domingo, 20 de setembro de 2009

DURA CONSTATAÇÃO: ESPÍRITO ESPORTIVO NA ATUALIDADE É DO VALOR DO CHEQUE

Quando o Barão de Coubertin criou as Olimpíadas Modernas jamais imaginou que o espírito das competições e dos competidores chegasse a ficar atrelado intrinsecamente aos valores monetários e que a conta bancária dos competidores determinasse empenho de cada concorrente. De uns anos a esta parte centenas de atletas, nas mais diferentes modalidades, foram flagrados no exame antidoping, recurso utilizado para aumentar a resistência e, assim, levar o competidor à vitória, mesmo comprometedora.
Há muitos anos, talvez até a década de 70, o doping era aplicado em cavalo de corrida e, nesses casos, o flagra tirava do vencedor da prova o prêmio consagrado aos melhores. Com o passar do tempo descobriram que o ser humano também poderia render mais com alguma substância especial injetada no organismo, via oral ou venosa, e assim obter vantagens sobre os demais concorrentes. Com isso, os inocentes e gratificantes esportes olímpicos rechearam o noticiário esportivo e policial de notícias envolvendo atletas dopados. No futebol, eram raros os casos de alguém que se submetesse a esse tipo de artifício para alcançar a vitória em campo. Afinal, nesse esporte seria necessário dopar 11 jogadores mais os reservas, missão considerada supostamente impossível. No entanto, já na década de 70 descobriram que "rebitando" um ou dois a coisa poderia pender para o time necessitado da vitória e de algumas cobaias (jogadores) ávidos pela fama urgente, porém efêmera. Falcatruas descobertas, atleta e clube punidos. A Fifa, entidade que comanda o futebol mundial, cujo poderes se assemelha aos da ONU e a mais rica de todas as instituições do planeta, é implacável com os dopados e aplica rigorosas punições que chegam até a eliminação dos infratores desse quesito. Mesmo assim, no futebol, pipocam casos de dopados com esta ou aquela substância considerada pelas leis esportivas como doping.
No milionário e sofisticado circo da Fórmula 1, as manobras, sem trocadilho, não são diferentes. Nos últimos cinco anos as maracutaias, ao menos as que vieram a público, deixaram ruborizados os adeptos de dom Corleone, coronel da máfia mundial nos anos 30. O brasileiro Rubens Barrichello teve que puxar o freio de mão para Michael Schumacher ganhar uma corrida na Europa e Nelsinho Piquet, por sinal outro brasileiro, concordou em bater o carro para dar a vitória ao seu companheiro de equipe, o espanhol Fernando Alonso. No primeiro caso, alegaram cumprimento de contrato entre Barrichello e a Ferrari, que tinha como primeiro piloto o alemão, portando com prioridade sobre o espírito esportivo da competição. No segundo, amplamente divulgado nos últimos dez dias, custou a cabeça de dourados caciques donos do circo e a "morte" prematura do menino. Nelsinho afundou e respingou a lama da malandragem no pai, Nelson Piquet, orgulhosamente detentor de dois títulos mundiais, também da Fórmula 1.
Voltando ao futebol, paixão maior do brasileiro, os clubes vendem mando de jogos; o torcedor é relegado a simples contribuinte; a televisão monta a tabela com datas, horários e locais de acordo com seus interesses; o Ministério Público e a Polícia determinam quantos e quem pode ir ao estádio; as uniformizadas ocupam pela truculência os melhores lugares; e o Estatuto do Torcedor, elaborado para fazer prevalecer o direito do apaixonado por este esporte, é simplesmente "letra morta".
Apenas para lembrar, somente este ano vários clubes infringiram a regras: O Oeste de Itápolis inverteu o mando de jogo com o Santos e atuou no Pacaembu quando a partida seria em Itápolis; Palmeiras e Corinthians jogaram duas vezes em Presidente Prudente; o São Caetano enfrentou o Corinthians em Rio Preto; o Santo André jogou com o Palmeiras em Ribeirão Preto e agora o mesmo Santo André inverte o mando e também joga com o São Paulo em Ribeirão Preto. Tudo na contramão do que determina o Estatuto do Torcedor. Enfim, mudou a década, o século e o milênio e, por imposição da globalização e da modernidade, decretaram a morte do espírito esportivo, simplesmente substituída pelo valor monetário e pelo impulso que a vitória possa dar à conta bancária do atleta e seus patrocinadores.
A menina Jade Barbosa, 15 anos, que sonhava com substanciais medalhas douradas nos próximos jogos olímpicos, segue vendendo camisetas no Rio de Janeiro para juntar trocados que possam, ainda, salvar seus puros e inocentes devaneios juvenis de um dia subir ao pódio com o ouro balançando orgulhosamente ao lado de seu coração de menina. Pelos rumos tomados pelo esporte, em todas as modalidades, certamente o Barão de Coubertin, está em pé no sepulcro em que jaz, incrédulo pelos atalhos tortuosos que norteiam o espírito olímpico.

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Pierre de Frédy, o Barão de Coubertin .
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Educador francês nascido em Paris, no dia 1º de janeiro de 1863, o principal idealizador e um dos fundadores dos Jogos Olímpicos modernos. Descendente de uma família nobre, cujos antepassados receberam o título de nobreza (1471) durante o reinado de Luís XI. Quase um século depois, um de seus ascendentes adquiriu o Senhorio de Coubertin, perto de Paris (1567), que se tornou o nome de nobreza da família. Formando na Universidade de Ciências Políticas, optou pelo ideal pedagógico em vez da carreira militar e dedicou-se à reforma do sistema educacional francês. Mesmo sem ser um atleta, apresentou na Universidade Sorbonne, em Paris, um estudo sobre Os exercícios físicos no mundo moderno (1892) e mostrou o projeto de recriar os Jogos Olímpicos. Apesar da pouca repercussão, não desistiu e, dois anos depois, numa convenção internacional realizada na própria Universidade de Sorbonne, conseguiu (1894) a promessa dos gregos de abrigar os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna. Naquele mesmo ano foi criado o Comitê Olímpico Internacional, o famoso COI, com o objetivo de organizar a cada quatro anos uma nova edição dos Jogos, promovendo, assim, a união entre os países. Certo de que a Grécia havia atingido o domínio da Idade Antiga por causa do culto ao corpo e ao esporte, o barão passou a pregar a realização dos novos jogos, passando pelos Estados Unidos, Inglaterra e Prússia tentando fortalecer a difícil idéia. Assim, os Jogos Olímpicos renasceram, após quase 16 séculos depois da proibição de sua realização (393) pelo imperador bizantino Teodósio I, cuja primeira edição foi marcada para a cidade de Atenas (1896). Sem financiamentos oficiais, a organização da competição, a preparação a cidade, a construção do estádio e de um hipódromo para a disputa, tornou-se possível graças a uma generosa contribuição do bilionário arquiteto egípcio Georgios Averoff. Com o Barão de Coubertin como presidente do COI e com a colaboração do grego Demetrius Vikelas (1835-1908), no dia 6 de janeiro (1896), finalmente a chama olímpica pôde brilhar novamente e recomeçavam os Jogos Olímpicos, com a presença de 311 atletas não profissionais nas disputas, representando de 13 países. Esse histórico desportista gastou praticamente toda sua fortuna para colocar em prática o sonho da Olimpíada. Deixou a presidência do COI (1925) e morreu aos 74 anos, pobre e isolado, em Genebra, na Suíça. Posteriormente, como forma de reconhecimento, seu coração foi transportado para Olímpia, onde repousa até hoje em um mausoléu. Curiosamente seu lema O importante não é vencer, mas competir, e com dignidade, não é de sua autoria e teria sido criado pelo bispo de Londres em um ato religioso (1908).
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Oswaldo Lavrado é radialista e jornalista radicado no Grande ABC.
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