terça-feira, 23 de março de 2010

CARTAS MARCADAS


MORTE DE CELSO DANIEL

TERMINA EM PIZZA


Neste último final de semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello concedeu liminar em habeas-corpus a três acusados pelo assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT). O ministro acolheu pedido da defesa de José Edison da Silva, Elcyd Oliveira Brito e Marcos Roberto Bispo dos Santos, advertindo para o excesso de prazo. De acordo com o ministro, os acusados estão presos provisoriamente há quase oito anos, sem julgamento, e como não havia ainda uma sentença, o pedido do advogado de defesa do trio se tornou irrecusável.

Pouco antes de sua morte, Celso Daniel (E), então prefeito de Santo André, era o homem mais cotado para coordenar a campanha de Lula à presidência. Seu estranho assassinato atraiu suspeitas de se tratar de um crime político. No entanto, pouco tempo depois, tanto a polícia como o próprio PT afirmaram que se tratava apenas de um crime comum. Na época, o deputado Eduardo Greenhalgh foi designado pela cúpula petista para acompanhar o caso e reafirmou a tese.

COMO ACONTECEU O CRIME

Apesar de estar em um carro blindado, o ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT) não conseguiu escapar da morte. Ele foi sequestrado na noite de 18 de janeiro de 2002, quando saía de uma churrascaria localizada no bairro dos Jardins, em São Paulo. Segundo as informações, Celso estava dentro de um carro Mitsubishi Pajero blindado, na companhia do empresário Sérgio Gomes da Silva, conhecido também como o "Sombra" (E). O carro teria sido perseguido por outros três veículos: um Santana, um Tempra e uma Blazer. Na rua Antônio Bezerra, perto do número 393, no bairro do Sacomã, os criminosos fecharam o carro do prefeito. Tiros foram disparados contra os pneus e vidros traseiro e dianteiro de seu carro. Gomes da Silva, que era o motorista, disse que na hora a trava e o câmbio da Pajero não funcionaram. Os bandidos armados então abriram a porta do carro, arrancaram o prefeito de lá e o levaram embora. Sérgio Gomes da Silva ficou no local e nada aconteceu com ele.

Na manhã do dia 20 de janeiro de 2002, domingo, o corpo do prefeito Celso Daniel, com 11 tiros, foi encontrado na Estrada das Cachoeiras, no Bairro do Carmo, na altura do quilômetro 328 da rodovia Régis Bittencourt (BR-116), em Juquitiba. Segundo inquérito concluído em 1º de abril de 2003 pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), o caso foi considerado crime comum, cometido por seis pessoas de uma quadrilha da favela Pantanal, da Zona Sul da capital paulista.

Conforme relatório da DHPP, o ex-prefeito teria sido sequestrado por engano e, quando a quadrilha percebeu o fato, seu chefe teria ordenado a soltura dele. Entretanto, outro integrante do bando teria entendido erradamente a ordem e determinado a um menor, membro do grupo, que matasse Daniel.

A família do ex-prefeito de Santo André não ficou satisfeita com o resultado do primeiro inquérito policial, pois admitia a possibilidade de crime político. Diante disso, o inquérito foi reaberto.


LULA PROMETEU E NÃO CUMPRIU

O assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), executado após seu sequestro, foi planejado. Essa foi a afirmação em 2002 do pré-candidato do PT à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, cuja nota eu extraí da agência France Press. Num discurso inflamado e emocionado durante o funeral de Daniel, Lula declarou que o crime "não foi coincidência", e que "tem gente graúda por trás disso, e nós vamos descobrir quem é". E agora eu pergunto, foi mais uma promessa de campanha de Lula? Onde está essa gente “graúda” que não foi localizada nem presa? E os assassinos confessos do ex-prefeito, presos há 8 anos, qual a razão de não terem ido a julgamento, a ponto de receberem o habeas corpus concedido na última sexta-feira pelo Supremo Tribunal Federal?

Na verdade, depois de eleito, Lula nunca mais tocou no nome de Celso Daniel e nada fez para acelerar a sentença dos criminosos que tiraram a vida do ex-prefeito, aclamado como o maior administrador público da história do Grande ABC.

Um dos irmãos do ex-prefeito assassinado, João Francisco Daniel (D), fez sérias acusações logo depois da morte de Celso. Afirmou que ouviu, no apartamento do irmão, antes de sua morte, o então chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, revelar detalhes sobre o esquema de corrupção na prefeitura para arrecadar fundos para o Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo João, Gilberto contou que ocorria um pagamento ilegal (propina) feito por empresas de ônibus de Santo André. João Francisco Daniel explicou como funcionava o suposto esquema de corrupção na prefeitura, que contava ainda, segundo ele, com a participação do deputado e ex-ministro José Dirceu que, na época, era o presidente do PT, tendo como mandante Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, que acompanhava Celso Daniel quando ocorreu o crime. Apontado pelo Ministério Público como o mandante do crime, Sérgio Gomes da Silva - conhecido como "Sombra" -, que chegou a ser preso, está em liberdade desde 2004. Segundo Francisco, Celso Daniel teria tentado acabar com o “caixa três” (dinheiro desviado das propinas ao PT) que Sombra estaria coordenando.


A CARTA DE BRUNO DANIEL

Depois de ter sido ameaçado de morte no Brasil, Bruno José Daniel (E), irmão do ex-prefeito Celso Daniel, vive com a família na França, numa situação que define como exílio. Ano passado Bruno enviou uma carta para a imprensa. Muito longa, extraí alguns tópicos interessantes, acompanhem:

”Hoje, 16 de abril, Celso Daniel, meu irmão, estaria completando 58 anos de vida. Como todos sabem, foi sequestrado, torturado e assassinado há mais de sete anos quando era prefeito de Santo André e coordenava a elaboração do programa de governo do então candidato à presidência da república, Luis Inácio Lula da Silva. Sérgio Gomes da Silva, que o acompanhava no momento do sequestro, foi denunciado pelo Ministério Público como mandante desse crime. Foi preso por um pequeno período, mas responde em liberdade, após obter habeas corpus do Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que não representa perigo para a sociedade. Apesar de todas as evidências colhidas pelo MP que mostraram que o crime foi planejado e que há pelo menos um mandante, o Poder Judiciário ainda sequer decidiu se o julgamento deve ir a júri popular porque, segundo informações que obtivemos do MP, a última das testemunhas arroladas pela defesa de “Sombra” (conforme Sérgio é chamado pela imprensa e era conhecido nos meios petistas) ainda não foi ouvida, pois nunca é encontrada. Parece-nos que expedientes como esse e tantos outros são usados para que as tramitações legais se alonguem no tempo, de modo a tornar mais difícil sua solução. Inúmeros outros assassinatos que ganharam amplo espaço na imprensa já foram resolvidos ou a Justiça já se posicionou quanto ao encaminhamento a ser dado.

Como explicar que no Caso Isabella, de cinco anos, morta em 2008 ao cair do apartamento onde residia, seu pai e sua madrasta já tenham ido a júri popular e até hoje o processo de Celso segue sem essa decisão após mais de sete anos? Como explicar que o promotor Igor Ferreira, três anos após ter tirado a vida de sua esposa, já tenha sido julgado e condenado e o caso de Celso segue ainda sem resposta da Justiça? Como explicar que no crime de que foi acusado o promotor Thales Ferri Schoedl a decisão final tenha sido tomada em menos de quatro anos e os indiciados pelo crime contra Celso ainda sequer tenham ido a júri popular? Poderíamos citar outros crimes, mas esses já são exemplares para afirmar: há algo de estranho que impede que o julgamento dos responsáveis por seu sequestro, tortura e assassinato não seja solucionado. Quais são as razões dessa morosidade? Quais são as pessoas e instituições que têm interesse no sentido de que nada seja resolvido?

Que país é o nosso em que pessoas já condenadas em primeira instância podem ficar soltas até que todos os recursos nas demais instâncias sejam analisados enquanto nós, minha família e eu, tivemos que deixar o país em 2006 em função de intimidações, perseguições e ameaças que sofremos e depois de terem ocorrido oito mortes relacionadas à morte do Celso? Se é justo que um julgamento tenha que chegar a seu fim para que haja punições, é justo que os procedimentos legais possam se alongar quase que indefinidamente? Para aqueles que esperam que eu me cale, apesar da condição de exílio que hoje vivo, outorgado pelo Estado francês, uma vida que tem um lado amargo porque fico distante de meu País e sou impedido de ver amigos e parentes, quero dizer que o presente que tenho a dar ao meu irmão em cada um de seus aniversários é e será a minha luta, mesmo à distância, pelo aperfeiçoamento das nossas instituições através de nossas reivindicações de punição aos culpados pela morte de Celso e de mudanças ligadas às causas que lhe deram origem."


Perceberam? Como se tivesse uma bola de cristal à sua frente, Bruno José Daniel acertou na mosca. Sem julgamento, os criminosos foram soltos nesse último final de semana, terminando em pizza esse bárbaro assassinato de um jovem prefeito de uma das cidades mais importantes do País. Celso Daniel sofreu os piores castigos, sobretudo o da morte nas mãos de carrascos a soldo de interesses os mais espúrios. Numa república honesta, sua morte seria investigada com apoio universal e os criminosos devidamente punidos com a pena máxima.

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*Edward de Souza é jornalista e radialista.
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