segunda-feira, 23 de agosto de 2010


FALTA DISCUTIR ECONOMIA

NOS DEBATES


No debate dos candidatos falta o principal:
discutir política econômica em profundidade
e com palavras que todos entendam!

O que tem a ver sua vida com o mercado siderúrgico internacional? De repente, como já aconteceu, o mundo da economia assinala uma super-oferta mundial de aço. O que isso tem a ver com seu cotidiano? Aparentemente, nada. Essas notícias você nem quer ler nos jornais, passa por cima, e vai direto para os cadernos que dizem mais de perto ao seu dia a dia e interesses mais urgentes. O único detalhe é que os automóveis são feitos de aço. Na hora de comprar um novinho, sem saber, você vai pagar mais, ou menos, por causa do preço dessa matéria prima.

O que isso tem a ver com as eleições que estão chegando? Tudo! A economia está toda interligada, e tanto o preço do aço de um carro de luxo, como o do custo de plantar abobrinhas ali no cinturão verde de Mogi das Cruzes, tudo, de alguma forma, vai se refletir no seu bolso, ou seja, na sua capacidade de consumo. Mas a economia não é um processo autônomo, com vida própria, que muda por mero capricho de alguns. Ela é totalmente dependente das decisões políticas. E as decisões políticas, por sua vez, dependem de quem está no poder, tanto nos cargos executivos, como legislativos. Uma lei, por exemplo, que reduza determinados impostos sobre a produção, terá efeito direto e imediato nos custos, na competitividade, no preço final ao consumidor.

A indústria que fabrica máquinas para as fábricas se chama setor de bens de capital. Se esse setor for estimulado com uma política de financiamentos, juros baixos, isenções, etc., fomentará o desenvolvimento do país, vai gerar empregos, abrir as portas para novas tecnologias. Tudo isso que, no final, será o conforto que você encontra em sua própria casa, no trabalho, nos shoppings, nas ruas e estradas. Este computador em que você agora está lendo e escrevendo é um dos grãos dessa mega espiga. Se você agora tem um em casa, outro no trabalho, e pode comprar um usado a preço de banana, é porque num certo dia foi revogada uma lei da ditadura denominada “reserva de mercado”, que proibia a importação de computadores. O fim desse monopólio nacionalista burro, destinado a enriquecer determinados grupos ligados ao poder, chegou muito tarde e isso atrasou nosso país durante vários anos. Existiu por causa da política, e foi extinto graças à política. Quando você liga a luz da sua casa, começa a pagar uma tarifa que depende de decisões políticas. A conta do telefone também. E vai por aí. Olhe em volta. Quase tudo ao seu redor tem um preço que lá atrás, na origem, foi definido a partir de uma política econômica. O impacto final, amigos, é sempre nos nossos bolsos. E o pobre, sem renda, ironicamente é sempre o que paga mais, porque as alíquotas perversamente são iguais para todos. Geralmente as pessoas só se lembram disso na hora de pagar o IPTU, IPVA, IR e outros tributos. Mas quando bebem uma simples Coca-Cola, sem saber, pagam também imposto, que todas as empresas repassam nos preços. Nos Estados Unidos é o “plus tax”, cada consumidor sabe quanto está pagando de imposto em cada compra. Aqui, é simplesmente embutido, e entra como custo do produtor. A cada segundo, em tudo o que você faz, estão presentes a economia e a política, de forma invisível, e às vezes nem tanto.

Espanta-me, pois, que nestes debates entre candidatos ninguém faça perguntas como estas: Qual é sua posição em relação à independência do Banco Central? O que acha da política atual de incentivo às exportações? O que mudaria na política cambial? O que pensa sobre o salário mínimo e o que faria para aumentá-lo, e com que recursos? Como analisa a situação de penúria dos aposentados e que solução aponta? Que soluções sugere para tornar formal a economia informal? Como estimular a elevação do nível de emprego sem prejudicar conquistas dos trabalhadores? Como conciliar oferta de crédito, para expansão do consumo, com controle inflacionário? Qual é seu projeto energético na geração de alta tensão? Privatizar ou estatizar, em que setores? Como será sua proposta orçamentária, sem negligenciar prioridades, mas também sem quebrar o país?

A economia, pelo que vi até agora, não está presente no debate político. Só que é ela que vai continuar determinando nossas vidas. O Congresso hoje está todo loteado entre bancadas que representam setores específicos. Tem a ruralista, que representa os interesses do latifúndio, mas não existe a dos sem terra; existem os representantes dos interesses da agroindústria; a turma da indústria, do comércio. Surgiu até a bancada evangélica. Não conheço a bancada dos consumidores, nem dos desempregados, nem dos aposentados. É a turma sem voz e sem voto. Sem defesa e sem ataque. Não espanta que a discussão sobre um reajuste ínfimo no salário mínimo, ou para os aposentados, leve meses. Nem espanta, mas revolta, quando os parlamentares, legislando em causa própria, aprovam seu próprio aumento exorbitante em apenas duas horas, se tanto.

Não vou dizer em quem você deve votar, porque isso compete a você decidir, com sua consciência e se possível boa informação. Os discursos dos candidatos são todos óbvios e todos concordam que o país precisa de segurança, educação, saúde. Nisso as diferenças entre eles são mínimas. Tanto faz votar em Dilma, Serra, Marina, Plínio. Mas quando o debate entra no campo da economia, ai amigos, começam a aparecer diferenças, e não são poucas, nem superficiais.

Um exemplo: Serra é contra a independência do Banco Central. Dilma é a favor. A opinião da Marina ainda desconheço. O que vem a ser isso? Vamos lá: o Banco Central é o órgão que estabelece toda a política monetária do país. Administra as reservas cambiais (estoque de dólares em poder do país). Emite, vende e compra títulos, para regular o mercado e evitar crises. Abriga siglas que estão todos os dias nos jornais, como Copom – Comitê de Política Monetária; CMN – Conselho Monetário Nacional, entre outras. Uma das suas muitas tarefas é fixar a taxa de juros, que regula a oferta de crédito e mantém o controle inflacionário. Outra, a partir da Constituição de 1988: compete exclusivamente ao BC a emissão de moeda. Para ficar fácil de entender, imagine que o Tesouro Nacional é apenas o cofre, e a Casa da Moeda a fábrica que faz o dinheiro. Mas a decisão de emitir parte exclusivamente do BC, através dos seus conselhos técnicos, com representantes dos bancos, setores produtivos e até dos trabalhadores. Antigamente, o Executivo tomava essa decisão e promovia inflação. O governo JK foi o campeão disso, para construir Brasília. Na prática, era como se o governo pagasse suas contas com vales, porque não havia lastro. O endividamento público ficava astronômico, e quem iria pagar a conta seriam os presidentes seguintes. Os sucessores tinham que administrar com reduzido superávit primário (sobras de caixa, depois das despesas e custeio).

As decisões do BC são técnicas e não políticas. Mas o BC não faz o que bem entende. Seu presidente, indicado pelo presidente da República, só assume depois de sabatinado e aprovado em votação secreta pelo Senado. A qualquer momento pode ser convocado para prestar esclarecimentos ao Congresso (deputados e senadores). Sendo independente, o BC tomará sempre medidas técnicas para controlar a inflação, estabelecendo metas sazonais e adotando as medidas para cumpri-las. É por causa dessa independência que o presidente da República não tem poderes sobre a taxa de juros, não sendo raro até criticá-la. Se o BC deixar de ser independente, suas decisões passarão a ser derivadas não de critérios técnicos e sim políticos, dos poderes Executivo e Legislativo. As duas situações têm vantagens e desvantagens, nenhuma é perfeita, a ponto de excluir a possibilidade da outra. Há países em que o BC não é independente. Em outros, como o Brasil, é. Quando a política monetária dá certo, ou errado, a primeira responsabilidade é desse órgão. Os presidentes, todos, gostam de assumir como deles os sucessos do BC, porque o povão não entende essa estrutura. O BC erra? Lógico, acontece. Mas também acerta, e diria que na maioria das vezes, vide a estabilidade atual da economia brasileira. O BC dos Estados Unidos é o FED, que já errou muitas vezes. O problema é que os erros deles respingam na economia mundial.

Nem Serra, nem Dilma, são irresponsáveis num assunto tão crucial. Apenas divergem, e este seria, no meu modo de ver, um debate muito interessante, para aprofundar em todas as suas conexões macroeconômicas. Tem tudo a ver com nossas vidas no futuro. Mesmo para quem nem desconfia disso.

É necessário ainda desmistificar o economês. Ele foi criado justamente para distanciar as pessoas comuns das grandes decisões e engrenagens que movem os interesses dos poderosos. Sem entender, ninguém contesta. E mais: o economês intimida. Ninguém gosta de admitir ignorância. Mesma opressão da linguagem jurídica hermética e inacessível aos mortais. Tudo é traduzível, para que o povo entenda. Mas será que interessa que o povo saia da sua eterna ignorância?

As biografias dos principais candidatos se equivalem na origem, de pessoas simples, e convergem na vocação democrática. Todos combateram a ditadura, ainda que com métodos diferentes, e arcando com danos também diferentes. Suas propostas para o Brasil são muito parecidas nos mais diversos temas. As diferenças começam a aparecer, de fato, quando se entra em política econômica. Eu concentro toda minha atenção nessa área. Foi nela que já decidi meu voto.

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*Milton Saldanha é jornalista, escritor, tangueiro e sonhador.
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