quinta-feira, 16 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Milton Saldanha
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Inédito
Parte XXIII
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Deu no Correio do Povo!
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O Correio do Povo, nos velhos tempos, era o Estadão também dos velhos tempos lá no Rio Grande do Sul. Jornal sisudo, pesadão, que desprezava o acidente de trânsito ali da esquina, mas não deixava de dar uma manchete internacional, principalmente tendo como procedência Washington. O velho Correio era pesado até no tamanho, aos domingos vinha com imensos cadernos de classificados, e era um dos raros diários gaúchos em tamanho standard. Os demais (Zero Hora, Folha da Tarde, Folha da Manhã) eram tablóides. Fui repórter da Folha da Manhã e colaborador do Correio, que era do mesmo grupo, a Caldas Júnior, pertencente ao então homem mais rico e poderoso do Rio Grande do Sul, Breno Caldas, que morreu no ostracismo e sem ostentar os dois títulos.
Com fama de sóbrio e sério, o Correio era retrato e voz da oligarquia rural gaúcha. Tudo ali tinha que ser dentro dos padrões mais formais do jornalismo. O máximo de irreverência que se permitia eram as charges nas páginas de editoriais e política, e mesmo assim sempre comedidas. Quando alguém comentava algo e queria revestir o tema de credibilidade, dizia: “Deu no Correio do Povo!”
Com esse perfil ultraconservador, todo certinho e bem ao gosto da velha aristocracia pecuarista, um erro grave no Correio tinha sempre forte repercussão. Ou se tornava realmente hilariante, mais do que em qualquer outro jornal, como foi o caso que vou contar agora.
Deve ter sido entre 1965 e 1967, se não estou enganado. Lamento até hoje não ter guardado a página. Os jornais de então tinham um processo industrial longo, moroso e complicado. Os textos, depois de datilografados, eram copiados em imensas máquinas, as linotipos. As fotos, depois de reveladas e ampliadas, eram transformadas em clichês. O clichê era uma chapinha metálica com a imagem em relevo e invertida, colada a um taco de madeira para dar encaixe na paginação também metálica, copiada do diagrama em papel, com as medidas e demais informações gráficas. Duas fotos de mesmo tamanho, na mesma página, corriam sério risco de saírem trocadas. Para fugir deste e outros erros era feita uma prova de página, para checagem final do secretário gráfico, antes da impressão definitiva. Havia mais coisas no processo, mas em resumo era isso.
Ali ao lado de Porto Alegre existe a cidade de Esteio, com um parque de exposições famoso, para animais. O jornal mandou cobrir o último dia de uma exposição de suínos. Havia um concurso, do mais belo suíno. Bateram a foto do campeão, um tremendo porcão, parecia uma bola preta, ostentando pendurada no pescoço a medalha. A matéria foi editada, com a entrevista do feliz criador, tudo certinho. E a legenda: “Belo exemplar de suíno, campeão da feira de Esteio”.
Na mesma página, na contracapa do jornal, estava também a cobertura da chegada em Porto Alegre de um grande empresário paulista que estava fazendo investimentos no Estado. A foto era do homem caminhando no saguão do aeroporto, cercado de puxa sacos, com a legenda: “O empresário Fulano de Tal quando chegava ao Aeroporto Salgado Filho”. Bem, acho que nem preciso contar mais: trocaram as fotos! O secretário gráfico comeu bola e deixou passar. O jornal foi para as ruas com a hilariante gafe. E nem dava para corrigir. Seria bem pior dizer no dia seguinte que o empresário não era aquele belo exemplar de suíno.
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*Milton Saldanha, 63 anos, gaúcho, torcedor do Inter, começou no jornalismo aos 17 anos, em Santa Maria (RS). Trabalhou na grande imprensa de Porto Alegre e de São Paulo. Foi da Folha da Manhã (RS), Diário do Grande ABC, Agência Estado, Estadão e JT, Rede Globo, Rádio Jovem Pan, Última Hora (com Samuel Wainer), entre vários outros veículos. Foi também assessor de imprensa da Ford, do IPT e do Conselho Regional de Economia. Tem um livro publicado, "As 3 Vidas de Jaime Arôxa"; participou de uma antologia de escritores gaúchos; um livro pronto e ainda inédito, "Periferia da História", onde conta de memória 45 anos da recente história do Brasil sob um ângulo totalmente inédito; trabalha num livro sobre Reforma Agrária. Pouco antes de se aposentar fundou o jornal Dance -
www.jornaldance.com.br - que já tem um filhote regional em Campinas, e que neste 2009 completa 15 anos.
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J. Morgado escreve nesta sexta-feira artigo especial. O jornalista mostra que trabalho, ensino, disciplina e o exemplo dos pais moldam o caráter dos filhos e os preparam para uma vida útil e dignificante. Edward de Souza vai contar na próxima segunda-feira, o caso de uma foquinha de jornalismo, enviada para cobrir estranhos acontecimentos que ocorriam numa moradia da Vila Luzita, em Santo André. Brincadeira de mau gosto, tensão, pavor e a fuga da repórter, que ficou só de calcinha. Não percam esse capítulo inédito.
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