quinta-feira, 5 de agosto de 2010

TRÊS MULHERES

DE MINHA INFÂNCIA


Naquele tempo, as crianças entravam para a escola somente após completarem 7 anos. Não existia maternal, prezinho e nem jardim da infância. Era direto para a primeira série e para a Cartilha Sodré, livro de alfabetização muito famoso, à época.

A pata nada, pa-ta-pá, na-da, ná; O dado é da Dadá, da-do, dá; A macaca é má, ma-ca-ca, cá...

A autora dessa obra chamava-se Benedicta Stahl Sodré mas eu sempre pensei que fosse o Abreu Sodré, famoso deputado e governador de São Paulo, da antiga UDN/ARENA...

Dona Elza Zogbi foi minha primeira professorinha, doce de criatura! Ela morava no centro da cidade, numa residência estilo mourisco que hoje percebo, não era tão grande assim. Mas para o menino da época, era um palacete. Pelo meu bom comportamento fui convidado para conhecer sua casa e compartilhar de seu chá da tarde. Mamãe vestiu-me com o terninho branco de linho da primeira comunhão, gravatinha borboleta e "brilhantina glostora" no cabelo (Meu Deus!).

Lá pelas 5 horas da tarde descia eu, sozinho, a rua "do feijão queimado" (por ali passavam todos os enterros e as donas de casa, a pretexto de assistirem à passagem fúnebre, deixavam queimar as panelas).


Havia chovido e pouco antes de chegar à Avenida, escorreguei na calçada de terra e cai sentado numa poça d`água. Fiquei com as mãos enlameadas e a bunda suja de barro. Sem saber o que fazer, começei a chorar (como era fácil chorar!). Não poderia me apresentar assim no chá de D. Elza e se voltasse pra casa, meus amigos que certamente estariam todos na rua àquela hora, iriam gozar de mim, vestido de anjo, sujo e chorando. Desci a Rua Olaia e fui direto para a casa de minha avó Vitta, nos consfins da Rua Riachuelo e quando lá cheguei, a chuva começou novamente.

Menti para minha avó que minha mãe sabia que eu estava na casa dela e à noite viriam buscar-me. A velhinha acreditou e fez para mim chá de erva cidreira com limão e fritou seus deliciosos "bolinhos de chuva com bananas" A chuva apertou e tranformou-se em "toró" com o cair da noite. Fiquei com medo, pois a casa de meus avós era encostada a um córrego e quando dava enchente, a casa ficava inundada. Desandei a chorar, apavorado pela chuva e também pela mentira. Tanto que acabei por adormecer.

Minha "nonna" ajeitou-me no velho bercinho que serviu a todos os seus 11 filhos (inclusive a meu pai) e ficou aguardado meus pais chegarem. E eles chegaram... Furiosos quando me viram, pois já haviam rodado as casas de todos os parentes, inclusive da professorinha, à minha procura. Meu pai Paschoal arrancou-me do berço e quis bater em mim, alí mesmo, mas o "nonno Beponne" não deixou: "-Lascia il bambino, Pascuale! Poverino, stà a dormire!"

Mas que nada, levou-me debaixo de chuva mesmo e enfiou-me na Chevrolet 54, ruminando "juras de vingança". Chegando em casa, enquanto meu pai guardava o veículo e fechava o portão, mamãe, apavorada, enfiou-me na cama, cobriu-me com vários travesseiros e jogou por cima um cobertor bem grosso (ainda bem que estava muito frio naquela noite), recomendando: "Cubra a cabeça e grita feito um cabrito toda vez que ele der as pancadas".

O velho entrou espumando, com o relho de "rabo-de-tatu" na mão (era uma espécie de chicote de bater em animais) e iniciou a pancadaria. A raiva era tanta que nem percebeu o subterfúgio armado pela extremosa mãezinha. Salvo uma ou outra fisgada nas orelhas, saí-me ileso mas o susto foi tão grande que acordei de manhã com febre de 40º e como "prêmio", não pude ir à escola por uns três dias.

Nunca mais vesti o maldito terninho de linho mas os bolinhos de chuva de minha avó, eu faço até hoje e copiem aí, pois é muito fácil a receita:

BOLINHOS DE CHUVA COM BANANAS: 3 ovos inteiros; 3 colheres (sopa) de açúcar; 1 pitada de sal (1/2 colherinha de café); 1 copo de leite (mais ou menos); 1 colher (chá) de pó royal); 3 bananas bem maduras em rodelas e farinha de trigo até o ponto de pegar com a colher e pingar na gordura quente (ajudando a empurrar com os dedos). Fritar e escorrer. Se preferir, troque as bananas por pedacinhos finos de goiabada.
Salpicar bastante açúcar e canela. Espere chover e sirva com chá ou café.



*JOÃO BATISTA GREGÓRIO, 58, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e já prepara um novo livro, a ser lançado em breve. Para conhecer a sua produção, acesse o blog do JB, cheio de histórias divertidas, onde cada crônica pitoresca acaba com uma receita culinária especial, testada e aprovada! Clique no endereço abaixo e delicie-se! http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/