terça-feira, 22 de setembro de 2009

UMA OBRA QUE TRAFEGA NA FRONTEIRA DA AUTO-AJUDA E MEXE COM OS SENTIMENTOS

“Mackenzie, já faz um tempo. Senti a sua falta. Estarei na cabana no fim de semana que vem, se você quiser me encontrar.
Papai”
.
Mackenzie Allen Philips recebeu este estranho bilhete, convidando-o a voltar à cabana onde, há quatro anos, Missy, sua filha mais nova, foi assassinada, durante férias familiares nas montanhas. Deprimido, ainda tomado por grande tristeza e sentimentos de culpa e revolta e ignorando alertas de que poderia ser uma cilada, ele viaja numa tarde de inverno e volta ao cenário de seu pior pesadelo. O que encontra lá muda sua vida para sempre. Num mundo em que religião parece tornar-se irrelevante, "A Cabana" invoca a pergunta: "Se Deus é tão poderoso e tão cheio de amor, por que não faz nada para amenizar a dor e o sofrimento do mundo?" As respostas encontradas por Mack estão no livro. Leia e avalie.
Um acidente levou o canadense William Young e seu livro "A cabana" (Editora Sextante) ao topo da lista de mais vendidos no Brasil e nos Estados Unidos. A obra sequer foi escrita para ser publicada. Segundo o autor, a fábula do encontro de um homem com Deus no mesmo lugar onde sua filha caçula foi brutalmente assassinada, foi escrita para ser dada de presente de Natal aos filhos.
Young esclarece: “Minha mulher me pediu para escrever uma história como um presente. Não tive dinheiro para imprimir o manuscrito no Natal de 2005. Mas consegui fazer 15 cópias de "A cabana" para entregar à família e amigos próximos. Era este o único objetivo. Muito da minha história está no livro”, lembrou o autor, canadense de nascimento que cresceu em Papua Nova Guiné, com seus pais missionários e estudou religião em Oregon, nos Estados Unidos. As crianças, como ele esperava, não se entusiasmaram muito. Mas alguns amigos leram imediatamente e começaram a repassar o livro para pessoas próximas. Young começou a receber e-mails de pessoas que nem conhecia dizendo que o livro impactara suas vidas. Ele decidiu enviar uma cópia de "A cabana" para um escritor que conhecia, que repassou o livro para dois produtores de cinema, Wayne Jacobsen e Brad Cummings.
Após um encontro entre os produtores e Young, a história de Mackenzie Allen Philips foi reescrita quatro vezes em 16 meses até que a versão final foi enviada a 26 editoras norte- americanas, metade delas religiosa. A maioria sequer respondeu. Young explica que as editoras cristãs acharam o livro herético. Já as que não eram religiosas acharam que havia muito Jesus. “Tínhamos um livro e nenhuma editora o queria”.
Então Jacobsen e Cummings criaram uma editora só para lançar "A cabana" nos EUA. Resultado: há mais de 20 semanas, o livro está na lista dos mais vendidos do jornal "The New York Times". Um fenômeno de público causado pelo marketing do boca-a-boca. A obra Já foi traduzida para 36 idiomas e, segundo o autor, vendeu em todo o mundo milhões de exemplares.
O livro foi escrito após William Young ter sofrido a perda de sua sobrinha e de seu irmão. O autor conta que também sofreu abuso sexual quando tinha quatro anos. Sua relação com o pai é complicada, assim como a de Mackenzie, no livro.
“Mack sou eu. Mas o que ele vive no livro em um fim de semana foi um processo que eu vivi em 11 anos.”
No livro, anos após o sequestro e a morte de Missy, sua filha mais nova, Mack recebe um bilhete misterioso marcando um encontro na cabana onde a menina foi assassinada. Ele vai e passa um fim de semana com a Santíssima Trindade. Contrariando todas as expectativas do personagem, Deus se personifica como uma mulher negra, grandona, de sorriso cativante, cozinheira de mão cheia. O Espírito Santo é uma chinesa ou mongol multicolorida, esvoaçante e volátil que cuida do jardim. Jesus é um bondoso jovem do Oriente Médio que conserta e constrói coisas. Todos pregam a igualdade, o fim das hierarquias, a liberdade e são contra a culpa, as regras e as instituições. É uma visão bastante libertária do amor, do perdão, da redenção, do sagrado e do humano.
“A cabana” é uma obra que trafega na fronteira da auto-ajuda, não apresenta força estilística que lhe empreste valor literário e nem seduziu a crítica. Mas caiu nas graças dos leitores porque comove, intriga e mexe com alguns sentimentos, emoções e crenças que causam constante perplexidade e sofrimento ao ser humano.
Avaliem a cena: um homem deprimido e revoltado por causa do assassinato da filha pequena tem a oportunidade ímpar de discutir seus ressentimentos com ninguém menos que Deus, em tríplice encarnação: Deus pai se manifesta como uma acolhedora dona-de-casa negra (parece uma mistura do misterioso Oráculo, da série Matrix, com a ama carinhosa de E o Vento Levou...), o Espírito Santo é uma diáfana e colorida mulher oriental e Jesus é um jovem carpinteiro que faz piada sobre o próprio narigão judaico...
Enfim, “A cabana” poderá ser, além de uma agradável e surpreendente história de consolo para o sofrimento imposto a um homem que perde uma filha e a esperança, também um exercício de reflexão sobre amor, culpa, ressentimento e perdão.
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*Nivia Andres, jornalista, graduada em Comunicação Social e Letras pela UFSM, especialista em Educação Política. Atuou, por muitos anos, na gestão de empresa familiar, na área de comércio. De 1993 a 1996 foi chefe de gabinete do Prefeito de Santiago, Rio Grande do Sul. Especificamente, na área de comunicação, como Assessora de Comunicação na Prefeitura Municipal, na Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACIS), no Centro Empresarial de Santiago (CES) e na Felice Automóveis. Na área de jornalismo impresso atuou no jornal Folha Regional (2001-06) e, mais recentemente, na Folha de Santiago, até março de 2008.
Blog da Nivia Andres:
http://niviaandres.blogspot.com/
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