Apesar de usarmos oficialmente o calendário gregoriano que tem seu início em 1º de janeiro, no Brasil nada acontece ou se move até depois do carnaval. O inconsciente coletivo determinou que a primeira segunda-feira após os festejos de Momo seja o início oficial do ano e até lá não adianta forçar a barra que nada funciona. Assembléias e Câmaras param, o governo entra em hibernação, os médicos viajam, as escolas dão férias, o comércio liquida e até mesmo os marginais dão um refresco para tecer suas alegorias com que desfilarão na avenida.
Tente o desavisado cidadão programar ou resolver alguma coisa nos meses de janeiro e fevereiro e fatalmente ouvirá a resposta: depois do carnaval. E não adianta insistir que somente depois do carnaval é que o motor pega e esse Brasil velho de guerra começa a andar em sua marcha lenta de quase quinhentos anos. Com exceção de carnavalescos, costureiras e autores de samba-enredo, todo o princípio de ano é para descansar e preparar-se para os quatro dias de folia.O carnaval tinha de dar certo no Brasil. Seria aqui ou em nenhum outro
país que essa festa pagã por excelência, embora baseada no calendário da Igreja, ganhasse asas e voasse até o delírio. Os portugueses trouxeram seu tímido “entrudo”, que se resumia a batuques e laranjinhas de cheiro jogadas nas ruas. Foi preciso o tempero negro para o carnaval ganhar forma e fama e se tornar a apoteose nacional, nosso maior produto de exportação turística e nossa marca registrada.
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país que essa festa pagã por excelência, embora baseada no calendário da Igreja, ganhasse asas e voasse até o delírio. Os portugueses trouxeram seu tímido “entrudo”, que se resumia a batuques e laranjinhas de cheiro jogadas nas ruas. Foi preciso o tempero negro para o carnaval ganhar forma e fama e se tornar a apoteose nacional, nosso maior produto de exportação turística e nossa marca registrada. .
Nós somos um povo alegre por formação. A miscigenação entre índios,
negros, portugueses e as pitadas de japoneses, italianos e alemães criaram uma espécie de raça que segundo o samba “não tem medo de cachaça” e já definiu que escorregar e cair é jeito que o corpo dá. E assim vamos de crise em crise gozando de nossa própria miséria com uma bola no pé e um estandarte na mão para enfrentar esse mundo velho e globalizado.
negros, portugueses e as pitadas de japoneses, italianos e alemães criaram uma espécie de raça que segundo o samba “não tem medo de cachaça” e já definiu que escorregar e cair é jeito que o corpo dá. E assim vamos de crise em crise gozando de nossa própria miséria com uma bola no pé e um estandarte na mão para enfrentar esse mundo velho e globalizado..
Maravilhoso país esse que se dá ao luxo de parar dois meses e agora mais uma semana para que seus filhos brinquem a maior festa popular do mundo, se entupam de cerveja, virem carros pelas estradas, se droguem, joguem pra fora suas porções escondidas e traiam a mulher, a Pátria e até Deus, nesse frenesi que toma conta de nós todos, foliões ou não, sujeitos a essa ditadura da alegria onde samba, suor e cerveja molham até a alma. Tudo é permitido em nome da alegria. Vestir-se de mulher, pintar o rosto, fantasiar-se de Batman, usar a lingerie da esposa, mamar numa garrafa até ver o mundo rodar, nada disso é ignorado e pouco é punido. Cria-se um frenesi de alegria que faz com que foliões solitários cortem toda a avenida batendo numa lata e cidadãos de cãs brancas percam totalmente a compostura atrás de alguma colombina desgarrada.As televisões se voltam totalmente para o carnaval, muito embora no
resto do mundo existam fatos, como a crise econômica dos americanos, a matança na Líbia, as idiotices de Chávez, a saúde de Fidel. Nada disso importa. O que vale é mostrar baianos atrás do trio elétrico e as mesmas escolas de samba pasteurizadas, que só se diferenciam uma das outras pela cor de cada uma. E tem até o carnaval em São Paulo, carnaval de japonês e polacos, de miúdas gueixas tentando sambar desajeitadamente, de gordas germânicas dando no pé e mulatos, porque mulatos e mulatas são a matéria-prima essencial do nosso carnaval e, porque não dizer, deste país. Vamos, pois, cair no ritmo, com moderação, e sempre rezando para que a companheira Dilma arregace as mangas e comece a trabalhar e não nos apronte maldades, como por exemplo, a volta da CPMF..
Não sei o que seria desse Brasil sem o carnaval, sem essa maravilhosa válvula de escape social que nos iguala e nos anima a mais um ano. Essa catarse coletiva que permite loucos, bichas, turistas, ricos e pobres num mesmo cordão sem preconceitos e sem regras. Até a Igreja com toda sisudez nos deixa pecar desde que tomemos as competentes cinzas da quarta quando purgamos todos os males do corpo e da carne. Portanto, vivamos essa festa nacional com a certeza de que ninguém como nós sabe transformar um gato irritado num alegre tamborim e que, como nós, ninguém é capaz de sorrir com a barriga vazia e a cabeça cheia de problemas e da mais pura aguardente nacional. Graças a Deus o carnaval existe e o ano oficial de 2011 espera pelo soar do último clarim na Praça Castro Alves para então colocarmos o terno e a gravata e partir para a ação.___________________________________________
*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista
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Na próxima quarta-feira, o quinto capítulo de: “O dia em que gravei o Jornal Nacional”.
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