sexta-feira, 3 de julho de 2009

A CASA QUE ATIRAVA PEDRAS EM PIRITUBA

EDWARD DE SOUZA
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EXCLUSIVO
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CAPÍTULO FINAL
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Pratos, copos e xícaras espatifaram-se ao solo

No penúltimo capítulo de ontem, que pode ser conferido abaixo, contando com a ajuda de uma vizinha, enfim conseguimos uma entrevista com os donos da estranha casa que atirava pedras. Naquela bonita manhã de sábado, para evitar que curiosos se aglomerassem em volta da casa, como havia acontecido na noite anterior, estrategicamente paramos o carro de reportagem num posto de gasolina, distante dois quarteirões. Tarcísio Leite, o fotógrafo, incentivado pelos meus empurrões, foi o primeiro a entrar e cumprimentar a gentil dona da casa, uma mulher ainda jovem, olhos grandes e castanhos emoldurados por sobrancelhas finas e longas, queixo arredondado e os cabelos levemente cacheados, na cor chocolate. Fomos conduzidos por ela até a sala de estar. Duas peças de concreto idênticas, num formato de vaso, estavam encostadas numa larga coluna. Tudo surpreendentemente limpo e bem cuidado. Num móvel no canto da sala havia uma águia de asas abertas, rodeada por outros animais. Dava a impressão que estavam cuidando do local. Com a permissão da dona da casa, Tarcísio fazia várias fotos. Um desperdício, não iriam servir para nada. Profissional competente, Tarcísio procurava descontrair o ambiente e deixar a mulher à vontade. A mulher chamou o marido e nos apresentou. No semblante daquele homem também jovem, não mais que 38 anos, um ar de preocupação. Era fácil perceber que seu sorriso era forçado. Simpático como a esposa, convidou-nos a sentar no sofá de couro da sala. Inquieto, Tarcísio olhava para todos os lados, certamente à espera de que algum objeto voador que tanto falavam aparecesse no interior daquela casa, que de tétrica, não tinha nada. Começamos a conversar sobre os estranhos fenômenos paranormais que aconteciam dentro e fora da casa. Os olhos da jovem senhora encheram-se de lágrimas quando começou a contar as dificuldades que estavam enfrentando por conta desses estranhos acontecimentos. O casal havia adquirido a casa, financiada pela Caixa Econômica Federal, há menos de dois anos, ficamos sabendo. Tinham dois filhos, um menino de 7 anos e a menina pouco mais velha, 9 anos. Os primeiros meses, de acordo com o relato do casal, cujos nomes estou preservando, devem ter percebido, foram felizes na nova residência. Com dificuldade, no primeiro ano foram mobiliando a casa. Ela, professora primária, ele comerciante, proprietário de uma lanchonete em Pirituba. Enquanto conversávamos, Tarcísio, o fotógrafo, continuava a girar impacientemente pela sala. Estava pálido, deu para perceber. Não havia nenhum motivo para toda aquela preocupação, pensava eu. A mulher, auxiliada na conversa pelo marido, contou que, de uns dois meses até aquele dia, coisas estranhas e inexplicáveis começaram a acontecer naquela casa. Móveis eram empurrados, quadros giravam nas paredes, ruídos de vozes eram ouvidos, combustões espontâneas aconteciam e objetos saiam dos lugares e espatifavam-se ao solo. Os prejuízos eram enormes. Tudo que haviam comprado com sacrifício estava aos poucos sendo destruído. Até o dia em que ela viu um bando de curiosos em volta da casa e soube que pedras estavam sendo atiradas do nada em direção à rua. Contou ao marido e apavorados buscaram a ajuda de um padre da comarca. A vida do casal ficou dificil depois que a imprensa passou a divulgar o caso com estardalhaço, relatou a mulher. A casa vivia cercada de curiosos querendo ver o estranho fenômeno, que nunca tinha dia ou hora certa para ocorrer. Depois de nos contar parte desses acontecimentos, o casal nos convidou para visitar a casa. Nos fundos, caixas de papelão com pratos, copos, xícaras e outros objetos quebrados. Tarcísio enfim tinha encontrado alguma coisa para fotografar que poderia confirmar a existência de fenômenos paranormais naquela casa. Agachou-se para fazer as fotos e alguma coisa caiu dos seus bolsos. Eram dentes de alho. Coisa estranha, pensei. Nunca soube que meu amigo fotógrafo gostasse de alhos. Quando me aproximei para auxiliá-lo, ele adiantou-se, enfiou a mão e guardou os dentes de alho no bolso. O casal, preocupado em nos mostrar objetos quebrados, nada percebeu. Tanto melhor, o que iriam pensar? A senhora nos convidou para ir à cozinha, onde iria preparar um café. No trajeto, sem graça, Tarcísio cochichou aos meus ouvidos: “alho espanta fantasmas”. Mais essa agora. Fomos em busca de fenômenos paranormais e o danado do fotógrafo querendo espantá-los. Olhei ao redor, já na cozinha e percebi que tinha, atrás da porta, uma réstia de alhos pendurada num gancho. Mostrei ao Tarcisio que, indiferente, deu de ombros. Certamente os alhos que carregava eram mais poderosos, pensei. A prova que esse excelente tempero culinário não surtia efeito algum naquela casa veio em segundos. Um estrondo no chão da cozinha e lá estava um prato quebrado. Voou da prateleira, desafiando os poderes do alho. Em seguida uma xícara espatifou-se na parede. Acostumada com esses acontecimentos, a mulher tentou nos acalmar. Não era preciso. Antes que mais copos e pratos voassem, saímos correndo para a sala. Nada mais a fazer naquela casa. Despedimo-nos, trêmulos, e corremos para o jornal. O cafézinho que estava sendo preparado com carinho por aquela gentil dona de casa ficaria para outro dia.
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NR: Foi a última matéria que fiz naquela estranha casa de Pirituba, publicada pelo Jornal Notícias Populares. Indicado para outro caso policial de importância, esse assunto passou a ser tratado pela editoria de geral do NP, a cargo do Proença, outro brilhante jornalista, secretário de redação na época e teve um final feliz. O caso era de origem espiritual. Um conhecido médium espírita foi chamado pelo casal e conseguiu, segundo a reportagem publicada, expulsar os maus espíritos, atraindo os bons para aquela casa. Esse médium captou deles a razão das perturbações e por intermédio do esclarecimento e de preces modificou suas intenções. Assim, os espíritos perturbadores bateram em retirada.
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*Edward de Souza
nasceu em Franca, é Jornalista e radialista. Trabalhou nos jornais, Correio Metropolitano, Diário do Grande ABC e O Repórter, da Região do ABC Paulista. Em São Paulo, na Folha da Tarde, Jornal da Tarde, Gazeta Esportiva, sucursal de “O Globo”, Diário Popular e Notícias Populares, entre outros. Atuou na Rádio Difusora de Franca, Difusora de Catanduva, Brasiliense de Ribeirão Preto, Rádio Emissora ABC e Clube de Santo André; também nas rádios Excelsior, Jovem Pan, Record, Globo – CBN e TV Globo de São Paulo. Medalha João Ramalho, principal comenda do município de São Bernardo do Campo, outorgada pela Câmara Municipal daquela cidade pelos relevantes serviços jornalísticos prestados à região. Troféu PMzito, entregue pelo alto comando da Polícia Militar de Santo André por ter se destacado como o melhor repórter policial do ABC nos anos 70. Prêmio Sanyo de Rádio nos anos 80, como o melhor narrador esportivo do ABC Paulista. Menção Honrosa entregue em 2007 pela Câmara Municipal de Franca e outra pelo Rotary Clube Norte pela atuação brilhante na radiofonia da cidade. Participou da antologia O Conto Brasileiro Hoje, 7°, 8º, 9º e 10º edições, com os contos “Um Visitante Especial”, “Sonhos Dourados” “A Lua de Mel” e “O Sacristão”, além de diversas outras antologias de contos e ensaios. Assina atualmente uma coluna no Jornal Comércio da Franca, um dos mais tradicionais do interior de São Paulo.
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