segunda-feira, 5 de outubro de 2009

ABRIR UMA IGREJA EVANGÉLICA É FÁCIL

Abrir uma igreja evangélica é fácil. Basta você criar um nome bem interessante, no estilo, "Pronto Socorro de Jesus" ou "Igreja Evangélica Emanuel do 4º Dia"... Mas tem que pensar em outros nomes, pois estas igrejas já existem. Encontrando um nome, é só registrar a nova igreja na prefeitura da cidade como uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, numa determinada lei na qual ela se enquadra, arrumar sua garagem e colocar umas cadeiras de plástico. Feito isso, improvise um altar com um crucifixo de madeira (pode ser aquele da casa da sua avó), mas lembre-se, deve estar no mínimo dois metros acima dos fiéis, para que você tenha uma visão privilegiada e seja admirado e respeitado por eles. Arrume um microfone, duas caixas de som, decore algumas passagens da Bíblia e pronto! Você virou um missionário religioso. Não precisa estar associado a mais nada, é fácil. E não há motivo para se preocupar, afinal, a maioria desses "pastores" e "missionários" não têm nenhuma preparação, estudo ou qualquer coisa que o valha. Importante é que você seja bem comunicativo e tenha o dom de convencer as pessoas. Quanto à localização da igreja, se você tiver um dinheirinho extra e não precisar usar a garagem de sua casa, prefira alugar um cômodo bom, sempre em comunidades grandes e pobres, de preferência na maior favela da sua cidade. Afinal, gente pobre é muito mais fácil de manipular, se bem que o dízimo per capita não será grande coisa, mas igreja nenhuma começou já convertendo o Kaká, Nelson Ned e a Mara Maravilha logo de cara. Além disso, se o seu público inicial for carente, ninguém vai ligar para a falta de infra-estrutura no seu barracão clerical. O seu templo não poderá dar muitas despesas iniciais. Somando aluguel e as contas de água, luz e telefone, não pode passar de mil reais por mês. Pelo menos você não terá de pagar IPTU, por se tratar de uma igreja. Uma coisa importante é a fachada. Ela deve ter aquelas faixas bizarras, com propaganda da sessão do descarrego. Quanto mais faraônico, melhor.
Para que sua igreja progrida rapidamente, pode também usar de uma artimanha conhecida, mas que ainda surte efeito rapidamente: prepare alguém que saiba fingir, que seja um artista, que se passe por um cego ou mesmo aleijado. Na frente de uma dúzia de pessoas presentes em sua igreja, coloque as mãos sobre a cabeça dele, ore alto, mostrando fé e realize a cura. No outro dia sua igreja estará lotada, é só passar a sacola e usufruir os lucros.
Recordo-me que, certa feita, um cidadão, em Santo André, abriu uma igreja, com o nome "Jesus te cura", ou "Jesus te chama" coisa assim. Combinou com um amigo, que tinha o apelido de "Saracura", que tomava todinhas e mais algumas, para servir de cobaia perante o ainda pequeno público que conhecia o "boca de litro". O "pastor", com um terno surrado subiu ao palco improvisado e anunciou soberano: "Vou trazer agora o "Saracura", que todos vocês sabem, bebe demais. Quando ele sair daqui estará totalmente curado". E assim foi feito. "Saracura" cumpriu seu papel e ainda nos bastidores recebeu seu cachê. Enquanto o "culto" prosseguia, "Saracura" se mandou e, na frente da igreja, não resistindo a tentação, entrou num boteco. Encheu a cara. Quando os fiéis deixavam a igreja o encontraram caído na calçada. O pastor, vendo a cena, saiu pelas portas dos fundos e nunca mais foi visto na região. Soube-se mais tarde que esse pastor não se conformou com o primeiro fracasso. Correu atrás do prejuízo, "montou" uma igreja no interior do Rio, ficou rico e já têm filiais pelo Brasil e um programa na TV, a glória para os novos "pastores" e o passo certo rumo a uma grande fortuna.
Foi Edir Macedo - autonomeado bispo - quem descobriu que vender a salvação eterna pela TV era um bom negócio e depois disso nenhum telespectador teve mais paz. Para onde você gira o dial tem sempre um pastor, um apóstolo, um bispo ou um guru com a palavra da salvação na ponta de língua, sempre dita em altos brados como se fôssemos todos surdos e recheadas de milagres que incluem cegos recuperarem a visão, paralíticos que andam e velhinhas obrigadas a correr no palco para mostrar o fim de sua artrose. Fico pensando como existe gente besta neste país, pois o nível dos programas é de dar pena, na sua maioria comandado por fanáticos analfabetos que se limitam a repetir os refrões que lhe colocaram na cabeça sem nenhuma profundidade teológica e filosófica. Pintam um quadro celestial para quem aderir à seita e o fogo eterno dos infernos para os incrédulos como eu.
É um espetáculo que seria risível se a gente não soubesse que por detrás de toda aquela encenação milhões de reais circulam livres de impostos, de prestação de contas e de fiscalização. O povo crédulo e desesperançado é o alvo falso desses novos profetas, que envergando ternos de baixo custo, suam como escravos na retirada de demônios ou na expulsão de espíritos maléficos que a gente nunca suspeitou existirem em tal quantidade nessa abençoada Terra de Vera Cruz. Fico imaginando o que pensam esses vendilhões de sua própria alma, se é que eles possuem uma. Será que por um minuto pensam no absurdo que pregam e praticam? Duvido muito.
E assim prospera essa indústria que hoje possui redes de televisão e paga rios de dinheiros nos canais abertos ou por assinatura para levar sua mensagem comercial, para estabelecer sua franquia do Paraíso. Neste país sem leis e de pouco caráter, eles proliferam e vicejam e vão vendendo a salvação junto com alma, certos de que, ao menos nesse plano terreno, eles não terão de prestar contas a ninguém.

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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista
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