virá por acréscimo. Que Deus abençoe a todos. Que assim seja e assim se faça!

FELIZ NOVO ANO!

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

REFLEXOS E REFLEXÕES

Chega o fim do ano. Natal. E logo, o começo de um novo ano na vida de todos nós. Entre o fim de um e o início de outro, uma pausa saudável para reflexão.
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Uma parada estratégica, simbólica, enfim, um exercício de logística existencial, para um acerto com os ponteiros da vida.
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.Valeu a pena todo o esforço?
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Você não trabalhou muito mais do que deveria?
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Não dedicou demasiado tempo (precioso tempo!) a causas externas, que em nada têm a ver com o seu bem-estar interior?
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Como anda a sua auto-estima?
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Como? Você não consegue parar, nem para refletir, mesmo que por um instante?
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Ei! Sente! Encontre uma posição confortável para meditar.
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Relaxe por alguns minutos. Tente visualizar o seu reflexo, com os olhos fechados. Tente observar o seu equilíbrio em movimento. Controle a sua respiração. Busque sintonizar-se harmonicamente com o espaço circundante, mesmo que haja barulho e ruído. Instale o silêncio, aquele que vem de dentro. Cubra de luz o seu reflexo e viaje.
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Viaje. Uma jornada para o interior da alma. Para aquele lugar tão profundo e submerso que você teima em manter com a porta fechada.
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E daí, medite... Refaça a sua trajetória até agora. Enxergue o que foi bom. Armazene. Descubra o que foi ruim. Descarte ou recupere, se houver como. Tente compreender o que ainda não faz sentido. Se não puder, esqueça, ou procure ajuda para entender o que parece insólito e sem finalidade. Sempre há um propósito... Seja generoso, até com aqueles que te fizeram sofrer, porque eles foram o exercício drástico e definitivo para que pudesses transformar a tua dor em pérolas. O sofrimento nos recompõe como seres humanos e nos faz crescer.
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Continue, num lento e leve caminhar, sem que se possa sentir os teus passos para dentro de ti mesmo. E aí, aí mesmo, embaixo dessa árvore verde, silenciosa fresca, e luzidia, como num suave amanhecer, deite na relva e descanse.
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Crie, no repouso, o que você quer que aconteça no ano que vem chegando. Planeje, cuidadosamente, os passos e ouça a voz do coração, aquela que nunca está errada.
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Inicie a transformação, despindo a casca que você criou, ao longo de todos esses anos acumulando ressentimento, mágoa, solidão, desamor, insegurança, isolamento, preconceito, descrença. Deixe-se envolver por uma nova pele, resplandecente, diáfana, cristalina, palpitante...
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Levante, num lento e leve caminhar e retorne para a vida. Vista o seu reflexo, ainda pleno de reflexões e acredite. Desate os nós, estenda as mãos, abra os braços. Conquiste. Compartilhe. Divida. Ampare. Ouse. Ame. Lute. Viva!
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Espero que você tenha passado um bom Natal e desejo um Ano Novo cheio de oportunidades. Entre um e outro, dê um tempo para a sua alma respirar...
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Lembre que, todos os dias, a flor da VIDA renasce, mesmo no meio de tanta adversidade. Cuide-a, com amor, para que o seu perfume inebrie a todos e, quando as pétalas se desprenderem e voarem com o vento, tenha a certeza de que a doce fragrância espalhada não terá fim...
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Nivia Andres, jornalista, graduada em Comunicação Social e Letras pela UFSM, especialista em Educação Política. Atuou, por muitos anos, na gestão de empresa familiar, na área de comércio. De 1993 a 1996 foi chefe de gabinete do Prefeito de Santiago, RS. Especificamente, na área de comunicação, como Assessora de Comunicação na Prefeitura Municipal, na Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACIS), no Centro Empresarial de Santiago (CES) e na Felice Automóveis. Na área de jornalismo impresso atuou no jornal Folha Regional (2001-06) e, mais recentemente, na Folha de Santiago, até março de 2008. Blog:
http://niviaandres.blogspot.com/
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domingo, 27 de dezembro de 2009

O MENINO DE BIRIGUÍ
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As aparências realmente enganam e nos surpreendem, mostrando o quanto somos preconceituosos. Todos fomos, alguma vez, preconceituosos. Uns mais, outros menos. Mas fomos, infelizmente. Isso é próprio do ser humano. O preconceito está sempre presente e não precisa esforço para encontrá-lo. Na própria origem da palavra “preconceito” é possível encontrar seu significado: “pré” é o prefixo de “antes de alguma coisa”, e “conceito” é a idéia que se faz, também, de alguma coisa, pessoa ou fato. Em outras palavras, o juízo que fazemos antes de conhecer mais profundamente as características de uma situação ou pessoa.
Um domingo do início da década de 90, a equipe de esportes da Rádio Diário do Grande ABC se deslocou até a pequena e acolhedora cidade de Birigui, na região de Araçatuba, para a transmissão de um jogo entre o Bandeirante EC e o Santo André. O Bandeirante debutava na Primeira Divisão do Paulistão e, assim, qualquer jogo ali disputado era motivo de festa na cidade que até então havia recebido somente equipes de menor expressão da chamada segundona. Chegamos eu (comentarista e responsável pela equipe), Antônio Alcides (narrador), o repórter Maurício Muniz e o operador de som Aristides Murara. Nessa viagem não havia o inseparável motorista da viatura da rádio, já que percorremos em ônibus longos e cansativos 500 quilômetros até Birigui, por lá chamada de quintal de Araçatuba. Faz algum sentido. A praça em frente ao Estádio Pedro Marin Berbel, também conhecido como "Pedrão", campo do Bandeirante, com capacidade para pouco mais de 10 mil pessoas, fervilhava de torcedores festivos e hospitaleiros.
Descarregamos do táxi a parafernália, que faz parte do cotidiano de uma equipe esportiva de rádio e cada um apanhou uma carga para levar até as cabines reservadas à imprensa.
Nisso chega um garoto (disse ter 12 anos) e, pegando na alça da bolsa, um tanto pesada, que eu carregava, perguntou meio encabulado: "Moço posso ajudar a levar sua bolsa?". Escolado com a vida de cidade grande, tipo São Paulo e o ABC, pensei duas coisas: "esse moleque está querendo surrupiar a bolsa ou pretende entrar de graça no estádio, acompanhando a gente". Desconfiado e sem tirar o olho do garoto, entreguei a carga pra ele levar.
O menino disse chamar-se Vagner. Ao chegar ao portão do estádio, reservado para entrada de policiais, cartolas dos times e jornalistas, fiquei preocupado novamente. O rapaz certamente não era um ladrãozinho, mas, eu acreditava, queria entrar no campo no peito, missão complicada já que os fiscais da Federação Paulista de Futebol e dos clubes exigiam a apresentação de credencial específica de jornalista para liberar a passagem. Pra nossa surpresa, ao chegar ao portão o garoto devolveu a bolsa, agradeceu, esboçou um sorriso, que somente um pré-adolescente feliz pode ter e despediu-se.
Num misto de indignação e surpresa tirei da carteira uma nota correspondente a dez reais e ofereci ao rapazinho. Sem alterar o sorriso, ele agradeceu, não pegou o dinheiro e foi se afastando. Ainda indignado, perguntei: "garoto, você não quer entrar no estádio e recusa a grana; então, por que ajudou a carregar minha bolsa um tanto pesada"? . Olhando diretamente em meus olhos, respondeu: "moço, gosto de colaborar com as pessoas. Toda vez que tem jogo do Bandeirante aqui, eu ajudo alguém. Outro dia empurrei o carrinho da mulher que vende cachorro quente, dei uma mão para aquele senhor (apontou o homem) que vende pipoca e assim por diante; hoje foi o senhor. Não faço isso por dinheiro, gosto de ajudar, sem nenhum interesse; minha mãe (não fez referência ao pai, nem perguntei) me ensinou assim e fico feliz quando posso ser útil".
Papo fluente, trajando bermuda, camiseta regata e chinelo de dedos, surrados, porém limpos, o menino enfiou-se no meio dos torcedores levando de vez o sorriso de quem se sentiu, mesmo que por alguns minutos, recompensado por ter sido prestativo. Certamente não se deu conta da alegria e recompensa que proporcionou a este jornalista e aos integrantes da equipe de esporte da rádio. A atitude de Vagner foi o assunto logo depois de encerrado o trabalho e preencheu nosso tempo durante a exaustiva viagem de volta a São Paulo e ao ABC. O menino de dentes alvos e olhos brilhantes fez com que este calejado jornalista e sua equipe refletissem e chegassem a conclusão que, apesar de tudo, este mundo ainda tem conserto.
Quero deixar a todos os amigos e amigas deste blog, meus votos de um 2010 repleto de saúde, paz, amor, prosperidade e sucesso. 2009 está terminando, e com ele, tudo o que fizemos ou passamos. Coisas boas ou coisas ruins, que não nos desmotivaram a continuar aqui, lutando e vivendo, na esperança da construção de uma sociedade mais justa e de um futuro melhor para a humanidade. ___________________________________________
*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC
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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

UM SONHO NATALINO
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Tarde serena. O mar tranquilo, pouco enrugado, mostrava suas pequenas ondas espumantes e brancas. Um barulho monótono e repetitivo fez com que eu, sentado em uma espreguiçadeira naquela praia, começasse a cochilar. Dia de semana, nenhum movimento. Praia deserta. Apenas as aves marinhas e outras mariscavam aqui e ali.
Não sei como, me vi em uma pequenina cidade do interior. Dessas que vistas do alto de uma encosta mais parecem presépios. Vi-me sentado a beira de um chafariz. Um grupo de garotos jogava bolinhas de gude, outro de mão na mula e alguns simplesmente conversavam.
Matronas e jovens mulheres se aproximavam do chafariz com vasilhas apropriadas para levar água. Não me viam! Aqui e ali pessoas conversavam na porta da barbearia, do botequim, do armazém... Uma rotina em vilas e cidades interioranas.
As ruas da cidade eram aladeiradas. Do alto de uma delas apareceu uma figura esquisita. Na medida em que se aproximava podiam-se notar suas feições. Enorme barba e cabelos brancos, roupas surradas, chapéu de abas largas. A guisa de bengala, um bambu. Sua figura, apesar de encurvada pela idade impunha respeito. Foi se aproximando. As pessoas ali já o conheciam. Leon era seu nome.
Parado no meio da praça levou o bambu-bengala até a boca e dele começou a extrair uma estranha melodia. Os garotos pararam o que estavam fazendo e foram se achegando junto ao velho. Os adultos olhavam curiosos.
O ancião continuava a tocar a música e se movimentava dando os primeiros passos para a saída da pequena vila. Os meninos e meninas começaram a segui-lo em fila indiana.
Eu que tudo observava e não era visto, lembrei-me de uma antiga lenda alemã originada na idade média e reescrita pelos Irmãos Grimm, “O Flautista de Hamelin”. Tudo se encaixava, o velho, as crianças, a pequena cidade...
A marcha continuava em direção a floresta que circundava a região. Alguns habitantes, curiosos, seguiam de longe aquela estranha procissão.
Minutos depois, o velho alcançou a mata densa e nela se internou e as crianças atrás, seguindo-o!
Os curiosos que de longe observavam, perceberam que à medida que cada criança colocava os pés na mata, desaparecia! E assim aconteceu com todo aquele estranho cortejo.
Os adultos estarrecidos entraram esbaforidos na floresta a procura daquele grupo desaparecido. Nada encontraram! Desapareceram como fumaça!
Impropérios começaram a serem proferidos pelos habitantes do lugar que dias antes, haviam maltratado aquele ancião.
Havia meses que o velho Leon frequentava a Vila. Não fazia mal a ninguém. Aproximou-se das crianças e em volta do chafariz contava-lhes histórias. Os guris o adoravam.
Certo dia, um morador levantou dúvidas quanto à moral do anoso. Envenenados pela má língua, prestaram queixa ao delegado. Este prendeu o contador de histórias e o submeteu a um rigoroso interrogatório. Nada conseguiram a não ser o nome que ele forneceu: Leon! Libertaram-no e o expulsaram da cidade.
Agora ele aparecera e se vingara levando os meninos para a floresta. Era véspera de Natal!
Uma cidade cujos habitantes eram profundamente religiosos. Cada uma daquelas casas tinha o costume de armar um presépio nessa época do ano usando materiais que a natureza lhes ofertava (barro, palha, madeira, etc.).
Cada morador, ao voltar para casa depois de intensas buscas, triste, completamente desconsolado, começou a orar junto aos presépios. Foi quando notaram que o menino Jesus que deveria estar na manjedoura havia desaparecido! Isso acontecera em todos os presépios, inclusive o da capela local. Um desespero geral tomou conta daquele povo religioso e místico. Nessa noite, reuniram-se todos na capela e uníssonos pediram perdão e um milagre!
Pouco antes de soar as badaladas da meia noite, uma música se ver ouvir ao longe. Era O Sino de Belém (Jingle Bells), tocada pela flauta de Leon e cantada pelos garotos em uma versão de Chitãozinho & Xororó. Um coral afinadíssimo! Bate o sino pequenino/Sino de Belém/Já nasceu o Deus Menino/Para o nosso bem/Paz na terra/pede o sino/Alegre a cantar/Abençoe o Deus Menino/Este nosso lar/Hoje a noite é bela/Vamos à capela/Sob a luz da vela/Felizes a rezar/Ao soar o sino/Sino pequenino/ (...). Os garotos adentram a igreja alegres continuando a cantar. De Leon, nem a sombra!
Foi quando notaram que a imagem do menino Jesus no presépio da igreja havia reaparecido. Alegria geral e orações de agradecimento. Todos correram para casa abraçando seus filhos e verificaram seus presépios. Em cada uma daquela alegoria natalina, o menino Jesus havia reaparecido. Lágrimas de emoção e arrependimento pelo mal praticado.
Os meninos nada souberam responder o que lhes foi perguntado. Disseram que acompanharam o velho, entraram na mata e dela saíram diretamente para a capela. O tempo? Ninguém soube explicar o que houvera entre o entrar na mata e o entrar na capela!
Acordei com alguém tocando meu ombro. Um velho andarilho com enorme barba e cabelos brancos, apoiado em um pedaço de bambu me acordara para pedir um auxílio! Enfiei a mão no bolso, tirei alguns trocados e perguntei seu nome. Respondeu com voz rouca: Noel! Afinal, era véspera de Natal! O mar continuava tranquilo e pouco enrugado mostrando pequenas ondas espumantes brancas...
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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, escrevendo crônicas, contos, artigos e matérias especiais. Contato com o jornalista pelo e-mail:
jgarcelan@uol.com.br
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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

NOITE DE PAZ
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Acocorou-se e se pôs em posição para executar o trabalho, alerta a todos os movimentos ao redor. Ao olhar a lua e se deparar com o céu estrelado, deixou que a imaginação flutuasse por alguns instantes, tempo suficiente para que imagens perdidas retornassem à mente, fortes, nítidas, igual a um filme projetado na tela do cinema. Estava tranquilo, certo de cumprir o dever com sucesso, como ocorrera inúmeras vezes, de acordo com o previsto. Dispunha de alguns minutos antes de concluir a empreitada, as lembranças que afloravam abruptamente não se constituiriam em empecilhos.
Ele se via ainda criança, como se estivesse frente a um espelho gigante. O quarto era simples, apenas a cama e um velho armário. As paredes, pintadas a cal, desbotadas, com teias de aranha junto ao teto, onde uma luz pendia presa por um fio. Mexia-se debaixo do lençol, às vezes abria os olhos e espiava os sapatos, deixados à beira do leito. Nenhum pacote ao lado, repetia-se a rotina de sempre. Logo mais teria de se levantar, assear-se e preparar-se para o ralo café da manhã, sem ânimo para sair à rua, encontrar-se com os moleques e mostrar os presentes recebidos.
Em seu devaneio infantil justificava a demora. Papai Noel se atrasou, perdeu-se em determinada quadra do caminho, sofreu algum tipo de acidente, ficou impedido de atender seu pedido, o desejo de ganhar um trenzinho. A realidade rompeu o sonho, ergueu-se amuado, abriu o armário, juntou os velhos soldadinhos de chumbo, espalhou-os pelo chão, em posição de batalha. Gostava do comandante, com uniforme azul, montado no cavalo. E também dos canhões, que enfileirava na dianteira da minúscula legião. Não sabia direito como se operava uma guerra, como seriam os campos de batalha, mas supunha que os mais fortes derrotassem os inimigos fragilizados pelas perdas de homens em embates ferozes. Acreditava que, quando crescesse, seria um grande estrategista militar, com tropas treinadas para receber suas ordens de avançar.
Quando se cansava da brincadeira socorria-se de velhos gibis, encontrados no lixo. Olhava as figuras, admirava o arrojo dos mocinhos que sempre escapavam dos perigos e armadilhas e venciam os bandidos. Peito empinado rumava para o quintal, armava-se com sua espada feita de cabo de vassoura e duelava com galhos e ramos, transformados em piratas.
A adolescência pouco alterou seu ritmo de vida. Raras aventuras, lazer quase nenhum, alguns namoros isolados de pequena duração. Sem nada para oferecer, as meninas logo se afastavam, trocavam-no por rapazes mais abastados, que convidavam para sorvetes, bailes alegres e movimentados, beijinhos roubados.
Em busca de ocupação, alistou-se no Exército. Nova decepção. Não teve oportunidade de participar de ações militares, de pesados exercícios e manobras. Passou o período de caserna recebendo encargos vexatórios, limpar os banheiros dos oficiais, engraxar sapatos dos superiores. De positivo, unicamente o manejo de armas, o aprendizado de montar e desmontar, de atirar com perfeição, acertando alvos dispostos a cem metros de distância.
Saiu como entrou: soldado raso, nem mesmo a cabo se elevou, para ter o gosto de uma distinção, soldo maior. Na rua, vagou sem destino, à espera de uma luz que indicasse o rumo a tomar. Entrou numa igreja, no silêncio do templo contemplou o presépio, o menino pobre na manjedoura. E santos martirizados nos altares. Pareceu-lhe ouvir uma voz distante e repetitiva, um chamamento do além. Compreendeu que a injustiça sempre prevaleceu pela vontade dos homens, de nada valiam os ensinamentos e exemplos, a maldade foi enxertada na alma, é inerente à natureza humana. O clamor permanecia em sua cabeça, ecoava, instigava, tinha de se opor à crueldade, restabelecer a concórdia.
Por acaso, na praça, deparou-se com a dor de mulheres que choravam a perda de uma menina, atingida por bala perdida durante confronto entre policiais e traficantes. Condoeu-se com o desespero da mãe e se manifestou, revoltou-se contra a impunidade. Sua veemência ao erguer os braços, gesticular e clamar por justiça despertou a atenção dos manifestantes que obstruíam a rua e incendiavam pneus.
Naquele bairro esquecido, muitos sentiam na garganta o sabor amargo do sofrimento, a amargura de prantear a morte. Alguns, mais exaltados, disseram que ele poderia ser um aliado no combate ao crime, um cidadão capaz de se igualar a um juiz severo. Eles precisavam de um homem corajoso que pudesse protegê-los, livrando-os do perigo que rondava suas casas.
Foi assim que encontrou trabalho decente que lhe garantiria sustento, além de lhe proporcionar satisfação, aquela alegria primitiva de se saber benfeitor, de se julgar acima do mal, ombreando-se aos heróis que povoaram as fantasias da infância. Os rendimentos chegavam por meio de mãos trêmulas, sofridas, de gente da comunidade que o queria por perto, mas sem demonstrar proximidade ou amizade verdadeira. Respeitavam-no do mesmo modo que o temiam, movidos pela terrificante força do medo.
Orgulhava-se das missões cumpridas, nunca havia falhado. O serviço era solitário, dispensava a participação de auxiliares. Recebida a encomenda, traçava um plano seguro, espreitava, escolhia o local e o horário, preferencialmente em horas desertas. Chegado o momento, o coração palpitava e ele se alegrava, como agora.
Olhou o relógio, respirou fundo. Em seguida, apagou da memória o passado, ergueu o fuzil e aguardou. Quando a vítima escolhida abriu a porta da casa e se dirigiu ao jardim para regar as plantas, apertou o gatilho, apenas um disparo, certeiro. O silenciador impediu o estrondo da detonação, o ruído do trovão que indica a força bruta da natureza ou a ira de Deus. Com um sorriso nos lábios, acondicionou a arma na sacola, ergueu-se. O matador profissional tirava de circulação mais um traficante de drogas que a Justiça deixara em liberdade. Depois, aproximou-se do cadáver, ensanguentado. Deitou sob o peito do desafeto um cartão desejando Feliz Natal e foi cumprir o resto da missão: deixar um lindo presente para os órfãos. Papai Noel não podia se ausentar, que é que as crianças iam pensar? Era Noite de Natal.
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*Guido Fidelis,
jornalista, escritor cosmopolita, também advogado é outro dromedário da imprensa paulista. Ex-Última Hora, Diário do Grande ABC, A Nação e A Gazeta, sua pulsante literatura deixa pouca dúvida a respeito de suas preferências: drama policial com um aroma decididamente neonaturalista. Guido Fidelis tem mais de uma dúzia de livros publicados. A última obra de Fidelis, "Dádiva", foi lançada no final do mês passado pela RG Editores, de São Paulo.
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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

ESTRELA DO ORIENTE

Sob a luz de uma estrela, os magos Gaspar, Melquior e Baltasar marcharam para encontrar o sítio que acolhia o Cristo “nascido Rei dos Judeus”. Segundo registra o evangelho, a estrela os precedia e parou exatamente por sobre onde estava o menino Jesus. “E vendo a estrela, alegraram-se eles com grande intenso júbilo” (Mt 2, 10).
"Entrando na casa viram o menino (Jesus) com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram; e abrindo seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra.” (Mt 2, 11). “Sendo por divina advertência, prevenidos em sonho a não voltarem à presença de Herodes, regressaram por outro caminho à sua terra” (Mt 2, 12).
Historicamente pode hoje ser considerada a troca de presente na celebração do nascimento do Nazareno, - 25 de dezembro - uma herança da atitude dos Magos com suas oferendas. Entre os símbolos do Natal, muitos originados pagãos foram cristianizados com o correr de longos anos. Aqui cabe uma referencia ao papa Silvestre І, pontificado exercido entre anos 314/335, paralelamente ao governo do imperador Constantino. Silvestre em seu período foi responsável por uma formação eclesiástica de maior independência da igreja, vivendo na época grande influencia da tradição imperial romana onde o imperador se achava legitimo Pontífice maior, dominador da igreja ou qualquer outra organização religiosa. O espírito de paz e tranquilidade do Papa Silvestre conseguiram bom diálogo e apoio de Constantino que autorizou a edificação da basílica de São Pedro. No clima de simpatia deu-lhe também o palácio Lateranense, morada dos papas por muitos séculos.
A primeira Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém teve início de construção em 326 por ordem do Imperador Constantino, graças à relação cordial com Silvestre. Ela foi erigida no sítio de um templo e santuário romano do século II que, segundo uma tradição local, tinha sido construída sobre o lugar onde Jesus fora crucificado e sepultado.
O dia 25 de Dezembro, como suposta data de nascimento de «Jesus», foi fixado em 320, pelo papa Silvestre І. As datas do nascimento tinham variação conforme as interpretações à época vigentes. No início do séc. III festejava-se em 20 de Maio, mas também houve calendários que apontavam para 28 de Março. 25 de Dezembro era o dia pagão em que se celebrava o nascimento de Mitra, festividade oficial.
Símbolos marcantes pontuam as festividades do Natal. Estrelas: os Reis Magos para adorar Jesus em Belém tiveram como guia a Estrela do Oriente. Sinos: mensageiros de notícias na antiguidade sendo hoje usados em todas as festas e cerimônias religiosas. No Natal obedece ao ritual especial anunciando o nascimento do Menino Deus. Árvore de Natal: Ela simboliza a vida tendo sido escolhido o pinheiro por nunca perder folhas e verde mesmo no inverno. A lenda informa que Martinho Lutero, -1483/1546- Eisleben, Alemanha, monge agostiniano, teólogo, reformista da Igreja Católica, “Pai do Protestantismo” - foi seu introdutor na festa natalina com enfeites e bolas coloridas significando os frutos da árvore viva que é Jesus. Música: embora uma extensa variedade de melodias circule o mundo no Natal, no Brasil especialmente duas - universais -Jingle Bell de 1857, a mais festiva, no entanto, sem aludir ao nascimento de Jesus são repetidas anualmente. Traduzida em vários idiomas a volta do mundo portadora de grande ternura, “Noite Feliz” composta há quase dois séculos -192 anos - na Áustria, pelo padre Joseph Mohr em parceria com o celebre Franz Gruber.
O presépio, símbolo absolutamente cristão, é deles o mais significativo. Quem mais difundiu o culto do presépio foi São Francisco de Assis. Em 1224, na cidade de Greccio, montou o primeiro com a cena da manjedoura repleta de feno, o asno e um boi de verdade. No século 8 a Igreja de Santa Maria de Maggiori, próximo à estação Roma Termini, no centro velho de Roma, montou em madeira o ambiente de nascimento de Jesus.
Transformou-se em costume dos povos o culto do presépio como incentivou São Francisco de Assis. Em Franca, Thomaz Tardivo, um fiel seguidor dos princípios, se dedica ao carinho de cuidar e aprimorar o projeto que estabeleceu há 55 anos, anualmente, no Clube dos Bagres, para encantamento de tantos que o visitam.
Papai Noel, cuja história todos conhecem, entre as crianças, simbologia mais expressiva com seu trenó e sacos vermelhos carregados de presentes, ainda permanece para muitos o sonho de esperanças que nunca deve abandonar os sentimentos humanos.
A retrospectiva aqui deixada tem o propósito de acordar relações urbanas em um mundo conturbado, repleto de mutações que o homem vai aceitando sem refletir na urgência de paz e perdão, entendimento e amor entre os povos. Estamos festejando o aniversário de Jesus Cristo. Pensemos nele convidando-o para a festa a presidir nossa reflexão.
Não fiquemos ocupados somente com o desfrute de prazeres comuns o ano todo. Feliz Natal!__________________________________________
Garcia Netto é jornalista, radialista e escritor francano. Autor do livro "Filhos Deste Solo" - Medicina & Sacerdócio.
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