quarta-feira, 11 de agosto de 2010



Minha nova função no Diário, agora, era cuidar de reportagens especiais, juntamente com o jornalista Ademir Medici que, anos depois, se tornaria o mais importante e mais respeitado memorialista da região industrial do ABC. Ademir, que em 1976, juntamente com o jornalista Édison Motta, conquistara o Prêmio Esso Regional Sudeste com a série de reportagens Grande ABC e a metamorfose da industrialização, publicada neste mesmo diário, não me aceitou de bom grado. Fiquei sabendo, depois, que sua preferência era uma jornalista, sua velha companheira de redação. Com o passar das semanas, no entanto, fomos nos entendendo e, até hoje, nos damos muito bem.
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Fiquei vários meses elaborando pautas e corrigindo reportagens dos novos profissionais de imprensa, até ocupar o cargo de editor de internacional, em substituição a Mário Polesi, irmão do Fausto. Essa nova função me possibilitou, dois anos depois, em 1987, a viajar para Lisboa com a finalidade de cobrir jornalisticamente a posse do novo presidente de Portugal, o socialista Mário Moraes. Acompanhava-me o diretor Fausto Polesi. Em Lisboa, tive a gostosa sensação de andar pelas suas ruas – da praça do Rossio às margens do rio Tejo – como um velho conhecido. A centenária capital portuguesa, quase quinze anos após a Revolução dos Cravos, encontrava-se aparentemente mais limpa, mais bonita e, como sempre, bastante acolhedora, com seu povo educado e gentil.
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Junto com o Fausto, bebemos e experimentamos pratos típicos e, de táxi, visitamos as cidades vizinhas como Cascais, Sintra e Estoril e, como não podia deixar de ser, o ponto mais alto da Europa, de onde se avista a imensidão azul do oceano Atlântico. Do Tejo ao mar, fiquei a pensar na infância, quando lia, nos livros de história, sobre a partida dos portugueses em busca da descoberta de novas terras, novos continentes, novos povos, novos tesouros. E lá estava eu a navegar, na imaginação...
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O ponto mais emocionante dessa viagem, no entanto, foi assistir a solenidade de posse ocorrida no Palácio de Belém. Como jornalista credenciado, pude ficar na escadaria do palácio por onde entrariam os ilustres convidados. E, a poucos metros, vi passar reis e rainhas, príncipes e princesas, xás, chefes de Estado dos mais importantes. O mais aplaudido, ao ser anunciada a sua chegada, foi o rei Don Juan, da Espanha. A maior caravana, com o maior número de carro, foi a da comitiva brasileira, comandada pelo então governador de São Paulo, Franco Montoro. O então ministro Fernando Henrique Cardoso, que se tornaria anos depois presidente do Brasil, também estava presente. Cheguei próximo, pedi-lhe uma entrevista e ele foi ríspido, dizendo não atender jornalistas brasileiros no exterior. Nunca o esqueci e neguei-lhe o estender de mão quando ele esteve em Mauá, cidade do ABC, pedindo votos para a sua eleição a presidente.
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Meses depois dessa viagem, o Fausto me demitiu mais uma vez. Não houve justificativa por escrito, mas eu tinha consciência dos motivos: eu estava exagerando na bebida alcoólica, ao ponto de trazer garrafas contendo minha bebida preferida, para a redação. Lembro-me que, certa vez, ao entrar na sala do Fausto, este perguntou de onde eu tinha vindo: eu, inocentemente, respondi que não havia saído. Depois, pensei: como explicar, então, aquele hálito amargo de cachaça? Mais uma vez desempregado e, pela primeira vez na vida, me preocupei: precisava tomar juízo e me fixar em um emprego e garantir um pouco de tranquilidade no futuro. Afinal, alguns meses faltavam para eu completar quarenta anos de idade. Quarenta anos! Quarenta anos, justo eu que sempre acreditara morrer antes dos trinta e, assim, jamais enfrentar as agruras dos anos chamados “enta”, quando começam a surgir os primeiros sintomas de doenças. E era isso mesmo o que me esperava...
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Durante quase um ano, fiquei sem emprego e, com tempo livre e ainda com um pouco de dinheiro restante da indenização, bebia de maneira desregrada. E continuei bebendo mesmo quando o Fausto Polesi – sempre o Fausto, meu carrasco, meu protetor – entrou em contato comigo, pedindo para procurar o advogado Antonio Russo, candidato a prefeito de São Caetano do Sul. Ele me indicara para assessor de imprensa do candidato e me recomendava proceder de maneira correta, ou melhor, evitar excesso na bebida e desenvolver um trabalho de acordo com a minha capacidade e experiência. Prometi não decepcioná-lo.
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A campanha se prolongou por três meses, período em que procurei mostrar o melhor. Só que o candidato adversário, apesar de desconhecido na época – Luiz Olinto Tortorello – contava com o apoio de um tradicional político da cidade e que havia sido prefeito três vezes da cidade, Hermógenes Walter Braido. Seus discursos eram convincentes e os eleitores de São Caetano eram oriundos, em sua maioria, de famílias tradicionais, temerosas de entregar o poder municipal para outra pessoa sem a confiança e a indicação de Walter Braido. Mesmo com o apoio do principal diário da região, Antonio Russo não conseguiu se eleger.
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Ao término das eleições, em outubro, quando pensei que estaria de novo desempregado, ele me convidou para assumir a diretoria da redação de um jornal mantido por ele: o Sancaetanense Jornal. Aceitei e, mesmo ocupando um cargo de confiança, não deixei de beber. Mais: voltei a levar vasilhames contendo cachaça para o interior da redação. Denunciado pela secretária, fiel à administração, acabei sendo demitido pelo diretor administrativo, o advogado e jornalista Walter Estevam Jr., que, anos depois, acabou me contratando para trabalhar em seu próprio jornal: o ABC Repórter. Demitido, voltei a zanzar pelos bares de Santo André, frequentando, principalmente, o bar localizado defronte à casa de meus pais.
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Na próxima quarta-feira, o décimo oitavo capítulo de "Memória Terminal", do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. O Prêmio Esso de Jornalismo é o mais tradicional, mais conceituado e o pioneiro dos prêmios destinados a estimular e difundir a prática da boa reportagem, instituído em meados da década de 50. (Edward de Souza/ Nivia Andres) Arte: Cris Fonseca.
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Os leitores (as) que participarem com seus comentários no capítulo desta quarta-feira, concorrerão ao sorteio de mais dois livros, um para cada premiado, escrito pelo jornalista José Marqueiz, intitulado "Villas Boas e os Índios", edição raríssima que não pode mais ser encontrada em livrarias, brinde oferecido pela Ilca, esposa do jornalista. "Villas Boas e os Índios" é um livro constituído de reportagens e entrevistas com os irmãos Cláudio e Orlando Villas Boas, resultado do trabalho jornalístico de José Marqueiz na selva brasileira, que lhe valeu o Prêmio Esso Nacional de Jornalismo.
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