terça-feira, 14 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS


INÉDITO
PARTE XXI

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SÉRIE

“TRAPALHADAS DE UM FOCA”
CAPÍTULO VIII
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Foca paga cachaça para arrumar defunto
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Edward de Souza
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A série apresentada nesse blog sobre os “focas” - nome que se dá ao jornalista ainda ingênuo e atrapalhado - vai mostrar hoje o outro lado da moeda de alguns principiantes no jornalismo que ficaram famosos pela sua criatividade e, porque não, tendência clara ao sensacionalismo. José Lázaro Borges Campos foi um deles. Esse relato de hoje foi inúmeras vezes contado por ele e muitos amigos jornalistas conhecem o caso. Foi o começo de sua carreira no pequeno News Seller de Santo André, atualmente Diário do Grande ABC. Naqueles tempos o jornalista rezava antes de sair de casa para que um fato de importância pudesse cair em suas mãos para ser noticiado. Pauta, dificil ter alguma à espera na redação. Lembrando que pauta é uma orientação que os repórteres recebem descrevendo que tipo de reportagem será feita, com quem deverão falar, onde e como. A pauta é elaborada, nos dias de hoje, por editores e subeditores, mas em algumas redações ainda existe o pauteiro, que é o profissional que tem a função de decidir o que será noticiado. Cabe a ele elaborar a pauta do dia, isto é, os assuntos que os repórteres deverão sair para apurar (investigar). No caso de um acidente, por exemplo, o fato só vira uma pauta no momento em que acontece. Foi assim numa sexta-feira de carnaval. A notícia chegou como uma bomba na redação do pequeno News Seller. Um conhecido sambista, presidente de uma famosa escola de Santo André, havia sido atropelado e morto por um ônibus, numa avenida da cidade. De acordo com as informações dadas pela PM, o corpo do infeliz sambista estava ainda sob as rodas do coletivo. Lázaro Campos estava começando em jornal e foi escalado para correr ao local, junto com um fotógrafo, para cobrir o acidente e trazer fotos. Só havia um carro na redação e o motorista, para desespero do Lázaro, havia desaparecido. Foi um corre-corre danado, gritos, telefonemas, até que descobriram o motorista batendo papo num posto de gasolina que ficava ao lado da redação. Nisso, preciosos minutos foram perdidos. O chefe da redação queria as fotos mostrando o corpo do sambista sob as rodas do ônibus e não abria mão disso. E não era só naqueles tempos que jornais mostravam cadáveres em suas primeiras páginas. Fim de semana mesmo vi alguns nas páginas de um diário aqui de Franca. Pois bem. Lázaro entrou no carro com o fotógrafo, disposto a chegar a tempo e mostrar serviço para a chefia do jornal. Assim que chegaram, uma multidão impedia o carro de prosseguir. Lázaro saltou do veículo com o fotógrafo e correu ao local do acidente. Muitos repórteres e fotógrafos de jornais da Capital já estavam saindo, depois de registrar o triste acontecimento. Quando Lázaro Campos se aproximou do ônibus, a decepção. O corpo do sambista havia sido levado pelo carro funerário. O que fazer, pensou o jovem foca. Só fotografias do ônibus não diriam muita coisa e desagradaria, certamente, o chefe de redação. Até porque, jornais como a última Hora e outros vizinhos, de São Paulo, iriam mostrar a foto do famoso sambista no asfalto, sob as rodas do ônibus. Enquanto o fotógrafo tirava algumas fotos do coletivo e da multidão, Lázaro dirigiu-se a um boteco próximo ao local do acidente. Tomou uma branquinha com limão, aborrecido com a falta de sorte. Enquanto pensava no que fazer e nas explicações que daria no jornal, dele se aproximou um homem alto, forte e negro. Pediu ao Lázaro para lhe pagar um aperitivo. Olhando para seu interlocutor, deu um estalo na mente do jovem repórter. Estava ali a sua salvação. Enquanto pedia uma cachaça para o homem ao seu lado, lhe fez uma proposta. Pagaria aquele aperitivo e uma garrafa da branquinha caso ele lhe fizesse um pequeno favor: deitar-se sob as rodas do ônibus que havia atropelado e matado o sambista. Proposta aceita de imediato. Seriam apenas alguns segundos, pensou o negro e então passaria a sexta de carnaval feliz, tomando sua garrafa de cachaça. O fotógrafo foi alertado por Lázaro e ficou de prontidão. Curiosos se aproximaram. O negro estendeu-se no chão, bem perto das rodas do coletivo, mas do outro lado, para fugir das manchas de sangue espalhadas pelo asfalto. Rápido, o fotógrafo bateu as fotos. Uma, duas, três. Estava feito o registro. Contente, Lázaro e o fotógrafo voltaram para a redação. Ficou combinado que ninguém dos três – repórter, fotógrafo e motorista iriam abrir o bico na redação. Texto pronto, as fotos chegaram. Estavam perfeitas. Ninguém desconfiaria, pensou Lázaro. Tão perfeitas que o chefe de redação já havia determinado. Seria a manchete do jornal. Assim foi. No dia seguinte, sábado de carnaval, o News Seller estampava em sua primeira página o título: “Sambista famoso morre na avenida”. Foi o único jornal que mostrava, com clareza, a foto de um negro estendido no solo. A manchete dos outros jornais também destacava a morte do sambista, com letras garrafais. A única diferença era que o corpo estendido no solo era de um homem branco.
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista. Escreve aos sábados no Divã do Masini e às quintas-feiras no Jornal Comércio da Franca.
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Édison Motta escreve nesta quarta-feira mais um capítulo inédito em “Histórias das Redações de Jornais”. Conta o caso envolvendo o jornalista e escritor José Louzeiro que, naqueles tempos, não gostava de corrigir notícias. Saiu publicado, tinha que estar certo. E deu o que falar quando Louzeiro foi interpelado por uma leitora raivosa. Não percam nesta quarta: "Editor “mata” para não assumir o erro".
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