quarta-feira, 22 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Milton Saldanha

INÉDITO
Capítulo XXVI

Como Samuel Wainer conquistou Getúlio Vargas
Primeira parte

A história toda é muito longa, com lances polêmicos. Vou resumir aqui no blog, senão ninguém agüenta. Samuel Wainer era repórter do grupo Diários Associados, do Assis Chateaubriand, o Chatô (não deixem de ler o fabuloso livro do Fernando Morais sobre ele). Foi dos jornais e da revista O Cruzeiro. Os Diários Associados foram a maior e mais poderosa rede de comunicação que já existiu no Brasil em todos os tempos. Só a Globo de hoje é comparável à força que teve, e olhe lá. Os Associados, como era chamada a rede, na área do papel tinha jornais e revistas. O Cruzeiro era carro-chefe, tirava um milhão de exemplares por semana no início dos anos 50, e chegava com desconcertante velocidade em todo o Brasil. Eles tinham também uma centena de rádios, sendo a Tupi em ondas curtas, portanto de longo alcance, e algumas TVs. A primeira TV do Brasil, a Tupi, inaugurada em SP e depois Rio, foi deles. Como ninguém tinha aparelho em casa, fizeram a inauguração com TVs colocadas na Praça da República.
Samuel Wainer, da comunidade judaica, era um homem bonito e conquistador de mulheres. Insinuante, circulava com desenvoltura no Rio de Janeiro, capital federal e centro de todas as atenções do Brasil naqueles anos. Tentou cobrir a participação brasileira na II Guerra Mundial, o que lhe daria fama, mas Chatô não deixou, mandou o Joel de Almeida. Mas, Samuel conseguiu ser o enviado especial dos Associados ao Tribunal de Nuremberg, que julgou e condenou os nazistas acusados de crimes. Se não estou enganado, foi o único jornalista brasileiro lá. Qualquer repórter talentoso teria feito barba e bigode, mas Samuel fez uma cobertura medíocre. Não deixou sequer um livro sobre isso. Seu texto era pobre, muito básico, e cheio de chavões. Tenho cerca de cem exemplares, ou mais, da antiga revista O Cruzeiro, dos anos 40 e 50. Os textos assinados por ele não tinham brilho. Trabalhando com ele, na segunda fase da Última Hora e depois na Editora Três, tive certeza absoluta disso. Mas ele tinha entusiasmo, sangue de jornalista, e tremenda ousadia. E foi essa ousadia que o levou a Getúlio Vargas, depois de deposto, em 45, e vivendo recluso em sua fazenda de Itu, município gaúcho de São Borja, região missioneira, fronteira com Argentina, que fica na outra margem do rio Uruguai. Existem duas versões para o episódio, não sei qual é a verdadeira, e vou contar as duas.
Primeira versão: Samuel Wainer foi à região, não lembro para que cobertura. Usava o teco-teco (monomotor) dos Associados. Aí teve uma idéia luminosa: entrevistar Getúlio em seu exílio. Getúlio não atendia jornalistas há vários anos, só cuidava do seu gado, vivendo com extrema simplicidade em sua fazenda. Samuel mandou o piloto descer na fazenda, mentindo que o avião sofrera uma pane. Foram recebidos e hospedados por Getúlio, que acabou capitulando e deu uma entrevista. “Eu voltarei!”, foi a célebre frase, que virou manchete de O Jornal, do Rio, num tremendo furo de reportagem nacional. A frase e o furo abriram o caminho para a volta de Getúlio, agora não mais como ditador, mas como presidente constitucionalmente eleito, em 1950. Segunda versão, que era contada pelo famoso colunista político Carlos Castelo Branco: Getúlio pretendia anunciar sua volta como candidato e daria uma entrevista coletiva. Os jornalistas estavam concentrados em Porto Alegre esperando a convocação. Samuel, esperto, pegou o avião dos Associados e se mandou para São Borja, sem esperar. O resto foi como contei acima. Getúlio também não esperou, abriu o bico para ele. O episódio tornou Samuel Wainer famoso do dia para a noite. Naquele tempo, o furo jornalístico era algo extremamente valioso. Era o sonho de qualquer repórter. Imaginem, então, um furo dessa magnitude. Foi assim que Samuel Wainer se tornou amigo de Getúlio, e depois passou a freqüentar e cobrir o Palácio do Catete. Ganhou a confiança do velhinho, como era chamado o presidente, que lhe abriu os cofres do Banco do Brasil para a montagem da Última Hora. O resto é o que já contei neste blog e o que já se sabe por outras fontes.
É interessante registrar ainda que o maior rival e inimigo de Samuel foi seu contemporâneo de reportagem, Carlos Lacerda, que trocou o jornalismo pela política e foi também uma das figuras mais controvertidas (sem meio termo, amado ou odiado), da política brasileira. Samuel ganhou muito dinheiro, gastou tudo em futilidades, e morreu quase pobre, dependendo de empregos quase de favor. Foi um final melancólico. Era dócil no tratamento, conversamos algumas vezes sobre questões de trabalho, e uma contradição me intrigava nele: assim como sabia montar equipes de grande talento, escolher as pessoas certas, ele também invejava essas pessoas. Porque tinha uma personalidade muito competitiva. Foi, em tudo, um personagem realmente inusitado.
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*Milton Saldanha, 63 anos, gaúcho, torcedor do Inter, começou no jornalismo aos 17 anos, em Santa Maria (RS). Trabalhou na grande imprensa de Porto Alegre e de São Paulo. Foi da Folha da Manhã (RS), Diário do Grande ABC, Agência Estado, Estadão e JT, Rede Globo, Rádio Jovem Pan, Última Hora (com Samuel Wainer), entre vários outros veículos. Foi também assessor de imprensa da Ford, do IPT e do Conselho Regional de Economia. Tem um livro publicado, "As 3 Vidas de Jaime Arôxa"; participou de uma antologia de escritores gaúchos; um livro pronto e ainda inédito, "Periferia da História", onde conta de memória 45 anos da recente história do Brasil sob um ângulo totalmente inédito; trabalha num livro sobre Reforma Agrária. Pouco antes de se aposentar fundou o jornal Dance - http://www.jornaldance.com.br/que já tem um filhote regional em Campinas, e que neste 2009 completa 15 anos.
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*Não deixem de acompanhar, no blog desta quinta-feira, o dia em que o então garotinho Milton Saldanha esteve - totalmente deslumbrado - a um metro do presidente Getúlio Vargas, na pequena São Borja (RS) de 1953. Um ano depois Getúlio Vargas se mataria, no Catete. Não percam! (Edward de Souza)
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