quinta-feira, 24 de março de 2011

QUARTA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2011


Ao ler o Estadão dia desses, vejo na primeira página o título “Dias de caos em SP. Solução só em longo prazo”! Com revolta, vislumbro, ao ler a matéria, que as autoridades municipais, estaduais e federais, continuam a empurrar com a barriga um problema que se arrasta há muitos anos. Na década de 50 (e seguintes), na época das chuvas que vai de dezembro a março, ou abril (verão), residia eu no bairro do Ipiranga. Todo o dia tinha que me deslocar para o Centro de São Paulo. O trajeto incluía a Avenida do Estado, cruzando o Parque Dom Pedro II até alcançar a então Praça Clovis Beviláqua. Era um caos. O rio Tamanduateí, transbordava e, pobre de nós que tínhamos que usar de subterfúgios para escapar da inundação.

Todos os bairros adjacentes ficavam inundados. Cambuci, Mooca, Várzea do Glicério... Era um sacrifício chegar ao local de nosso emprego em condições minimamente transitável. Época em que terno e gravata eram obrigatórios. Galochas, botas de borrachas, calças arregaçadas... Tudo era válido para nos manter adequadamente vestidos. Um ou outro bairro sofria com o problema do “tempo das águas”. Não se ouvia falar em casas desabadas por causa do excesso de chuvas e não havia problemas com desbarrancamentos.
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Tudo começou com a construção de barracos nas margens do Tietê, do Tamanduateí e outros rios que correm na maior metrópole da América do Sul. Circulava na época, uma historinha interessante e jocosa. Migrantes vindos de todas as partes do Brasil se estabeleciam e construíam, ou alugavam um barraco nas margens dos rios mencionados. O esgoto a céu aberto ali estava. Depois escreviam para seus parentes residentes nas mais diversas regiões do Brasil e diziam que moravam no centro de São Paulo e já tinham um carro. O carro? Um velho “Fusca”, ou um Gordini...

Os políticos, que deveriam impedir que isso acontecesse fizeram vistas grossas. Afinal, os votos futuros eram muito mais importantes do que manter a cidade dentro de um padrão habitávelmente confortável. As ruas e avenidas foram se impermeabilizando. Eram obras visíveis e os votos eram certos. Pode-se dizer que a grande Metrópole foi aos poucos vítima de uma demagogia desenfreada.
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O Tietê e o Tamanduateí que na década de 40 ainda tinham peixes viraram esgoto e depósito de lixo (foto acima). Um caldo fétido corre por esses rios. Quero aqui deixar registrado que, em companhia de um tio residente na época no bairro do Brás, fazia gostosas pescarias no rio que corta o Parque Dom Pedro II. Um parque arborizado com lindas árvores, extenso gramado, bancos e ricamente decorado com estátuas dos mais diversos motivos. A solução para que isso não acontecesse era exatamente: “não deixar acontecer”! Com o correr dos anos, os governos conseguiram grandes financiamentos para resolver o problema causado por negligência, ganância, má administração e falta de uma intensa campanha para que a população entendesse o malefício de jogar lixo nas ruas. As consequências de não manter a Paulicéia dentro de um crescimento ordenado ai está. Incêndios em barracos, assoreamento dos rios, cheias que destroem e matam. E ainda permitir a construção de residências de alvenaria e barracos nas encostas dos morros e várzeas.

As ruas secundárias poderiam ter sido calçadas com paralelepípedos, como mostra a foto acima, ou outra pedra equivalente. O solo não ficaria impermeabilizado e as águas fatalmente iriam para o lençol freático rapidamente. Entretanto, a solução para São Paulo ficar livre de tudo isso, ou pelo menos das enchentes só acontecerá em 2050, segundo notícia inserida no Estadão. Administrações criminosas ocasionaram a “hecatombe” que acontece em São Paulo e cidades vizinhas todos os anos e que ainda segundo promessas só se resolverá na metade do século XXI.

Enquanto isso recebo pela internet um e-mail mostrando que no Japão o subsolo de Tóquio (foto acima), alberga uma fantástica infraestrutura cujo aspecto se assemelha ao cenário de um jogo de computador ou a um templo de uma civilização remota. Anualmente uns 25 tufões assolam o território japonês. Desses, dois ou três atingem Tóquio em cheio, com chuvas fortíssimas durante várias horas ou até um dia inteiro. Mas nem por isso ocorrem enchentes ou alagamentos na cidade. Por que será? Cinco poços de 32 m de diâmetro por 65 m de profundidade interligada por 64 km de túneis formam um colossal sistema de drenagem de águas pluviais destinado a impedir a inundação da cidade durante a época das chuvas.

A dimensão deste complexo subterrâneo (foto acima), desafia toda a imaginação. É uma obra de engenharia sofisticadíssima realizada em betão, situada 50 m abaixo do solo, fato extraordinário num país constantemente sujeito a abalos sísmicos e onde quase todas as infraestruturas são aéreas. A sua função é não apenas acumular as águas pluviais, como também evacuá-las em direção a um rio, caso seja necessário. Para isso dispõe de 14.000 HP de turbinas capazes de bombear cerca de 200 t de água por segundo para o exterior. Para esse nível de tecnologia japonês, as "enchentezinhas" de São Paulo, Rio, etc., seriam tiradas de letra. Conclusão: não existe problema insolúvel. Basta querer enfrentá-lo.
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*J. MORGADO é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista? Só clicar aqui:
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