domingo, 11 de abril de 2010

ALEGRIAS E TRISTEZAS DOS ANOS DOURADOS

ANOS INOCENTES
.
.
As lembranças, mesmo que permaneçam no domínio da fantasia são sensacionais, possibilitam o ingresso em castelos encantados repletos de fantasmas, voltar ao tempo dos dinossauros e percorrer as estradas do futuro. Lembranças que remetem à infância, fantasias que transpõem o domínio da imaginação e se tornam reais diante de nossos olhos. São os doces mistérios da vida. Neste fim de semana, nuvens de saudade passeiam no céu da minha memória, formam desenhos de lembranças. Dos meus tempos de criança e de minha juventude na cidade de Franca. Das luzes do Natal e das folias carnavalescas. De alegrias e tristezas deixadas na esteira do tempo. A vida é colecionadora de saudade no vaivém cotidiano da existência. Como disse Machado de Assis, “saudade é o passar e o repassar das memórias antigas”.
.
Anos 60 em Franca. Baladas ao cair da tarde, Roberto Carlos, música italiana, twist, hully-gully. Ray Conniff, obrigatório. As brincadeiras dançantes na AEC ou então na casa do Dr. Spinelli e à tarde de domingo no salão rosa do Hotel Francano. Isto sem falar nos bailinhos da Associação Rural e festas na escola normal Dr. João Ribeiro Conrado. Ninguém ficava sem dançar. Aqueles foram tempos em que se levantava no domingo com ressaca de uma festa de arromba, quando gatinhas ainda não tinham nascido e cachorra ainda era mulher de cachorro.
.

.
"O Candelabro Italiano", filme do ano. Todas as mulheres ficaram enlevadas. "Al di la” estourava nas paradas. As meninas achavam Troy Donahue um gato. Suzanne Pleshette era tudo o que cada uma queria ser. E o "Jony Ghitar"? Toda moça achava que a música era feita para ela... Isso sem falar nos filmes do Tony Curtis. Nessa época do bambolê os westerns estavam na moda e John Wayne era o grande herói. Cada soco, um nocaute. E o chapéu nem se mexia. Mas ninguém se importava com essas imperfeições técnicas. O que valia era o enredo, a diversão. Os filmes de Tarzan nas matinês e as balas "Chita" sendo devoradas a cada ação do herói. Havia ainda os seriados do Tom Mix, Roy Rogers, Rocky Lane, Homem submarino e tantos outros...

.
A primeira namorada. Beijos roubados no cinema. Coração batendo acelerado ao ver seu amor passar. O footing. Ridículo, pensando hoje. Dá pra imaginar uma legião de moças passeando de braços dados em volta de uma praça, enquanto os moços ficavam parados, só assistindo? Inimaginável! Mas assim começavam quase todos os namoros. No footing da Praça da Estação, ou em volta do coreto na praça central de Franca.

.
O footing era um flerte em movimento, mas todo mundo ficava de olho era na "escapadinha" de casais ao caramanchão. O pipoqueiro sabia quem namorava quem e dava dicas se “ele” ou “ela” já haviam passado por ali. E, com isso, ia vendendo sua pipoca com pimenta. E as famosas enquetes? Circulavam tanto quanto as sofisticadas agendas atuais. Era pura emoção! “O que será que ela vai responder?”. Ansiedades a mil e os caderninhos com as frases criadas ou copiadas circulavam de mãos em mãos. Ainda me lembro do malabarismo que a moçada fazia para que viesse às suas mãos aquele da mulher amada...
.
.
Carnaval... Época inocente, em que o lança-perfume era mesmo só pra perfumar a festa. Certamente, alguns já conheciam seus outros efeitos, mas guardavam segredo. Óculos de plástico para se proteger dos engraçadinhos que fulminavam os olhos dos distraídos com o jato do lança-perfume. Fantasias de cetim. Matinês nos clubes. Chuva de confetes e serpentinas. Isso sem falar nas festas do "sustado" em Patrocínio Paulista, das quadrilhas dançantes na fazenda dos Faleiros, em Restinga, e do prolongamento do carnaval na quarta-feira de cinzas na casa das carioquinhas.

.
Vestido tubinho, minissais, vestidos de brocado nos bailes de formatura. A moda "vestido saco" querendo vingar. E as anáguas? Tudo superfashion. A primeira fotonovela de amor. Tardes de domingo na porta do cinema. A garotada trocando gibis, pura estratégia para distrair o porteiro do cinema e entrar nas sessões de filmes proibidos para menores de 18 anos, principalmente se a estrela principal fosse Brigite Bardot. O troca-troca de lugares no cinema e todo mundo adorando Doris Day...
.

.
Desfile de 7 de Setembro, interminável. Sol do meio-dia. Pensamento longe, na comida da mãe, no sorvete do bar Tubarão. Ah, o inesquecível Bar Tubarão... Sem falar no Café Francano. A Colegial, ponto de encontro obrigatório das noites de sábados e entardecer de domingo. Os rapazes usavam ternos bem cortados, cabelos rigorosamente penteados. Nas mesas, saboreavam um gostoso "Hi-fi”, ou mesmo uma "Cuba Libre". As garotas sentavam-se em grupos, misturavam num copo enorme sorvete com Coca-Cola, bebida famosa que se chamava Kalu, e fingiam ignorar os olhares que recebiam.

.
As paqueras aconteciam naturalmente. E nós, quando "durangos", tomávamos o "samba em Berlim", ou seja, coca-cola, gelo picado e pinga além da gorjeta para que o garçom pusesse uma rodela de limão na borda do copo, para dar impressão de um "sofisticado" Cuba-libre. No bolso, é claro, a famosa bala "pipermint" devidamente triturada para que, num caso de emergência, pudesse tirar o "bafo" da cachaça. Tinha ainda o parque na praça dos correios, sempre tocando as músicas da Emilinha Borba e Ângela Maria. As quermesses com os inesquecíveis "correio elegante"! Tempo de sonhos. Sonhos simples, realizáveis.
.
Amigos de infância. Amigos da pré-adolescência. Saudade dos companheiros da época. Onde andarão aqueles que iam conosco desafiar a passagem na pinguela da rua da estalagem, dar um mergulho no córrego da Ponte Preta, comprar uma cerveja escondida no "Rabo Fino" ou no "Rabo Grosso", as duas famosas vendinhas da Praça João Mendes? Quando a menina queria um doce da padaria dos "Archettis" o jeito era comprar, uma delícia. Depois, uma corridinha até "pharmácia" do Orestes, em busca de um antiácido por conta do exagero.

.
Às vezes, sente-se vontade, até mesmo curiosidade, de rever os amigos dessa época inocente. Mas o tempo, as experiências vividas, felizes ou infelizes, deixam marcas. Todos mudaram. Física e interiormente. Então, ao mesmo tempo em que se anseia por um reencontro, existe o medo de que essa volta ao passado seja frustrante e quebre a magia das lembranças. Será que a saída da missa das 10 horas ainda é o ponto alto das manhãs de domingo?

.
As páginas desses anos dourados já estão arquivadas no caderno do passado. Agora há um breve intervalo, pequena pausa. E logo depois um novo tempo que se juntará à história de nossas vidas. Assim, vamos deixando ao passado o que é dele e vivendo apenas o presente, talvez não tão mágico, porque é real, porém o único tempo que temos para, de fato, viver. Aproveite o final de semana para celebrar a vida.
___________________________________________
*Edward de Souza é jornalista e radialista
___________________________________________