segunda-feira, 29 de novembro de 2010

As transmissões esportivas de rádio invariavelmente reservam emoções diferenciadas para quem ouve e, especialmente, para os que estão diretamente nela inseridos. Nos quase 30 anos que fizemos parte da equipe de esportes da Rádio Diário do Grande ABC, tivemos aventuras gratificantes (outras nem tanto) pelos estádios deste Brasil que, parece, será sede da Copa do Mundo em 2014.
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Corria o ano de 1992 e o Campeonato Brasileiro estava chegando ao final com Botafogo, Flamengo, Atlético/MG e Internacional disputando as semifinais. A equipe de esportes da Rádio Diário iria acompanhar, in loco, ao menos um jogo por rodada em qualquer lugar do Brasil. Uma quarta-feira, eu (comentarista) e Rolando Marques (narrador), embarcamos, em avião, para Belo Horizonte, onde à noite o Galo enfrentaria o Mengo, no Mineirão. Nossa desdita começou no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde o vôo para Belo Horizonte, marcado para as 12h saiu às 17h. Nosso bilhete marcava como destino o aeroporto da Pampulha, ao lado do Estádio Magalhães Pinto, o Mineirão. No entanto, por problemas técnicos, a aeronave aterrissou no aeroporto dos Confins, na região Metropolitana de Belo Horizonte e a quilômetros de distância da Pampulha. Eram, então, 18h30, pois teve uma escala, não programada, no Galeão, no Rio de Janeiro. Nossa adrenalina já estava a mil pelo receio de começar a transmissão com atraso, falha imperdoável em se tratando de rádio.

Chegando a BH, um amigo nosso aqui de São Bernardo, José Chéu da Silva, então árbitro de futebol da CBF - Edward de Souza o conhece bem - nos aguardava no aeroporto, (previamente alertado que o desembarque seria no Confins). O Chéu residia em Belo Horizonte e estava escalado pela CBF como quarto árbitro do jogo. Gentil e prestativo, ele nos levou ao Mineirinho, ginásio de esportes de BH, anexo ao Mineirão, na Pampulha, onde arranjou acomodações para o pernoite. Outro desastre, embora o preço da pousada fosse simbólico (tipo R$ 6 por pessoa) as instalações eram precárias. Debaixo das arquibancadas do ginásio os espaços foram transformados em hospedagem para atletas, com camas em concreto, colchões que mais pareciam capachos e roupas de cama que certamente seriam recusadas por moradores de rua.

Não havia saída para recusa por dois motivos: o anfitrião era nosso amigo de longa data e não seria educado declinar da oferta e não havia mais tempo a perder porque em menos de meia hora teríamos, o Rolando e eu, que entrar no ar. Catamos nossa parafernália de rádio e rumamos para o Mineirão (foto a esquerda), que formigava de gente. Por ser a fase semifinal do Brasileirão, centenas de emissoras de rádio, TV, jornais e revistas do Brasil e, quem sabe, do mundo, estavam no estádio e, claro, não havia cabines para acomodar todos. Como era esperado, a Rádio Diário e todas as outras que não fossem de Belo Horizonte e São Paulo, foram jogadas para as arquibancadas cobertas, no reservado, que estava mais para galinheiro. Propositadamente, as rádios do Rio de Janeiro também foram pra lá, já que os mineiros estavam bronqueados com a imprensa do Rio e enfiaram as emissoras cariocas no pardieiro.

Alguns torcedores, reconhecendo uma equipe carioca, não deixaram por menos e fustigavam os profissionais da rádio com palavrões, xingamentos, bolas de papel, copos com urina e tudo que podiam arremessar. Como eu e o Rolando estávamos ao lado da Tupy carioca, sobrou também pra gente, pois a torcida sabia que quem estivesse no espaço não era mineiro. Então, salve-se quem puder. Antes mesmo do jogo começar, o comentarista Luiz Mendes (Rádio Tupy do Rio) recebeu um pedaço de concreto na testa e desmaiou sangrando. Fui o primeiro a socorrer o companheiro acionando um policial que se encarregou de levar o veterano radialista ao centro médico do estádio.

A situação se complicou quando o árbitro paulista, Dulcídio Wanderley Boschila (foto a esquerda), falecido em São Paulo, em 14 de maio de 1998, aos 59 anos), marcou um pênalti para o Flamengo e convertido por Bebeto. Parecia que o estádio viria abaixo. Sobre nossas cabeças, na jaula destinada às emissores excedentes, voava todo tipo de objeto. Uma latinha de cerveja vazia (uma pena) veio me cumprimentar diretamente no rosto. Uma sandália acertou a cabeça do Rolando, que tentava disfarçar sua calvície com um boné tipo padeiro lusitano e que voou para longe e não mais foi encontrado. Um sufoco interminável, transformado em pavor, ao sentir um bando de celerados descarregar sua ira e frustração nos profissionais forasteiros que estavam no Mineirão.

Encerrado o jogo com a vitória do Flamengo, e os impropérios e ameaças dos atleticanos que ainda restavam, encontramos na porta do estádio o companheiro Luiz Mendes com uma faixa na cabeça que encobria sua careca e o ferimento provocado por um insano. Agradeceu nossa solidariedade e sumiu em direção a viatura com o logotipo de sua rádio, mas não sem antes garantir que nunca mais voltaria a Belo Horizonte, principalmente ao Mineirão, onde, segundo ele, passou um sufoco nunca antes visto em sua já longa carreira de comentarista esportivo.

Para nós, Rolando e eu, restava ainda a odisséia de passar a noite sobre uma cama de concreto, num espaço úmido e frio. O Rolando, que era espírita, arranjou em uma banca noturna um livro próprio. Eu, sem essa prerrogativa, não por falta de alternativa, preferi passar a noite no boteco ao lado do Mineirão, acompanhado por umas cervejas no ponto. Pela manhã, num vôo direto, Pampulha/Congonhas, rumamos para São Paulo, deixando para trás mais uma missão cumprida. Outras viriam. Sim, antes que me esqueça... O Flamengo foi campeão daquele Brasileirão.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC
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