terça-feira, 30 de março de 2010

CONTOS & CRÔNICAS DE PÁSCOA

AVATAR

Depois do milagre da ressurreição, a Páscoa, celebração de chocolate, rastilhos dos coelhos. Será que voltaram para comer os ramos que sobraram do domingo dedicado aos ramos santos? Ou trouxeram ovos recheados? Tempo de avatar, metamorfose, renascer, transfiguração, presença do extraordinário. A mulher acorda com as badaladas. Uma, duas, três, doze, apenas doze. Respira aliviada, teme que cheguem a treze e as bruxas saiam dos sombrios calabouços construídos dentro de imensa arca, onde permanecem encarceradas, sob a promessa de serem libertadas quando o dia tiver vinte e seis horas. Ela sempre capta os sons dos relógios: solenes os de Notre Dame; exatos os que chegam do Big Ben; melodiosos os da igreja; com atraso os da estação ferroviária.

Uma, duas, três, doze. Reconta no cuco que abre a janela, no badalo do velho relógio que pertenceu a Sherlock Holmes, ainda impressionada com a argúcia do famoso detetive que desvendou o mistério das horas roubadas, levadas no exato momento do ofício divino entre as sextas e as vésperas.

Doze, doze, doze. O quarto se enche de vibrações sonoras, sons simultâneos, elevação diferente. A mulher esfrega os olhos, levanta o travesseiro, recosta-se, tateia no criado, encontra o copo, despeja água da jarra de cristal, bebe vorazmente, ansiosa, grandes goles, grandes ruídos. Não sabe ao certo se é o meio-dia ou a meia-noite, o dia alumiado dividido ao meio, ou a noite feia, de tempestade, cortada em duas partes iguais.

Acende o abajur em forma de arca, peça muito velha, antiga, rara, cobiçada pelos colecionadores, antiquários e estudiosos do mundo todo. Móvel encimado por estranha inscrição, podendo-se ler claramente: “barca da salvação, pertencente a Noé”.

Naquele tempo, para desgosto de Javé, os filhos de Deus se uniram às filhas dos homens. Ainda se observa no velho abajur em forma de arca o respiradouro colocado, a porta ao lado e a divisão em andares: inferior, segundo, terceiro.

Olha ao redor, a criança está quieta no ninho, boazinha, não incomoda, mesmo quando acordada tem medo de gritar, o choro chama a atenção do bicho-papão, do homem das bexigas, que aparece com o enorme saco membroso e sem fundo, onde enfiava e aprisionava os moleques barulhentos e desobedientes.

Sorri, apanha o pente-fino que pertenceu a medieval rainha da Inglaterra, instrumento de alisar, limpar e segurar os cabelos, utilizado desde tempos imemoriais, quando os primeiros piolhos apareceram e se espalharam.

Enfia o pente-fino na longa cabeleira prateada, sente arrepio, percebe que os cabelos se soltam do couro, grandes tufos, folhas mortas que se desprendem das árvores no inverno, o chão se cobre de feixes de cabelos amarelecidos.

Pelos vermelhos crescem com rapidez, substituem os prateados. Alisa com a palma, o ardor incomoda, provoca coceiras. Procura o espelho rococó, onde as damas de Luiz XV se enfeitavam para as festas de gala. Chega a tempo de observar a transformação: a pele se desfaz para surgir uma vistosa lagarta-de-fogo no instante em que o relógio marca a vigésima sexta hora, no décimo dia do seu quarto milésimo de vida.

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*Guido Fidelis
é jornalista e escritor.
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CONTOS & CRÔNICAS DE PÁSCOA

A partir de hoje, até domingo, o Blog Crônicas de Edward de Souza e Amigos Jornalistas apresenta a Série Contos e Crônicas de Páscoa, com a participação dos colaboradores costumeiros e de alguns convidados que, sob sua ótica particular, unindo o talento e a criatividade que lhes são peculiares, vão nos contar o que significa a Páscoa.



VIDA QUE SE RENOVA!

Do hebreu "Peschat" ou do latim "Pache", Páscoa significa passagem, mas sua comemoração vai muito além da origem semântica. A data se reveste de múltiplos significados e sentidos. Páscoa representa renovação, vida, transformação, reconciliação. Lembremos que nos dias atuais, toda e qualquer oportunidade que tivermos para repensar a vida deve ser valorizada ao máximo.

A Páscoa cristã, em que celebramos a ressurreição de Jesus, é uma festa cuja data de comemoração é móvel. O motivo da mobilidade se deve à forma escolhida para determinar o dia. O Concílio de Nicéia (325 d.C.) estabeleceu que o primeiro domingo após o aparecimento da lua cheia daprimavera no Hemisfério Norte - Outono no Hemisfério Sul - seria o domingo de Páscoa. O Outono, no Brasil, começa em 20 de março. O primeiro domingo de lua cheia depois do início da estação cai no dia 4 de abril.

A Pessach (Páscoa Judaica) é uma das três festividades de peregrinação juntamente com Sucot e Shavuot. Começa no 15º dia do mês hebraico de Nisan (geralmente em Abril), tem duração de sete dias e é celebrada para comemoração do Êxodo do Egito - a fuga do povo judeu escravizado, que foi libertado por Moisés.

COELHOS, OVOS & CHOCOLATE

"Theobroma" foi o nome dado pelos gregos ao "alimento dos deuses" - o chocolate. "Theobroma cacao", o seu nome científico. Quem o batizou assim foi o botânico sueco Linneu, em 1753. Mas foi com as civilizações do Novo Mundo - os Maias e os Astecas que a história toda começou. O chocolate era considerado sagrado por essa
civilizações indígenas, como o ouro.

Na Europa o chocolate chegou por volta do século XVI, tornando rapidamente popular aquela mistura de sementes de cacau torradas e trituradas, depois juntada com água, mel e farinha. Vale lembrar que o chocolate foi consumido, em grande parte de sua história, apenas como uma bebida.

Em meados do século XVI, acreditava-se que, além de possuir poderes afrodisíacos, o chocolate dava poder e vigor aos que o bebiam. Por isso, era reservado apenas aos governantes e soldados.

Além de afrodisíaco, o chocolate já foi considerado um pecado, remédio, ora sagrado, ora alimento profano. Os astecas chegaram a usá-lo como moeda, tal o valor que o alimento possuía.


Já no o século XX foram criados os bombons e os ovos de Páscoa, como mais uma estratégia de estabelecer de vez o consumo do chocolate no mundo inteiro. É tradicionalmente um presente recheado de significados. E não é só gostoso, como altamente nutritivo, um rico complemento e repositor de energia. E o coelho?

A tradição do coelho da Páscoa foi trazida à América por imigrantes alemães, em meados de 1700. O coelhinho visitava as crianças, escondendo os ovos coloridos que elas teriam de encontrar na manhã de Páscoa.

Uma outra lenda conta que uma mulher pobre coloriu alguns ovos e os escondeu em um ninho para dá-los a seus filhos, como presente de Páscoa. Quando as crianças descobriram o ninho, um grande coelho passou correndo. Espalhou-se, então, a história de que o coelho é que trouxe os ovos. Alguém duvida?

No antigo Egito, o coelho simbolizava o nascimento e a nova vida. Alguns povos da Antiguidade o consideravam o símbolo da Lua. É possível que ele se tenha tornado símbolo pascal devido ao fato de a Lua determinar a data da Páscoa.

Mas o certo mesmo é que a origem da imagem do coelho na Páscoa está na fertilidade que é marca registrada desses animais.


O ovo também simboliza o nascimento, a vida que retorna. O costume de presentear as pessoas na época da Páscoa com ovos ornamentados e coloridos começou na antiguidade.

Os egípcios e persas costumavam tingir ovos com as cores primaveris e os ofereciam a seus amigos. Os persas acreditavam que a Terra saíra de um ovo gigante.

Os cristãos primitivos da Mesopotâmia foram os primeiros a utilizar ovos coloridos na Páscoa. Em alguns países europeus, os ovos são pintados para representar a alegria da ressurreição. Já na Grã-Bretanha costumava-se escrever mensagens e datas nos ovos dados aos amigos. Na Alemanha, os ovos eram oferecidos às crianças junto de outros presentes, na Páscoa. Na Armênia decoravam ovos ocos com retratos de Cristo, da Virgem Maria e de outras figuras religiosas.

No século XIX, ovos de confeito decorados com uma janela em uma ponta e pequenas cenas no seu interior eram considerados presentes populares.

Mas os ovos ainda não eram comestíveis. Pelo menos como os conhecemos hoje. Atualmente as crianças encontram ovos de chocolate ou "ninhos" cheios de doces nas mesas, na manhã de Páscoa. No Brasil, as crianças montam seus próprios "cestinhos de Páscoa", enchem-no de palha ou papel, esperando o coelhinho deixar os ovinhos durante a madrugada. Nos Estados Unidos e outros países as crianças saem na manhã de Páscoa pela casa ou pelo quintal em busca dos ovinhos escondidos. Em alguns lugares os ovos são escondidos em lugares públicos e as crianças da comunidade são convidadas a encontrá-los, celebrando uma festa comunitária.
E então, vamos participar desta gostosa festa literária? A primeira história pertence a J. Morgado, que conta o delicioso embate entre um padre e um comerciante português, numa pequena cidade do sertão brasileiro, em plena Semana Santa, em... A Missa que não houve.

Fontes: Encarte do Jornal Zero Hora, de 29 mar 2009
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/kids/kidlink/kidcafe-esc/significado.html