quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

QUARTA-FEIRA, 29 DE DEZEMBRO DE 2010



Natal se aproxima. Enfeites. Luzes faiscantes. Papai Noel. Há prenúncio de chuva miúda. As pessoas se apressam nas ruas, buscam o agasalho dos prédios, proteção das paredes. Carregam presentes, pacotes coloridos. Sob a marquise do edifício comercial, acocorada no cimento úmido, está a mulher. Cobre-se com um velho cobertor encardido, esgarçado nas bordas. Em seu colo, a criança, raquítica, com os olhos captando o espanto da vida.
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A cena, com toque de tragédia, retrata a imagem da mãe que tenta proteger o filho. Lembra, também, um desenho surrealista de Nossa Senhora, talvez aprofundada em anos, com rugas, sofrendo seguidos acessos de tosse. A piedade parece distante, sufocada na indiferença dos transeuntes.
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O casal surge, de repente, desviando-se do lixo que se amontoa na calçada, onde pessoas-corvos disputam restos de comida. A moça se encanta com a primeira visão, chama o companheiro para a aventura de contemplar o mistério.
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- Venha, José.
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- Onde, Maria?
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- Aqui, logo, veja.
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- O quê?
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- A boneca, linda, diferente.
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- É mesmo?
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A mãe está entretida, distante da realidade. Com mãos trêmulas, embala o filho, esquecida das antigas canções de ninar. No chão, junto às pernas, aparece a boneca azulada. A boca levemente rasgada dá um toque de ironia ao rosto nostálgico.
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Maria se esquece do perigo que representa conversar com estranhos. Aproxima-se, afasta o medo. Respira profundamente antes de se pronunciar.
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- Encantadora. Fiquei apaixonada.
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Com gestos lentos, a mulher ergue a cabeça, deixa escapar um leve sorriso. A voz sai pausada.
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- Gostou da criança, madame?
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- Da boneca, minha senhora.
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- É de meu filho.
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- Sei. Em que loja foi comprada?
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- Eu mesma fiz, aprendi no terreiro da mãe Inácia, com os santos.
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- Maria morde os lábios, sente a agonia do desejo. Acaricia José.
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- Compre, meu bem.
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- A boneca?
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- Claro.
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- Para quê? Não temos filhos.
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- Eu guardo. Ainda chegarão.
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- Não sei. Melhor caminharmos, a chuva não tarda.
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- Eu quero.
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José cede aos encantos de Maria. Negocia a compra da boneca.
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- Quer vender?
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- A criança?
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- A boneca. Pago bem.
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A mulher tosse. Estuda a oferta.
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- Não é direito.
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- Quanto quer?
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- Vendo com uma condição.
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- Qual?
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- Se a criança for também. Jesus. É o nome. Ele e a boneca são inseparáveis.
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José estende as mãos, apanha a criança, entrega a boneca a Maria. Não há despedidas. Os rios de lágrimas secaram.
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No instante em que o jovem casal se afasta, a mulher se ergue, conta o dinheiro. Depois, avança em direção ao primeiro bar. Carrega a esperança de encontrar namorado disposto a fabricar um novo filho para ser vendido na esquina.
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*Guido Fidelis é jornalista, escritor e advogado
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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

QUATRO LEITORES GANHAM LIVROS

Mais duas leitoras foram sorteadas no começo da madrugada de hoje e irão receber dois livros de contos cada uma. Michelle, de Florianópolis e Daniela, do Rio de Janeiro, foram premiadas e assim que enviarem seus endereços receberão os livros em suas casas. Ontem, ganharam também livros de contos os leitores, Birola, de Votuporanga e Vanessa, da Unicamp de Campinas. Maiores detalhes podem ser encontrados no comentário 51, feito pelo Francisco Heitor, na postagem do conto "Um Visitante Especial", de minha autoria. Logo mais outro conto inédito e impressionante, escrito pelo jornalista, escritor e advogado Guido Fidelis, aguardem. Na sexta-feira, último dia de 2010, J. Morgado escreve o especial "Confraternização Universal", não percam. (Edward de Souza).

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

SEGUNDA-FEIRA, 27 DE DEZEMBRO DE 2010
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.Este é o primeiro conto, dos muitos que escreví, que apresento neste blog. Publicado pela RG Editores de São Paulo, na sétima edição de "O Conto Brasileiro Hoje", foi um dos primeiros colocados entre os mais de 10 mil inscritos no site do Banco Santander. Recebeu mais de 13 mil visitas em menos de dois meses exposto naquele espaço e foi um dos mais procurados pelos leitores que acessaram aquele site. Como esta época de festejos do final do ano tem muito a ver com esse conto que escrevi, resolvi publicá-lo, atendendo várias solicitações de amigos e amigas.

Parecia sentir-se cansado, quando chegou às primeiras casas da pequena cidade do interior. Os pés afundando na areia vermelha e muito fofa sob um sol implacável. Não havia sombra. Andava devagar, carregando saco a tiracolo. Boné, camisa aberta no peito, uma calça Jeans desbotada e um surrado tênis compunham o traje. Era magro e de estatura mediana. Os olhos verdes iluminavam as feições calmas.
Parou junto ao portão entreaberto, na casa do “seu” Aníbal, figura conhecida por tratar de maneira hostil os habitantes da pequena cidade.
A torneira do tanque no jardim da casa, a dois passos, era tentação irresistível. Insinuou-se pela abertura e acercou-se da bica.
Deixou a água, inicialmente morna, escorrer pelos dedos finos. Logo, ela chegou fresca e convidativa. Tirou o boné e curvou a cabeça sob a torneira, deixando a água cair nos seus cabelos longos e alourados.
Mesmo com o ruído produzido pelo jato de água, ouviu a voz severa de Aníbal:
- Quem deu licença para entrar?
Levantou a cabeça, sorrindo.
- Desculpe. Não vi ninguém. Estava com muita sede.
- Devia ter batido, resmungou Aníbal. Não pode invadir a casa dos outros.
- Não queria incomodar, senhor. Precisava apenas de um pouco de água.
A voz de Aníbal não escondia desprezo e certo temor:
- Que veio fazer aqui?
- Nada. Estou apenas de passagem.
- Aonde vai?
O desconhecido sorriu.
- Não tenho destino certo.
A observação foi agressiva:
- Um vagabundo! Um “hippie”!
Deu um passo atrás, pronto para correr, ou, quem sabe, encarar, caso o moço reagisse.
O jovem não aceitou o desafio. Continuou sorrindo, pensativo. Encolheu os ombros:
- Talvez tenha razão. Um vagabundo...
Ambrósio Costa, que morava ao lado, atraído pela voz irada de Aníbal, se aproximou:
- O que aconteceu, vizinho?
Aníbal criou coragem.
- Esse marginal invadiu minha casa.
Calmo, o viajante disse então:
- Meu caro senhor, agradeço-lhe pela água, mas devo retomar o caminho. Tenho muito que andar, antes do anoitecer.
Outras pessoas se aproximavam, curiosas. Aníbal sentiu-se seguro. Era boa a ocasião para fazer valer seu prestígio. Falou, vivamente:
- Isso é que não. Nada de fugir.
- Mas por que fugir? De que me acusa?
A tranquilidade do desconhecido irritava Aníbal.
- Então é pouco invadir a propriedade alheia?
Dirigiu-se aos que se agrupavam em frente à entrada da casa.
- Vamos deter o malandro, levá-lo ao sargento “Jerominho”.
Não foi necessário. O sargento aproximava-se.
- Que está havendo? – indagou com toda a importância de chefe do destacamento policial.
Aníbal repetiu a acusação, com raiva.
O viajante tentou defender-se, mas a ordem do sargento foi incisiva:
- Cale a boca, safado. Explique-se no posto. Está detido, vamos.
Tentou segurar, pelo braço, o rapaz, que se retraiu, esclarecendo:
- Não é necessário. Estou pronto a acompanhá-lo, embora ignore o motivo.
- Vai saber logo, rugiu o policial. Isso é uma terra de respeito, sentenciou.
Pouco adiante, abrira-se a porta da casa de Geni, que todos na cidade conheciam.
A morena já passara dos 40 anos, mas o tempo não destruíra sua beleza. O pequeno acréscimo de gordura tornava-se mais apetecível aos seus clientes.
- Mas que absurdo, deixe o menino em paz, sargento. Ele somente bebeu um pouco de água.
A réplica foi incisiva e ameaçadora. Era hora de mostrar autoridade.
- Não se intrometa, mulher, senão recolho você também.
Ela fez um muxoxo de desprezo e entrou em casa, batendo a porta com arroubo. “Jerominho” pagaria por aquela “má criação”, prometeu intimamente.
O moço foi encerrado, sem outro protesto, no cárcere, enquanto o escrivão Belarmino regularizava a queixa: invasão de domicílio e atitude suspeita.
Belarmino procurou carregar nas tintas de acusação, mas o episódio fora presenciado por muitas pessoas. Exagero acentuado ou desvio da verdade poderia suscitar contradita e até revolta. Começava a compreender que a opinião dos vizinhos favorecia o “hippie”, cuja bela e radiosa figura e tranquila gentileza fascinavam os moradores da pequena cidade sem atrativos. Belarmino, também, passara a sentir-se inconfortavelmente ridículo. Afinal, tudo girava em torno de um pouco de água fresca, em região onde ela abundava.
Deitado no catre, o prisioneiro aguardava pacientemente o desenlace do caso. Não teria tempo de alcançar a cidade próxima antes de escurecer. Seria melhor, pensou, com um sorriso, que a prisão durasse até o dia seguinte. A cama parecia satisfatória, melhor das que se habituava a usar.
A esperança desvaneceu-se quando o carcereiro, cabo Virgilio, abriu a porta da cela. Julgou que seria libertado imediatamente.
-De pé. O escrivão quer você.
Aguardava, sentado, em frente à máquina de escrever.
- Nome?
- Ronaldo.
- Ronaldo de que?
Nova pausa.
- Augusto. Ronaldo Augusto.
- Seus documentos?
- Não possuo.
Cabo Virgilio interveio, com aspereza:
- Como não tem? Ninguém vive sem documentos. Aposto que há mandado de prisão contra você. Trate de “abrir-se”, diga onde foi condenado, senão sua cara de boneca vai sofrer.
O moço olhava assustado; não sabia o que responder. O silêncio fez desencadear a violência. A bofetada potente apanhou-o desprevenido, fazendo-o perder o equilíbrio. Apoiou-se na parede para não cair, enquanto gotas de sangue surgiram nos lábios. Enxugou-as, vagarosamente, com os dedos, sem protestar, mantendo-se encostado à parede. Havia angústia, no seu olhar.
A voz do carcereiro vibrava de indignação:
- É para começar a responder direito. Pensa que somos “otários”, porque vivemos no interior?
O escrivão coçou a cabeça, desgostoso. A silenciosa passividade do prisioneiro, seu olhar triste afetavam-no.
- Calma, Virgilio.
O cabo também já não se sentia à vontade. Justificou-se:
- Ele estava pedindo. Queria levar pau. Agora vai falar.
Deu um passo em direção ao moço e, quando ele alçou o braço, defensivamente, disse, revelando aborrecimento:
- Não precisa temer. Teve o que merecia. Acabou.
O escrivão encerrou o serviço. Pensava com raiva em Aníbal. “Maldito politiqueiro”! Fazer tanto barulho por uma insignificância. Por uns goles de água.
Gostaria de liberar Ronaldo, mas a decisão caberia ao delegado, que somente iria ao posto na manhã seguinte.
Virgilio abandonara a “pose” de ferrabrás. Estava aborrecido com a própria explosão de violência. Gostaria de justificar-se e, até, possivelmente desculpar-se caso a autoridade não ficasse “desprestigiada”. Precipitara-se. Mas que fazer?
Por volta das 19 horas acercou-se da cela, sorrindo. Portava um cesto.
- Dona Geni mandou isso. É “bóia” e da melhor, feita pela empregada, cozinheira de mão cheia.
Acrescentou com um sorriso malicioso.
- Ela ficou gostando de você.
Havia macarronada, carne, salada, queijo branco, goiabada e garrafa de cerveja.
O preso indagou sorrindo:
- É muita comida, para um só. Talvez queira fazer-me companhia.
A surpresa arregalara os olhos de Virgilio. Perguntou, logo depois, com timidez:
- Não está com raiva? Sabe, é costume...
- Compreendo. Esqueça.
- Não sei se...
- Aceite. Nada de ressentimento. Detesto comer sozinho.
Jantaram vagarosamente.
O calor arrefecera. Sentado no catre, Ronaldo apreciava, através da janela gradeada o cair da tarde.
Vozes infantis e som de órgão interromperam o silêncio.
- São os meninos do coro - esclareceu Virgilio. Ensaiam para cantar na missa do Galo, amanhã.
Eram 9 da manhã quando o delegado chegou. Ao passar pela porta da sala do escrivão, observou:
- Parece que houve novidade.
- O sargento “Jerominho” deteve um cidadão...
- Qual a acusação?
- Foi “seu” Aníbal quem se queixou.
- Aquele criador de casos... Qual o crime?
- Uma história de invasão de propriedade; o rapaz entrou no jardim e tomou água.
- Água? – admirou-se o delegado.
O escrivão acenou afirmativamente.
- Então vocês fazem um inquérito, prendem, por causa de goles de água?
- Trata-se de “hippie”.
- E deixa de ser gente? Vai ver que bateram nele.
- Só uma bofetada. Cabo Virgilio ficou nervoso.
- O preso respondeu mal, rebelou-se?
- Não, mas...
- Francamente, isto é o fim do mundo. Preciso é por vocês todos na cadeia. Mande trazer o coitado.
Virgilio arriscou uma observação tímida:
- Ele é boa gente, doutor.
- E essa agora. Você bate no preso e depois o defende. É mesmo uma loucura.
- Foi engano, doutor, não sabia...
- Chega de conversa. Não quero mais ouvir insensatez.
Dirigiu-se a Ronaldo:
- Pegue suas coisas e suma. Fora da cidade. Não quero vê-lo mais por aqui.
A notícia da libertação já correra o povoado, atraindo curiosos. Logo as ruas estavam cheias.
Assim que saiu às ruas, escoltado pelo sargento “Jerominho”, Ronaldo foi aplaudido por dezenas de pessoas. Parecia que toda a cidade estava ali.
O rapaz pediu licença ao sargento para fazer uma breve visita. “Jerominho” encolheu os ombros.
Indiferente aos olhares escandalizados das senhoras conservadoras da cidade, Ronaldo dirigiu-se á casa de Geni, que, pela porta entreaberta o viu chegar. Admitiu-o logo.
- Vim agradecer o apoio e o jantar e despedir-me.
- Por que vai embora? – interrogou pesarosa.
- O delegado não me quer aqui.
- Ele não manda na cidade. Se desejar, posso dar um jeito.
- Prefiro continuar a viagem.
- Espere ao menos hoje.
- Não é possível. Virei visitá-la com mais vagar.
Olhava-o com doçura maternal.
- Conto com isso, mas não tem medo de comprometer-se?
Ele riu.
Acompanho-o à porta. O número de curiosos aumentara.
Ronaldo afastava-se sorridente, despedindo com gestos, quando Marquinhos, o terrível filho do prefeito, gritou a pergunta canalha:
- Então, Geni. Ele é bom de cama?
A meretriz fechou a porta, envergonhada. Virgilio teve vontade de arrancar a orelha do moleque e “Jerominho” encarou-o irritado. O menino sentiu a reprovação geral.
Ronaldo parecia não ter ouvido. Avançava, sem pressa, pela estrada poeirenta, de cabeça descoberta. A intensa luz solar incidia na cabeleira alourada, provocando estranho brilho.
Os habitantes, fascinados, acompanharam a marcha tranquila daquele rapaz misterioso, até ele desaparecer na curva da estrada, alguns acenando com as mãos e até com lenços brancos. O duro cabo Virgilio deixou escapar algumas lágrimas. O episódio rompera a rotina, sem horizontes, de suas vidas; proporcionara novo assunto para conversas e especulações; excitara-lhes a fantasia e o sonho. Aquele povoado, jamais seria o mesmo.
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista
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domingo, 26 de dezembro de 2010


O corpo do ex-prefeito de Santo André (PSDB), Newton Brandão, 83 anos, que morreu na manhã de ontem, sábado, dia de Natal, foi velado na Câmara Municipal da cidade. O enterro aconteceu na manhã deste domingo, às 11h, no Cemitério de Santo André. O prefeito do município, Aidan Ravin (PTB), decretou luto oficial de três dias. Brandão havia passado a ceia de Natal com a família, na casa da filha, em Campinas, no interior de São Paulo, e foi encontrado morto por volta das 10h de sábado. "Quando fomos acordá-lo, às 10h, ele já estava morto. Morreu dormindo", disse Patrícia, filha do médico e político. Confirmou-se depois que o Dr. Brandão sofreu um infarto agudo quando dormia.
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Segundo pessoas próximas ao ex-prefeito, nas últimas semanas seu estado de saúde apresentava-se comprometido devido a idade. Brandão não se locomovia mais sem a ajuda de terceiros e também passava por um quadro depressivo devido a morte de familiares. Maria Risoneide, empregada da família há mais de 20 anos, afirmou que o ex-prefeito saiu de casa rumo a Campinas dizendo que não estava se sentindo bem.
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Nascido em Borda da Mata (MG), Newton Brandão comandou Santo André por três mandatos (1969-1973 1983-1988 e 1993-1996). Também foi deputado estadual em duas oportunidades (1991-1994 e 1999-2002). O Dr. Brandão, como era conhecido, deixa a esposa, Maria Pires Brandão, três filhas e seis netos. A morte de Brandão marca a segunda baixa no meio político neste Natal. Nesta sexta-feira (24), véspera de Natal, o ex-governador de São Paulo, Orestes Quércia (PMDB), também morreu vítima de câncer. (Edward de Souza).

sábado, 25 de dezembro de 2010

QUINTA-FEIRA, 23 DE DEZEMBRO DE 2010

A vida são deveres, que nós
trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já é Natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos!
A vida e o relógio - Mário Quintana
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Cada ano que termina traz consigo esse sentimento de urgência, a que o poeta se refere, de que o tempo está se esvaindo cada vez mais rápida e definitivamente. Teriam as Moiras, por acaso, acelerado o seu fiar? Deusas da mitologia grega, Cloto, Láquesis e Átropos, as Moiras eram três irmãs encarregadas de fiar os dias da vida, do nascimento à morte. Filhas do Destino, a elas cabia cuidar do curso da vida e da morte, de homens e deuses, bem como do quinhão de atribulações a cada um reservado. Poderosas, nem Zeus questionava-lhes as decisões. Trabalhavam juntas, mas cada uma tinha o seu próprio que fazer. Cloto, a fiandeira, tecia o fio da vida. Láquesis o puxava, enrolava e distribuía, cuidando de sua extensão e do caminho a ser percorrido. A Átropos, a implacável, cabia cortá-lo, determinando assim, o fim da existência terrena, quando esta entendia que o instante era chegado.

Certamente, trabalharam muito em 2010, ano que, mesmo antes de começar, estava fadado a escorregar apressado, como areia fina pelo gargalo estreito da antiga ampulheta. Lá se vai, ligeiro como chegou. Não se imaginava, contudo, que viesse tão nervoso, atribulado, esparramando águas, chacoalhando a terra tantas vezes, trazendo estragos, causando perdas e muitos danos, indistintamente. Um velho vulcão que se acreditava extinto, como canta uma canção romântica, voltou a botar fumaça pela boca, de modo nada romântico, provocando medo, pânico, impedindo pessoas de se locomoverem. O vazamento de uma plataforma de petróleo no Golfo do México acabou sendo estancado, não sem antes, entretanto, ter provocado estragos e prejuízos imensuráveis. Coisas de Láquesis, diria Homero.
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Como se esse furor todo não bastasse, após um desabamento, mineiros ficaram presos a uma profundidade de 700 metros na Mina San José, no norte do Chile. O consolo, neste último caso, foi vê-los, um a um, serem resgatados do ventre da terra à luz do dia, trazendo aos corações a esperança de novos e melhores dias. A vida é tão rara, como canta Lenine, merece ser vivida e, principalmente, preservada. Porque o cordão com que sua trama é tecida, delicado e frágil como cristal, pode se romper ao menor abalo. Ao menos neste caso, teve Átropos de adiar sua intervenção.

Tremores, temores, chuvas e vulcões, circunstâncias fora de nosso controle, contudo, não impediram a marcha de nossos dias, de nossos projetos. Nossos deveres, trazidos pela vida, pelo trabalho, exigiram coragem, paciência, esperança, esforço e dedicação. Aliás, na grande maioria das vezes, sem ofensa às fiandeiras, não é o destino que importa, mas sim o nosso sonho e o tamanho de nossa vontade de concretizá-lo. O querer fazer, o querer mudar, são ambos um estado de espírito. E isto é escolha, decisão de cada um de nós.
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Em suas memórias, Shirley Temple escreveu que deixou de acreditar em Papai Noel quando um dia, ainda criança, o Papai Noel de uma loja de departamentos lhe pediu um autógrafo. Diferentemente dela, continuo acreditando na magia do Natal e na força de um desejo, de um sonho, de uma estrela que se busca. O Natal tem essa coisa maravilhosa de despertar a criança adormecida dentro de nós, de trazer nossos sonhos de volta. E o homem é um gênio quando está sonhando, segundo Kurosawa. Brasília é prova concreta disso. Resultado do sonho grande de um grande homem, nossa capital comemorou este ano seu aniversário de 50 anos. Quando se vê, passaram-se 50 anos.

E quando se vê, já é Natal outra vez, quando se vê, já terminou o ano. Luzes e sinos iluminam, embalam a cidade. Deveres feitos e entregues aguardamos agora a colheita de frutos maduros, oxalá, também doces. Tomara que o novo ano venha sereno, trazendo a paz de dias dourados. Tomara que o Papai Noel nos devolva a criança que um dia fomos e, para o novo ano, tomara que as Moiras nos dêem uma trégua. Bem merecida. Ainda mais porque, afinal, há sempre uma esperança que brota do fundo da terra, do fundo de nós mesmos.

.Agradecemos, cordial e fraternalmente, pelo caminho que juntos percorremos em 2010 e, com muita satisfação e alegria, desejamos a todos e todas Boas Festas! Feliz Ano Novo!

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

SEGUNDA-FEIRA, 20 DE DEZEMBRO DE 2010

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Nasci em 1941, na região central de São Caetano do Sul, cidade que compõe o Grande ABC, aqui na Grande São Paulo. São Caetano era, então, a cidade das olarias; Santo André dos ceboleiros e São Bernardo dos batateiros, pelo óbvio. Apesar do progresso vertiginoso, São Caetano, a época, ainda possuía muitas ruas de terra, inclusive no centro. Foi em uma delas que nasci, cresci, estudei e somente sai de lá para morar em casa própria, no Bairro Nova Gerty, com meus pais, por volta de 1951. A narrativa abaixo ocorreu em um mês de dezembro de 1949, portanto, eu estava com 8 anos. Éramos quatro amigos na mesma faixa etária.

O ano de 1949 estava nos extertores, era véspera de Natal. Sem nenhuma perspectiva de receber presentes e ainda acreditando que Papai Noel preferia sempre visitar os meninos mais comportados, arrumamos uma forma de ganhar algum mimo. Na rua de trás de nossa casa havia uma olaria, cujo dono, um português de vastos bigodes, reunia seus empregados e alguns garotos sem sonhos para lhes dar um presentinho na véspera de Natal. Deveria ser para aplacar sua consciência, talvez corroída pela presunção.

O “portuga” deixava um porteiro na olaria para impedir a entrada de garotos negros. O preconceito, a época, era latente, e o "Seu" Anísio, (esse era o nome do pulha), escancarava seu escárnio pela raça. Nós éramos quatro, (todos na faixa dos 8/9 anos). Eu, Leonardo, Chico e Adão, estes dois últimos, negros. Na portaria o vigia liberou minha entrada e a de Leonardo, porém barrou os outros dois. Na saída, com um copo de guaraná na mão, um carrinho e uma bola, eu e o Léo não sabíamos o que fazer para disfarçar a tristeza ao ver algumas lágrimas nos olhos dos amigos negros, nem tanto pelo presente não recebido, mas por serem expurgados, como se humanos não fossem. Não saímos dali. Havia a necessidade imperativa de fazer com que nossos coleguinhas recebessem um presente e ao mesmo tempo estragar a hipócrita festa do “portuga” e seu arrogante vigia, era o troco pelo estúpido preconceito, no mínimo.

No interior da fábrica havia uma mesa com comes e bebes só para os familiares do dono. Umas três senhoras, todas enfeitadas com seus vestidos largos e cintilantes, (nesse tempo mulher não usava calças... compridas) e cinco ou seis crianças, todas brancas, claro, rodeando a mesa e desfrutando dos refrigerantes, balas, bolos e outras atrativas guloseimas. A olaria fazia fundo com outra rua, exatamente a que eu morava com meus pais e irmãos. No muro havia um pequeno buraco por onde empurramos o Chico e o Adão pra dentro da festa. Foi um desastre: antes que chegassem onde estava a mesa com os comes e bebes, os "negrinhos" foram descobertos para deleite do português que, armado com um pau, surrou meus dois amigos até desfalecerem. Contou com a ajuda e colaboração de alguns empregados, brancos, ávidos em fazer média com o patrão e patroa.

Chiquinho e Adão foram atirados à rua de terra, feridos e sangrando. Foi um pavor. Eu e o Léo não sabíamos o que fazer, porém uma alma caridosa que passava conduziu ambos ao Pronto Socorro. Chiquinho tinha apenas algumas escoriações, porém Adão, com fratura do crânio, estava à morte. A noite chegando e o desespero tomando conta de todos nós que rezávamos pela vida do nosso companheiro. Com ou sem presentes, nosso Natal acabara ali. Eu e o Léo, então, resolvemos apelar para a instância que restava já que os médicos garantiam que Adão não passaria das próximas horas. Final de tarde, rumamos para a igreja Matriz (Sagrada Família) e pedimos ao Papai Noel (a gente ainda acreditava Nele) que nos desse o melhor dos presentes. A vida de Adão.

Fomos para casa sem festejar a noite de Natal, uma vez que nossos pais decidiram cancelar a humilde reunião familiar em virtude do estado de saúde do Adão que, como o Chico e o Léo, era muito querido por nossos familiares. Se o nosso pedido a Papai Noel funcionou a gente nunca ficou sabendo, mas a verdade é que o "neguinho" sobreviveu, embora tivesse ficado paraplégico sem nunca mais ter voltado a andar. Viveu de acordo com seus recursos físicos, construiu família e morreu há exatos dois anos, também em uma véspera de Natal, aqui em São Bernardo. Leonardo e Chico tomaram os caminhos indicados pelo destino. Eu mantive alguma ligação com Adão e sua família ainda por alguns anos. Léo e Chico nunca mais vi.

Desde esse dia, todo final de dezembro, lembro dos três amigos e da cena pungente daquela véspera de Natal. Apesar de um tanto cético, pelo passar dos anos que petrificam o ser humano, nada me tira da cabeça e do coração que Alguém resolveu nos dar o melhor dos presentes: um milagre naquela triste e inesquecível véspera de Natal: a vida do querido Adãozinho. Quem sabe o nome tenha ajudado.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC.
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domingo, 19 de dezembro de 2010

SEXTA-FEIRA, 17 DE DEZEMBRO DE 2010
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“Bate o sino, pequenino/sino de Belém/ Já nasceu Deus menino/Para o nosso bem (...). Gostaria que esta crônica começasse tocando esta música tradicionalíssima. Mas, contento-me com os toques que neste momento soam em meu interior. Quanta saudade! Músicas sacras e próprias para a época. "Bate o Sino" é uma das músicas de natal mais conhecidas em todo o mundo. Esta letra foi escrita por James Lord Pierpont, (1822-1893), em 16 de setembro de 1857.
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Tradição? As Compras de Natal... Nozes, avelãs, amêndoas, frutas secas... Pernil, peru ou cabrito... Exagero? Sim. Mas um exagero ingênuo realizado entre as famílias em momentos de paz e até reflexão. Havia mais calor humano. Mais proximidade com o próximo. Cartões de Natal escritos e enviados pelo correio. Era gostoso recebê-los pelas mãos do carteiro ou encontrá-los na caixa apropriada. Um costume que se acaba. Enfim, a tecnologia chegou para facilitar ou esfriar o relacionamento? Com a resposta os possíveis leitores “destas mal traçadas linhas”.
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As visitas entre parentes e amigos na manhã ou tarde do Dia de Natal. Papos longos e cheios de afeto... Enfim, já vai longe tudo isso e muito mais. A ciência avançou. E a moral? A moral não seguiu no mesmo ritmo! Daí, os desacertos que a vida nos apresenta. A expectativa de vida hoje é bem maior do que cinquenta anos atrás. Um tempo ganho que poderia ser usado para aprender a amar o próximo e ser capaz de evitar o consumismo exagerado e tão selvagem nesta época do ano. Milhões de pessoas nas ruas fazendo compras. Futilidades... Empenhos que se arrependerão mais tarde, quando as prestações começarem a vencer.
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Meu tempo aqui na Terra está chegando ao fim. Como será quando eu voltar? A Humanidade terá mudado para melhor? A lógica diz que sim. Mas, como encarar todo esse modernismo? Modernizando-nos seria a resposta. E os valores de hoje? Ficarão apenas no passado, ou gravados e melhorados em nosso íntimo?Perguntas, perguntas... Só o futuro dirá. Uma colheita daquilo que cada um de nós plantar.
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Sei que os tempos atuais me chocam! Tudo se mistura! Tradições, festas religiosas e pagãs. Uma anarquia moral! Bebidas e barulhos! Embriaguês, viciados... Desrespeito total ao semelhante. Chamam a isso de "carnatal"! Uma mistura de natal com carnaval. Pode? Uma micareta nordestina que se espalha rapidamente pelo Brasil. Tudo acontece nessa festa popular, menos momentos de reflexão que a data exige ou oferece para quem quiser aproveitar. Vamos nos distanciando dos valores morais. Isso me faz lembrar a passagem bíblica onde Moisés se afastou das tribos para receber os dez mandamentos. Em sua ausência, estabeleceram-se os festins e orgias pagãs em torno de um ídolo feito de ouro.
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Jesus nasceu em uma manjedoura, rodeado de animais. Em termos simbólicos, a manjedoura revela o caráter humilde e simples daquele que seria o maior revolucionário de todos os tempos, sem que precisasse escrever uma única palavra. Os exemplos de sua simplicidade devem nortear os nossos passos nos dias que correm. De nada adianta dizermo-nos adeptos de Cristo e agirmos de modo contrário aos seus ensinamentos. Até quando vamos adorar o ídolo chamado materialismo?
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Aos meus amigos e a toda a humanidade, um Feliz Natal e um ANO NOVO com muita prosperidade espiritual.
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*J. MORGADO é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista? Só clicar aqui: jgarcelan@uol.com.br
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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

domingo, 12 de dezembro de 2010

SÁBADO, 11 DE DEZEMBRO DE 2010

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Com o objetivo é reduzir o risco de falsificação, nos casos em que cédulas de menor valor são "lavadas" em processos químicos e reimpressas com valor maior, a nova família das cédulas do real será lançada nesta segunda-feira, dia 13. Inicialmente, apenas as notas de R$ 50 e R$ 100 chegarão aos bancos. Para os demais valores, a previsão do BC é lançar as novas cédulas de R$ 10 e R$ 20 em 2011. Em 2012, será a vez das notas de R$ 2 e R$ 5.

A principal novidade da nova família de cédulas do real são os tamanhos diferentes, que variarão conforme o valor de face da nota. Mesmo com a entrada em vigor das cédulas novas, as atuais continuam em circulação e serão gradativamente retiradas do mercado, conforme o desgaste natural. A cerimônia de lançamento será na sede do Banco Central (BC), em Brasília. Além do tradicional caviar deve rolar champagne, ocasionalmente aportuguesado para champanha ou champanhe, especialmente da França, para esse evento de suma importância, acompanhado de bons vinhos e uísque escocês. Charutos cubanos ficam para o final da farra, ou melhor, festa.
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As novas cédulas do Real terão em uma das faces a efígie da República e um exemplar da fauna brasileira no verso. Os animais impressos nas cédulas continuaram os mesmos (Tartaruga de pente na de R$2,00, a garça na nota de R$5,00, a arara na de R$10,00, o mico leão-dourado na de R$20,00, a onça na nota de R$50,00 e a garoupa na nota de R$100,00). Essas espécies estão em risco de extinção. Todo o trabalho de mudança das cédulas terá um custo calculado em 1,15 bilhões de reais, convenhamos, uma nota preta saindo do bolso do povo.

Alguns amigos juram de pés juntos que o Ministro Guido Mantega, que assina as novas notas, vai ajudar muito os fabricantes de carteiras, em baixa nos últimos tempos. Isso porque, como cada nota terá um tamanho, serão necessários vários compartimentos numa carteira para abrigá-las. Como Franca é a Terra do couro, cidade que fabrica os melhores calçados do Brasil e tem a Francal, Feira do Calçado que é sucesso no Anhembi, em São Paulo, já entrei em sociedade com um amigo e, em breve, estaremos fabricando as melhores carteiras do Brasil. Claro, com divisões para cada tamanho de uma destas novas cédulas, começando pela de dois reais, a menor de todas elas.

A princípio, lançaremos carteiras em legítimo couro alemão e pelica, mas a intenção será pedir permissão ao Ibama e fabricá-las também em couro de jacaré. Carteiras de lonas ou plásticos com logotipos de clubes para camelôs venderem a 5 reais nas esquinas, nem pensar, recuso-me a fabricar tranqueiras, até porque, certos torcedores de um time de futebol costumam ter o dinheiro só para comprar a dita cuja e nenhum para recheá-la. Gostam de exibi-la, principalmente em botecos da periferia quando tomam uma cachaça.

Na verdade, vou confessar, meu sonho seria fabricar carteiras com couro de político, grosso, encardido e resistente, mas a espécie é arisca, apesar de ser facilmente encontrada em qualquer canto deste país, principalmente em Brasília, onde surgem ideias como estas, de jogar mais de um bilhão de reais pela janela para trocar cédulas e perpetuar o nome de um ministro na história.
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Estivesse Walt Disney vivo, com toda a certeza levaria o professor Pardal para Brasília, onde sua mente privilegiada ficaria a disposição dos nossos criativos políticos, sempre inventando novidades, principalmente para esvaziar os cofres públicos. Para quem não sabe ainda, a desculpa para o lançamento destas novas cédulas é que as antigas são de pouca durabilidade. Como exemplo, afirmam que a vida útil de uma nota de 2 reais é de somente 1 ano.
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Os gênios de plantão garantem que o novo tipo de impressão, cédulas envernizadas, fará com que as notas tenham uma vida útil até 30% mais longas. E porque não pensaram nisto antes? Não seria preciso jogar agora mais de um bilhão de reais pela janela. Esse é o nosso Brasil e quem tem juízo cala-se e aplaude, do contrário é chamado de “zelite” pelo nosso presidente, que já colocou seus “Armanis” nas malas e prepara-se para uma longa temporada na agricultura, cultivando cana.
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*Edward de Souza é jornalista e radialista
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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

QUINTA-FEIRA, 9 DE DEZEMBRO DE 2010


Nunca, em tempo algum, o sistema de saúde brasileiro esteve tão debilitado como agora. Os recentes casos, mostrados ao mundo via Imprensa, chocam, revoltam e desacreditam as instituições e as pessoas ligadas ao setor. É verdade que a ciência médica tem evoluído nos últimos anos. Também não é falso que novas doenças surgem e a medicina engatinha no encontro de tratamentos que possam curar ou radicar de vez males modernos, mas não se pode negar que erros clínicos vêm aumentando cada vez mais, causando uma grande preocupação em toda a sociedade.

O caso mais recente da incúria médica e que abala a opinião, menos ou mais esclarecida, é o da menina Stephanie dos Santos Teixeira (foto), (12 anos), aqui de São Paulo, vítima fatal da inabilidade de uma atendente de enfermagem, que inadvertidamente, trocou um frasco de soro por outro de vaselina líquida. A desatenção ou inabilidade da funcionária foi fatal para a garota, sua família e, não fosse este país, o Brasil, poderia ser irreversível aos causadores do trágico engano. A menina Stephanie iria completar 13 anos em janeiro e tinha duas irmãs.
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Stephanie chegou ao hospital apresentando vômito e diarréia. Na ala de pediatria infantil, a paciente foi medicada na veia com 50 ml de vaselina, que após oito horas de aplicação causou sua morte. A menina começou a passar mal na terceira bolsa da substância aplicada. Especialistas em toxicologia dizem que a vaselina líquida não se mistura no sangue. No corpo humano, causa obstrução ou entupimento de várias veias e artérias. Levando-se em conta que a negligência ocorreu no hospital São Luiz Gonzaga (foto), no Jaçanã, zona norte, tradicional estabelecimento de saúde, terceirizado para a Santa Casa de São Paulo, a maior cidade brasileira e uma das mais pujantes do planeta, a repercussão foi imediata. O caso mobilizou vários setores nacionais, especialmente a mídia festiva, ávida em assuntos dessa natureza. A área de Saúde Pública da Promotoria de Direitos Humanos da capital instaurou um inquérito civil para apurar denúncias de mau atendimento e de falta de funcionários.

O caso da menina também não é o único a ser questionado. Desde 2003, pelo menos 10 famílias acusaram o hospital de erros médicos às autoridades policiais. Todos sem morte. O despreparo que atinge grande parte do pessoal que trabalha ou presta serviços em hospitais, públicos ou privados, salta aos olhos e, invariavelmente, provoca mortes e desestruturação de famílias. Nesta quarta-feira, o ministro da Educação, Fernando Haddad (foto), admitiu que as instituições que preparam enfermeiras e atendentes hospitalares necessitam urgente de reciclagem.

Decisão tardia para muitos pacientes, que sucumbiram diante da inabilidade de quem deveria estar preparado para cuidar e salvar vidas. Já o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, arranca os cabelos tentando encontrar solução mais eficiente no atendimento e tratamento ao paciente. Os problemas são muitos, deste o atendimento adequado, o tempo de marcação de consultas, as instalações hospitalares e, principalmente, a competência e sensibilidade humana. Por ter em suas mãos o futuro do paciente, boa parte da classe médica desdenha sua função por entender ser superior ao cidadão que está na maca ou mesa de operação.

Faz dois anos que sou visita frequente de hospitais, UBS, Pronto Socorro, clínicas e centros de saúde, públicos e particulares, alguns de referência nacional. Não foi necessário muito esforço para detectar a ineficiência das instituições médicas brasileiras. Tenho observado, in loco, as instalações hospitalares menos dignas do que pocilgas, médicos (as) absortos enquanto atendem pacientes, enfermeiros (as) em bate papo de “candinhas de cortiço” enquanto aplicam curativos, atendentes que encaram o doente como se este fosse o monstro do lago Ness, além de truculentos seguranças, que se julgam "otoridades" hospitalares. Isso, em casas de saúde aqui no ABC, composto por cidades tidas como pujantes, ricas e atualizadas. Imaginemos, pois, o que acontece em regiões mais afastadas e menos aquinhoadas de progresso.

O caso de Stephanie dos Santos, ocorrido na capital paulista, de imediato chamou a atenção da Imprensa e, por consequência, do Brasil. Ministros, governadores, deputados, prefeitos e vereadores deitam falação via Embratel, exigindo providências imediatas, sem atinar, por dolo ou conveniência, que a solução está dormitando em suas mãos e cabeças. Um despropósito com a chancela tupiniquim. Stephanie foi apenas mais uma vítima da incúria nacional em relação à saúde. Certamente nos fundões do Estado de São Paulo, nos rincões das fronteiras brasileiras e nas caatingas do sertão, acima e abaixo da linha do equador, muitas tantas “Stephanies” estão sepultas em virtude da banalização do sistema de saúde e da insensibilidade de grande parte de uma classe, cuja função, após juramento solene, é salvar vidas humanas. Nesta sublime missão, data vênia, a Providência Divina caminha sozinha.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista e radialista, radicado no Grande ABC.
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