quarta-feira, 24 de novembro de 2010




O ano de 1934 é, do ponto de vista político, um dos mais produtivos para o Brasil, pois a Assembléia Nacional Constituinte elabora uma nova constituição, mantém o sistema democrático republicano, elege Getúlio Vargas presidente e estabelece eleições presidenciais livres e diretas em 1938. Ainda em 1934, os constituintes estaduais escolhem os governadores, acabando provisoriamente com a figura do Interventor.


Em São Paulo, os constituintes elegem governador - sem o voto do perrepista Adhemar de Barros - o engenheiro Armando de Salles Oliveira, cunhado de Júlio de Mesquita Filho, os dois principais responsáveis pela criação da USP (Universidade de São Paulo). Com a eleição de Salles, o jornalista Paulo Duarte, amigo da família Mesquita, retorna do exílio na França ao qual se sujeitou após a revolução de 1932. Em decorrência desses fatos, os paulistas consideram a sua revolução vitoriosa e passam a celebrá-la no mês de julho, pois o propósito de fazer o país retornar ao estado de direito, ou seja, o de limitar o poder do governo ao cumprimento das leis, havia sido alcançado, a despeito de terem sido derrotados pelas armas.

Teriam limitado mesmo Getúlio Vargas
ao cumprimento das leis?
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Em 1937, o governador Armando de Salles Oliveira decide afastar-se do governo para concorrer à presidência da República contra o ministro da Viação e Obras Públicas, José Américo de Almeida (foto). Vargas tenta dissuadi-lo da candidatura com o oferecimento do Ministério da Fazenda, a pretexto de que a situação política do país é extremamente difícil para realizar eleições em decorrência da divisão ideológica entre comunistas e integralistas. Armando não aceita a oferta e começa a levar às ruas a sua candidatura pelo Partido Democrático, a mobilizar as lideranças políticas afinadas com as idéias do seu grupo e a conceder entrevistas contra o governo Vargas. Os quatro maiores jornais paulistas são pela ordem: A Gazeta (90 mil exemplares), O Estado de S. Paulo (85 mil), Diário da Noite (60 mil) e o Correio Paulistano (45 mil exemplares diários).

Não só em O Estado de São Paulo, do qual havia sido diretor, Armando Salles Oliveira aparecia diariamente, nos outros três jornais também, por obra de Paulo Duarte. A efervescência política cresce, com manifestações de ruas também de integralistas e comunistas (curiosamente, Plínio Salgado, fundador do movimento integralista, escreve o livro Espírito da Burguesia, que serve até hoje de inspiração para os textos dos escritores da esquerda brasileira, que não o citam por vergonha). Nessa ebulição, surge o boato da existência de um plano comunista para a tomada do poder, então no dia 10 de novembro desse ano Vargas dá o golpe:

Rasga a carta constitucional de 1934, que estabelecia eleições presidenciais livres e diretas em 1938, apresenta à nação uma nova constituição elaborada pelo seu ministro da Justiça, Francisco Campos, com a aprovação do ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. Nesse mesmo dia, implanta a ditadura do Estado Novo por meio da qual fecha todas as casas legislativas (câmaras de vereadores, assembléias, Câmara e Senado Federal), impõe censura à imprensa e volta a nomear interventores para os estados. Simultaneamente, manda prender o ex-governador Armando de Salles Oliveira.

Ao saberem dos acontecimentos, os estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco saem às ruas para protestar, um dos quais é Roberto de Abreu Sodré, que viria a ser governador e deixaria gravada a sua memória em letra de forma no livro No Espelho do Tempo – Meio Século de Política e no qual relata as suas prisões e de colegas de faculdade. Nesse livro, Sodré lembra que os panfletos contra a ditadura de Vargas eram impressos numa gráfica “da estrada do Vergueiro, caminho para Santos”, ou seja, em São Bernardo do Campo.
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Armando segue para o exílio
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No Rio de Janeiro, cidade em que construiu amizades influentes desde os tempos da Faculdade Nacional de Medicina (foto), onde também se formaria médico o mineiro Newton da Costa Brandão, duas vezes deputado estadual e três prefeito de Santo André, Adhemar de Barros é apresentado a Getúlio Vargas, que pede para visitá-lo em São Lourenço, MG, onde o ditador passaria um período de férias. Adhemar vai seguidas vezes a São Lourenço, cidade adaptada em sede do poder. Recebido por Getúlio, ambos se ligam por laços de simpatia e Vargas decide nomeá-lo Interventor Federal em São Paulo em lugar do professor Cardoso de Mello, que estaria servindo aos interesses da família Mesquita. No final de abril de 1938, o filho mais ilustre de Piracicaba, criado em São Manoel, começa a despachar no Palácio dos Campos Elísios.

O jornal O Estado de S. Paulo o critica, por considerá-lo homem do interior, sem experiência para governar o estado, então para mostrar que “homem do interior” também sabe governar Adhemar dá início à construção de três grandes obras: a Rodovia Anhanguera, para facilitar o transporte da produção agrícola e industrial do interior à capital; a Via Anchieta, para transportar a produção industrial ao porto de Santos e o Hospital das Clínicas, que seria o maior do país. Nesse ambiente começa a circular um jornal de nome Brasil, que esculhamba o Interventor e o ditador.

“Você tem de descobrir esses criminosos,” avisa Vargas a Adhemar. Presos, Paulo Duarte e Júlio de Mesquita Filho, eventuais autores do Brasil, seguem para o exílio. Colaboradores chamam a atenção do Interventor para o fato de O Estado de S. Paulo guardar armas em sua sede, Adhemar manda a polícia investigar e os policiais as teriam encontrado. Avisado, Vargas decide intervir no jornal, cujo diretor, Francisco Mesquita, irmão de Júlio Mesquita, pede a Adhemar, em nome do estado, para não permitir a intervenção no seu jornal: “Dr. Francisco, sou um delegado do governo federal em São Paulo. Então, sinto-me na obrigação de garantir a intervenção.”

A turbulência na política paulista vai aumentar, o sofrimento dos seus principais personagens, também. Aliás, a amargura e a angústia seriam tão grandes que Armando de Salles Oliveira não resistiria e Júlio de Mesquita preferiria retornar ao Brasil e ser preso a continuar no exílio sem dinheiro e sem perspectivas de vida.
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Diretor do POLÍTIKA DO ABC e do JORNAL DO LIVRO, o jornalista Carlos Laranjeira é autor de vários livros, o mais recente, POLÍTICA PARA PRINCIPIANTE.
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NA PRÓXIMA QUARTA-FEIRA, ACOMPANHE O QUARTO CAPÍTULO DE "HISTÓRIAS DE ADHEMAR", COM EXCLUSIVIDADE PARA ESTE BLOG. (EDWARD DE SOUZA).
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