quinta-feira, 1 de abril de 2010

CONTOS & CRÔNICAS DE PÁSCOA

PÁSCOA,

SÍMBOLOS E RÁDIO

Certamente os amigos jornalistas com muita competência trarão aos nossos leitores do blog as mais inteligentes dissertações nesta semana da Páscoa, tema proposto pelos líderes Edward de Souza e Nivia Andres. Bastante oportuna a medida, ensejará ampla discussão com base em registros históricos e polêmicos que remontam inicialmente aos hábitos judaicos e a passagem dos hebreus pelo Mar Vermelho com liderança de Moisés, para tornar-se, depois, comemoração altamente significativa da Igreja Católica.

Várias versões dão conta de uma Páscoa relacionada ao êxodo judeu do Egito no ano 1250 a.C., assim como de que o Imperador Constantino l acionou o Papa Gregório XIII para definir uma data oficial de comemoração da Páscoa. Um encontro importante de líderes religiosos ocorreu em Nicéia, Turquia, definindo a fixação do evento.

Não pretendo levá-los a me acompanhar pelos caminhos de uma história já bastante conhecida, mas, convidá-los para uma retrospectiva em tempos mais recentes que iniciaremos aqui sobre a lembrança e prática do silêncio em comemoração maior da igreja.

No primeiro quarto do século passado, a sexta-feira da Paixão a todos impunha absoluto e sério respeito, disciplinando costumes com rigidez.

A espiritualidade da Quaresma era apresentada pela Igreja como um caminho para a Páscoa e mistério Pascal de Cristo, exprimia-se no exercício das obras de caridade, no perdão, na oração, no jejum, principalmente no jejum do pecado. Mulheres do tempo de minha mãe praticavam abstinência de carne e outras durante os quarenta dias do período quaresmal. Sexta-feira Santa, “dia santo de guarda” carro não transitava e não se ouvia soar apito de trens nas ferrovias, ninguém cantava, ou tocava instrumentos. Passar ou lavar roupa constituía pecado; tudo era proibido, incluindo a varredura da casa das famílias. A sexta da paixão exigia pleno recolhimento e absoluto respeito.

As estações de rádio se fechavam interrompendo suas programações, se abertas, ouvi-las seria um sacrilégio imperdoável que a sociedade não discutia.

A Rádio Clube Hertz de Franca transmitia, diariamente, às 18h, “A hora do Ângelus” (toque da Ave-Maria rezada por um padre da catedral), programa que levou a emissora a instalar uma linha física e equipamento nos fundos da igreja, sem qualquer ônus. Estabeleceu-se uma praxe abrir a emissora na Paixão, especial e exclusivamente o tempo necessário para a transmissão do Sermão das Sete Palavras, prática interrompida no momento em que um vigário de tendências absolutamente radicais optou por não estender a abertura de espaço para outras crenças.

À época a emissora mantinha no ar dois outros programas religiosos (pagos) da Igreja Presbiteriana e da Mocidade Espírita de Franca.

O representante do Espiritismo solicitou à emissora a concessão de cinco minutos para uma prece no mesmo dia santificado, pedido considerado justo pela administração foi estendido, também, ao reverendo Presbiteriano.

Comunicada ao padre a decisão com a consulta de sua opinião a respeito de sua preferência antes ou depois para a Igreja Católica, este se insurgiu vigorosamente contra, nada havendo que o demovesse da ideia da justa medida.

Com equilíbrio e evitando maiores atritos, os dois pastores agradeceram a decisão, abdicando do direito adquirido.

A partir daquele ano a emissora ficou fechada na sexta da Paixão, nunca mais transmitiu o Sermão das Sete Palavras, até que a modernidade chegou, adotando, inicialmente, programação musical sacra, de câmara ou erudita. Hoje o musical do rádio que dá TOM às comemorações da Paixão não é o silêncio nem o recolhimento. O que se ouve na festa ou se assiste na rua, em época de Paixão, no caminho da Páscoa, é forte transpiração, movimento sensual e ritmo de “Na boquinha da garrafa” e “Reboleixo”.

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*José Reynaldo Nascimento Falleiros (Garcia Netto), 81, é jornalista, radialista e escritor francano. Autor dos livros Colonialismo Cultural (1975); participação em Vila Franca dos Italianos (2003); Antologia: Os contistas do Jornal Comércio da Franca (2004); Filhos Deste Solo - Medicina & Sacerdócio (2007) e a novíssima coletânea Seleta XXI - Crônicas, Contos e Poesias, recentemente lançada. Cafeicultor e pecuarista, hoje aposentado. Atualmente publica, no blog, A Série Relembranças II, sobre a história do Rádio Brasileiro, cujo quarto capítulo será postado na próxima quinta-feira, 8.
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Leia a seguir, logo abaixo, a crônica de João Batista Gregório, convidado especial do blog, A Páscoa de Adolpho Polaco.
CONTOS & CRÔNICAS DE PÁSCOA

A PÁSCOA DE

ADOLPHO POLACO


Em casa, a Páscoa era a data mais festejada do ano. Além da ressurreição de Cristo, também comemorávamos o aniversário de meu pai. Ele nascera em 1916, num longínquo domingo de Páscoa e por isso, recebeu o nome de Paschoal. Não importava em qual dia do mês de março, desde que fosse no domingo da Páscoa, os amigos e familiares apareciam para o almoço festivo, aquela coisa de italianos, com mesa farta, muito vinho e assados de todo tipo.

Meu pai tinha um amigo, grandão e branco como um porco landrace. Não sei qual a nacionalidade dele mas era conhecido por Adolpho polaco e morava em um sítio onde não havia luz elétrica e nem banheiros, cuidando de seus rebanhos de cabras e carneiros.

Certa vez, aconteceu um acidente tragicômico com o homem que culminou com sua ida ao hospital e virou piada na cidade: Devido à sujeira e falta de higiene em que vivia, ele ficou infestado de piolhos e no intuito de matar os parasitas, esfregou querosene em todos os pelos do corpo, tanto nas partes pudicas como nas impudicas.

Durante a noite, com uma lamparina acesa, tentou verificar se os piolhos haviam morrido mas ao aproximar demais o pavio de suas virilhas o fogo passou para seu corpo, chamuscando tudo quanto tinha de pelos e penugens. Ficou vários dias de quarentena com as pernas abertas, penduradas e cobertas apenas com um fino lençol.

Meses depois, na Páscoa, meu pai convidou o amigo para almoçar lá em casa. Quando chegamos da missa, desde a rua já sentimos o aroma delicioso da leitoa à pururuca que só minha mãe sabia fazer. A mesa estava posta e o Adolpho polaco, já meio zonzo pelos canecos de vinho que meu pai servia, falava alto e gesticulava a todo vapor.

Nossa casa era assobradada e no canto da cozinha tinha um pequeno cano de metal por onde escoava a água em dias de faxina. Fomos, eu e meus irmãos, pelo quintal e, utilizando-nos do cano como um gramofone, gritamos a plenos pulmões: "Adolpho polaco, botou fogo no saco... Adolpho polaco, botou fogo no saco..."

O homem virou uma fera e não sabendo de onde provinha a zombaria, saiu pela rua, esbravejando e procurando os autores da desfeita.

Minha mãe, esperta, descobriu logo e sem que a visita desconfiasse, trancou-nos, de castigo, na despensa dos fundos. Resultado: enquanto o chamuscado refestelou-se com a leitoa, nós ficamos em jejum até à noite, quando nos foi permitido provar de uma sopinha de fubá bem chinfrim.

Desde então, lembro-me dessas passagens de minha infância toda as vezes em que faço um carneiro ou uma leitoa assada.

CARNEIRO À CAÇADORA :


Para o cozido: 3 Kg de carneiro, cabrito ou coelho novos (8 meses, mais ou menos) em postas; 2 latas de ervilhas (prefiro pacotes de ervilhas semi- congeladas); 1 kg de batatas (cortadas em 4), 1/2 kg de cenouras em rodelas; 1 kg de tomates (sem sementes) cortados em 4; 12 mini cebolas inteiras; 2 pimentões em cubos e azeitonas pretas. Se quiser, pode acrescentar favas cozidas e escorridas.

Para o tempero: Tempere os pedaços de carne com sal, azeite e algumas folhinhas de alecrim. Deixe a carne de molho (de um dia para o outro) na seguinte marinada, batida no liquidificador : 3 cebolas grandes; 1 cabeça de alho; 1 galhinho de manjericão; folhas de hortelã, de sálvia; 3 folhas de louro; 1 molho de salsa e cebolinha; 1 copo de vinho branco seco; 1 copo de água; 1 copo de vinagre branco; 1/2 vidro de molho inglês ou shoyo e pimenta a gosto. No outro dia, frite as postas de carne numa panela grande, até ficarem bem douradinhas. Escorra o excesso de gordura (importante!) e cozinhe, acrescentando água fervente, aos poucos e até ficarem bem macias. Junte os tomates, as mini cebolas, os pimentões e as azeitonas. À parte, cozinhe, em água e sal, as batatas e as cenouras. Junte esses legumes, mais as ervilhas, à panela e misture tudo, de leve para não desmanchar os legumes. Sirva com arroz branco.

LEITOA À PURURUCA:

A leitoa não deve ser grande e nem muito gorda (uns 7 a 8 quilos) e temperada de véspera, da seguinte maneira: perfure a carne em vários pontos (sem cortar a pele), esfregue sal, pimenta-do-reino e alho espremido por toda a leitoa, principalmente nas partes do couro. No liquidificador, bata uma vinha d'alhos com duas cebolas grandes; uma cabeça inteira de alho; uns raminhos de alecrim; 3 folhas de louro (ou louro em pó); 5 colheres de molho inglês; 1 copo de água; 1 copo de vinho seco (branco ou tinto); azeite de oliva e pimenta a gosto. Em uma vasilha larga e rasa (não pode ser de alumínio) coloque a leitoa com o couro para cima (a pele não pode ficar molhada) e deixe tomar tempero. No dia seguinte, leve-a para assar em forno alto e pré-aquecido. Não é necessário cobri-la, desligue o forno somente quando a pele ficar com uma cor de caramelo escuro e crocante. Sirva com limão, farofa, arroz branco, tutu de feijão e couve refogada. O segredo é não deixar a pele da leitoa em contado com a vinha d'alhos.

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*João Batista Gregório, 57, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Já publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e exercita seus dotes no Blog http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/ onde cada crônica pitoresca finda com uma receita culinária especial.
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