quinta-feira, 30 de abril de 2009

COMO SE CONSTRÓI UMA GRANDE PAIXÃO

Nivia Andres

O Sport Club Internacional, mais conhecido como Colorado, completou 100 anos nesse mês de abril. Resolvi então contar uma historinha de como nasceu a paixão da família Andres pelo Grêmio. Nada a ver? Tudo a ver! Foi por causa do Inter! Isso foi lá pelo fim dos anos 60. Meu pai, Luiz Carlos, não tinha preferência clubística. Quando jovem, jogou no Juventude, aqui de Santiago, time da Igreja, organizado pelo Padre Assis. Mas era só um hobby. Minha mãe, Maria Lidia, também não era ligada em futebol. Nós éramos crianças – Nivia, Nina, Marcia, João Luiz e Carlos Max. Acontece que tínhamos dois vizinhos que eram colorados doentes - Godofredo Beltrão do Nascimento (Seu Godô) e Agostinho Rodrigues Martins (Seu Neto). Fanáticos. As famílias idem. Era necessário um contraponto. A Rua Barão do Ladário não podia ser só vermelha...
Antes que eu esqueça, nossas famílias eram amicíssimas, pais e filhos. Pois bem, meu pai começou a torcer pelo Grêmio, de forma a "incomodar" os amigos. Na hora do jogo, o rádio berrava. Se o Grêmio ganhava, era um escândalo, meu pai soltava foguetes, gritava, e nós também, todos gremistas de paixão recente. Até a mãe (seguramente uma das maiores gremistas que conheço, até hoje!). A antena da nossa TV era uma torre, com sete bandeiras do Grêmio, à época do heptacampeonato gaúcho - exageros do Seu Nenê Andres, como era conhecido o meu pai. Ainda tinha um quarto personagem, o Seu Romano, um negro alto e forte, que também era colorado e vinha participar, diariamente, na Madeireira Andres, da roda de chimarrão e das discussões futebolísticas acirradas... Todos eram "entendidíssimos" de futebol! Então resolveram os amigos apostar nos resultados dos jogos de Grêmio e Inter. O prêmio - latas de doce de pêssego! A aposta era paga nas segundas-feiras. Lembro que fiquei anos sem poder pensar em comer doce de pêssego, enfarada, de tantas latas que o pai ganhou na época das vacas gordas!
Uma coisa curiosa - se o Grêmio perdia, meu pai não se importava e recebia, de bom grado e sorridente, a flauta dos vizinhos colorados... Agora, se a derrota era do Inter, o Seu Neto aparecia só na terça-feira, para o mate e a prosa. O Seu Godô, só na quinta... E não se falava no assunto. Comentários? Só se fossem sobre a próxima partida... Mas as latinhas eram sagradas! Perdeu, pagou, mesmo sem palavras. Na "impossibilidade" do pai (de cabeça "inchada"), um filho trazia.
Aliás, o bom humor e o espírito do meu pai acerca dos assuntos de futebol eram notórios e soava estranho para nós, tenros torcedores azuis. Certa feita, o Inter ganhou o campeonato e os vizinhos comemoravam, felizes. Seu Nenê não se apertou, também estourou todos os foguetes que tinha reservado para a vitória que não veio... O João Luiz, meu irmão, não entendeu nada e foi procurar a mãe, com cara de choro: "- Mãe, afinal, a gente é gremista ou colorado?" A mãe o consolou: "- A gente é gremista, filho. O teu pai só está brincando com os vizinhos!". O João ficou aliviado e foi nos encontrar: "- Ainda bem, a mãe disse que a gente é gremista!"
Assim, aprendemos, em família, a respeitar a paixão que nasce das preferências do futebol. Como não vou cumprimentar todos os colorados desta terra, nossos irmãos, cuja paixão completou 100 anos? São boas recordações. Meu pai, Seu Godô, Seu Neto e Seu Romano, já se foram. Mas o exemplo de amizade, carinho, atenção e saudável maneira de torcer vai permanecer para sempre.
A família cresceu, mas continua gremista. Só o Plínio, falecido esposo da Marcia e a Cristina, esposa do Max e sua filha, Ana, preferiram o Inter (com todo o nosso respeito, conforme a melhor tradição e o exemplo do Seu Nenê). Assim, quando vi o anúncio do Grêmio, em Zero Hora, cumprimentando o Internacional, lembrei de contar essa história. Chorei às pencas ao escrevê-la. Doce recordação.
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Nivia Andres, jornalista, graduada em Comunicação Social e Letras pela UFSM, especialista em Educação Política. Atuou, por muitos anos, na gestão de empresa familiar, na área de comércio. De 1993 a 1996 foi chefe de gabinete do Prefeito de Santiago, Rio Grande do Sul. Especificamente, na área de comunicação, como Assessora de Comunicação na Prefeitura Municipal, na Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACIS), no Centro Empresarial de Santiago (CES) e na Felice Automóveis. Na área de jornalismo impresso atuou no jornal Folha Regional (2001-06) e, mais recentemente, na Folha de Santiago, até março de 2008.
Acesse blog da jornalista: http://niviaandres.blogspot.com/
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quarta-feira, 29 de abril de 2009

PRESENTE INESQUECÍVEL DE ANIVERSÁRIO

Oswaldo Lavrado

Baltazar,
“Cabecinha de Ouro”

Se o futebol quisesse dar um presente ao meu pai, bastava que lhe desse um domingo inteirinho só de gols de Baltazar, o “Cabecinha de Ouro”. Papai, corintiano roxo, sempre sonhava de olhos abertos. Imaginava um estádio embandeirado, ele na multidão, todo mundo cantando e pulando pela gloria do artilheiro inesquecível do Corinthians. Eu e meus quatro irmãos somos todos nascidos em São Caetano do Sul, no ABC, onde meu pai, Santiago Lavrado, chegou quanto tinha uns 4 ou 5 anos de idade, vindo de Araras, Interior de São Paulo. "Sêo" Santiago viveu, trabalhou, casou com minha mãe (dona Adélia, uma portuguesa de Trás-os-Montes), criou os filhos em São Caetano e ali morreu em 1991, aos 77 anos. Está sepultada no Cemitério das Lágrimas, no Bairro Mauá. Eu e meu único irmão, por influência de nosso pai, corintiano de vinte costados, também sempre torcemos pelo Corinthians. O velho Santiago foi, na juventude, apenas um razoável goleiro de times varzeanos de São Caetano do Sul.
Meu pai, como escrevi no início, era fã de carteirinha do centroavante Baltazar, que jogava no time mais lembrado da história do Corinthians: Gilmar, Olavo e Homero; Idário, Goiano e Roberto; Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Simão - campeão do IV Centenário (1954) e que voltou a ser campeão somente 22 anos depois (1977) contra a Ponte Preta. Baltazar, nos anos 50/60, era um dos mais badalados atletas do Brasil. Emérito cabeceador, ganhou o apelido de “Cabecinha de Ouro” e teve várias músicas com seu nome, inclusive um filme. Depois de Baltazar, em popularidade, só mesmo o fenômeno Pelé. Em janeiro de 55, após ganhar o Campeonato Paulista de 54 - não havia outra competição a não ser o Paulista - o Corinthians veio fazer um amistoso em São Caetano, contra o São Bento, time profissional da cidade e originário de uma fusão entre o São Caetano e o Comercial, da Capital. O jogo foi no Estádio Lauro Gomes de Almeida, hoje Anacleto Campanella. O Corinthians trouxe todos os jogadores da escalação acima lembrada, com Baltazar, é claro. Meu pai quase não dormiu na semana que antecedeu o amistoso. No domingo, dia do jogo, "Sêo" Santiago dispensou o almoço. Arranjou uns trocados, pegou no meu braço e me carregou para o "Lauro Gomes" para ver o Mosqueteiro de Baltazar. Morávamos na, então, Vila Gerti, hoje Bairro Nova Gerti, não muito longe do estádio e fomos a pé, até porque não havia ônibus no trajeto e nem todos possuíam carro próprio. Nossa família estava inserida nesse contexto. Foi a primeira vez que eu coloquei os pés num estádio para ver um time profissional e logo o meu “coringão”. Vimos o jogo espremidos nas arquibancadas de madeira do precário "Lauro Gomes" e a vitória de 5 a 2 do Corinthians, com três gols do “Cabecinha de Ouro”. Meu velho estava eufórico por ter visto Baltazar bem próximo, cerca de 100 metros.O tempo passou e em 72, já repórter do Diário do Grande ABC, fui incumbido pelo editor de esportes, Josué Dias, como setorista, cobrir o dia-a-dia do Saad, time profissional de São Caetano e que disputou a Primeira Divisão de São Paulo. No começo de 1973, o Saad demitiu o treinador, ação rotineira já naquele tempo, e contratou Baltazar para dirigir o time. De chuteiras penduradas há alguns anos, o “Cabecinha de Ouro”, antes de aportar no Saad, havia sido técnico de equipes sem muita expressão e até comandado o time de futebol da, hoje extinta, Penitenciária do Carandiru. Bem, agora Baltazar estava no Saad de São Caetano, clube que eu fazia a cobertura cotidiana para o Diário. Em apenas algumas semanas ficamos amigos, além do relacionamento treinador/jornalista. Desse respeito mútuo, criou-se um laço forte entre ambos. A gente se tratava de "xará", até porque o nome de Baltazar era Oswaldo Silva. Oswaldo, com w, como eu. Uns dois meses depois, eu estava no carro do Diário - o motorista era o Barbosa, velho conhecido deste blog e o fotógrafo, Mário Otsubo, o "japonês" - rumo ao treino do Saad e meu imaginário bolou algo que marcaria para sempre algumas vidas. Era julho, mês de aniversário de meu pai. "Pô, por que não pensei nisso antes? Vou dar ao velho o melhor presente de sua vida". Combinei com Baltazar que fizesse uma visita à casa de meus pais, que moravam na Rua José Roberto, próximo onde hoje é o Fórum de São Caetano. O imóvel ainda está lá e pertence a nossa família. Foi de surpresa. Após um treino do Saad, tipo 6 horas da tarde, aportei na casa dos velhos com aquele "negão", bigodudo, alguns fios de cabelos grisalhos, sisudo e corpanzil de ex-atleta. Meu pai nos recebeu sem entender bem o que se tratava e quem era o cara que estava ao meu lado e invadindo a casa: "Filho, quem é esse senhor?" Resmungou "Sêo" Santiago.
- Viemos trazer nosso abraço pelo seu aniversário, disse eu.
- Pai, esse é o Baltazar, o “Cabecinha de Ouro” que o senhor tantas vezes amaldiçoou por ter perdido gols importantes para o Corinthians e abençoou pelos outros tantos que marcou nas vitórias do time. Seu ídolo de algumas décadas, disse eu. Faltou pouco para o "Sêo" Santiago não sofrer um piripaque. Abraçou o velho ídolo, sorriu feliz, sem disfarçar a emoção. Algumas lágrimas teimosamente desceram pelo seu rosto. Ele tentou, mas não conseguia esconde-las. Nem ele, nem Baltazar, nem eu.
Uma vez por mês, até deixar o Saad (quase dois anos depois), o "xará", passava na humilde residência da Rua José Roberto para uma pitada de prosa com seu velho fã. Baltazar e o "Sêo" Santiago já partiram, mas, com certeza, devem estar relembrando e vibrando com os gols marcados nos campos deste mundo pelo "imortal" “Cabecinha de Ouro”.

*Oswaldo Lavrado - jornalista e radialista - trabalhou no Diário do Grande ABC, rádio e jornal, e comandou a equipe de esportes da Rádio Diário. Atualmente é editor do semanário Folha do ABC.

terça-feira, 28 de abril de 2009

LULA: PRÍNCIPE DA ABERTURA DE GOLBERY

Édison Motta
*
INÉDITO
NOS BASTIDORES DAS GREVES

Abertura política lenta, gradual e segura. Com este mote, o general Ernesto Geisel assumiu a presidência da República em 15 de março de 1974. Sucedeu ao general Emilio Garrastazu Médici, em cujo governo – 1969 a 1974 – ocorreu a maior repressão àqueles que eram considerados inimigos da “revolução”, ou seja, do golpe militar que em 1964 destituiu o presidente João Goulart.
A maior dificuldade de Geisel para devolver o país ao regime democrático não se encontrava no mundo exterior à caserna. Seus maiores oponentes eram integrantes da outra ala militar conhecida como “linha dura”. Geisel, amigo próximo de outro general, Golbery do Couto e Silva, criador do Serviço Nacional de Informações e Chefe da Casa Civil durante seu governo, fazia parte do grupo que se uniu em torno do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco no movimento “revolucionário” de 1964. Este agrupamento conspiratório era conhecido como pessoal da “Sorbonne”. Pessoas com formação intelectual e afeitas ao regime democrático mesmo que, para assegurá-lo, fossem necessárias medidas profiláticas baseadas na força das armas.
Ao retirar o poder de Goulart, os militares pretendiam – como se anunciou à época – fazer uma “limpeza” na vida pública do País, afastando a tendência de incorporação do Brasil ao movimento comunista internacional – durante os anos da “guerra fria” – ao qual Goulart mostrava-se simpático. Pretendiam, também, combater a corrupção e encerrar a carreira de políticos populistas que, com uma mão acenavam para o povo e, com a outra, locupletavam-se dos cofres públicos.
Os governos anteriores de Arthur da Costa e Silva (1967-1969) e Médici haviam se encarregado da “faxina”. Desmontaram a estrutura sindicalista criada por Getúlio Vargas, pelo seu Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB e incorporada, na clandestinidade, pelo Partido Comunista Brasileiro além de outras facções simpáticas ao comunismo internacional. Centenas de líderes de trabalhadores foram presos, interrogados e tiveram seus mandados cassados. A partir do Ato Institucional nº. 5, que deu plenos poderes autoritários ao presidente da República, a prioridade dos governos Costa e Silva e Médici foi desmontar a máquina de entidades com fachada trabalhista que quase conseguiu, com Goulart, instalar uma república sindicalista no País.
Em 1974 Luis Inácio da Silva, chamado pelos amigos por Lula, era diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Conheci-o nesta época na condição de correspondente do Jornal do Brasil no ABC e editor do Diário do Grande ABC.
O sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo sofrera uma intervenção no período anterior a Lula. Afastados os comunistas, elegera-se Paulo Vidal o homem que, efetivamente, deu um grande impulso à construção do novo sindicalismo do qual Lula seria mais à frente, como seu sucessor, o grande beneficiário. Paulo Vidal, assim como Lula, nunca foi comunista. Ao contrário, exigia que somente os trabalhadores sindicalizados votassem nas assembléias e, para tanto, exigia que os presentes apresentassem o documento – carteira sindical – que os habilitassem.
Através do governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, o “mago” da ditadura – general Golbery - procurava abrir portas para o processo de abertura anunciado por Geisel. Nos bastidores, longe dos holofotes da imprensa – que, aliás, vivia sob censura – Paulo Egydio “costurava” relações com os diversos setores da sociedade civil, inclusive com Paulo Vidal. No meio deste processo, quando os entendimentos entre o representante do regime e o dos trabalhadores amadurecia, um fato novo muda o rumo da história: a empresa à qual Paulo Vidal era vinculado mudou-se para Mauá. Estava fora, portanto da abrangência territorial do sindicato de São Bernardo e Diadema. Num só golpe, perpetrado sabe-se lá por quem além dos donos da metalúrgica, os entendimentos entre Egydio e Paulo Vidal caem por terra. Impõe-se a necessidade de eleger um novo presidente para o sindicato. Lula, a esta altura um cativante companheiro de diretoria, foi indicado para compor a chapa de novos diretores. Não como presidente, porque tal função deveria ser exercida por um outro diretor, mais antigo, conhecido por “Lulinha”. Mas eis que o destino prega suas peças e Lulinha morre, num acidente automobilístico, dias antes da eleição. De última hora, reúnem-se os diretores e indicam Luiz Inácio para a presidência, com o compromisso de que, durante o próximo mandato, Lula – que praticamente nada entendia de política sindical – seria assessorado por Paulo Vidal. A eleição acontece e Lula toma posse como presidente numa cerimônia que conta com a participação do governador Paulo Egydio Martins. Os entendimentos de Paulo Egydio prosseguem com Lula. O governador faz a doação de um grande terreno, em São Bernardo, para construção de um clube de campo dos metalúrgicos e cede, também, uma imponente colônia de férias, no Guarujá, anos depois assumida pela associação de funcionários do Banespa. O autor deste relato acompanhou, pessoalmente, todos esses episódios. E mais: criou, no Diário do Grande ABC, uma coluna denominada “movimento sindical” onde apareceram, juntamente com matérias do Jornal do Brasil, as primeiras linhas publicadas na imprensa sobre o dirigente sindical, hoje presidente da República.
Em 1978, Lula e a diretoria do sindicato é colhida de surpresa por um movimento espontâneo, liderado pelo então sindicalista Gilson Menezes, que entra na fábrica de caminhões Scania, em São Bernardo e cruza os braços. O movimento chama a atenção de toda a imprensa, do país e do exterior de vez que as greves estavam terminantemente proibidas pelo regime militar. Rapidamente, na medida do possível, os diretores do sindicato assumem o comando do movimento, negociam com a empresa e conseguem uma espetacular vitória, com aumento de salários e sem demissões. O restante do ano de 1978 e o começo de 1979 são dedicados à preparação daquela que seria conhecida como a principal greve do movimento trabalhista do país: a dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema que reuniu multidões no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo.
O estádio de futebol foi cedido pelo prefeito Tito Costa, do PMDB, a pedido de Lula, com intensa participação do autor deste relato, então assessor do prefeito e correspondente do JB. Uma decisão corajosa de Tito Costa que afrontava a “linha dura” do regime militar, mas que acabou consentida pelo presidente Geisel. Foi do palanque armado pela Prefeitura na Vila Euclides que Lula projetou-se para o Brasil e para o mundo. Naquela época, a imprensa internacional dava destaque a dois personagens: Lech Valeska e o seu sindicato solidariedade liderando uma greve no estaleiro de Gdansk, Polônia e ao pernambucano Lula da Silva, em São Bernardo.
A greve de 1979 durou 14 dias. No final, metalúrgicos e Fiesp assinaram um acordo que rendeu significativo aumento salarial aos trabalhadores e reverteu a demissão dos líderes. Um movimento vitorioso: para os trabalhadores que conseguiram seus objetivos – embora muitos desejassem mais – e para criação do caldo de cultura da greve de 1980, que durou 41 dias. Este último, um movimento predominantemente político. Que provocou intervenção no sindicato, prisão de Lula, dos diretores da entidade e serviu para ampliar a visibilidade de Lula e para a formação do Partido dos Trabalhadores que tanto interessava a Golbery e ao pessoal da “Sorbonne”. O “bruxo” conseguiu matar dois coelhos com uma só cajadada: criou o pluripartidarismo, dividiu as oposições até então encasteladas no Movimento Democrático Brasileiro, MDB e construiu o principal obstáculo para impedir a chegada de Leonel Brizola – o principal inimigo da “revolução” - ao comando da República. Dez anos depois, em 1989, Lula - e não Brizola, que ficaria em terceiro lugar no primeiro turno - disputaria o segundo-turno das eleições presidenciais.
O primeiro de maio de 1979, comemorado no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, com a presença de Lula, D.Cláudio Hummes, Vinicius de Moraes, artistas, intelectuais, estudantes e trabalhadores foi, sem que soubéssemos, um marco exponencial da distensão lenta, segura e gradual do presidente Ernesto Geisel, resultante da fantástica maquinação de seu “bruxo” Golbery do Couto e Silva.

*Édison Motta, jornalista e publicitário é formado pela primeira turma de comunicação da Universidade Metodista. Foi repórter e redator da Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil; editor-assistente do Estadão; repórter, chefe de reportagem, editor de geral (Sete Cidades) e editor-chefe do Diário do Grande ABC. Conquistou, com Ademir Médici o Prêmio Esso Regional de Jornalismo de 1976 com a série “Grande ABC, a metamorfose da industrialização”. Conquistou também o Prêmio Lions Nacional de Jornalismo e dois prêmios São Bernardo de Jornalismo, esses últimos com a parceria de Ademir Médici, Iara Heger e Alzira Rodrigues. Foi também assessor de comunicação social de dois ministérios: Ciência e Tecnologia e da Cultura. Atualmente dirige sua empresa Thomas Édison Comunicação.

domingo, 26 de abril de 2009

AS ENGRAÇADAS HISTÓRIAS DO RÁDIO

Oswaldo Lavrado

Vôo atribulado
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Dentro de cada Radialista existe um inexplicável sentimento de dedicação e o interesse pelo que faz. Hoje, o rádio perdeu o espaço na sala para a televisão, mas não perdeu o seu lugar no coração de todos nós. O Radialista é um sonhador, um apaixonado que faz parte do cotidiano das pessoas. O rádio tem mesmo muitas histórias. Tantas e tão fantásticas que nunca se sabe ao certo se são ou não verdadeiras. Neste domingo escolhi uma delas para lhes contar. Eu havia assumido a chefia do Departamento de Esportes da Rádio Diário do Grande ABC em janeiro de 1984, no lugar de Rolando Marques que, no entanto, continuou como narrador da equipe. Nesse ano, a equipe do Santo André disputou a Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro, fato inédito na história do ABC, que nunca teve um time incluído na divisão de elite do futebol nacional. A Rádio Diário 1.300, do grupo Diário do Grande ABC, realizava transmissões dos jogos de todos os times da região e, claro, mesmo com dificuldades iria acompanhar o Santo André no Brasileirão. E assim foi. A estréia do Ramalhão, apelido do Santo André, foi em 29 de janeiro na cidade de Alagoinhas, na Bahia, cerca de 120 quilômetros de Salvador. O jogo foi contra a Catuense, da cidade de Catu, próxima de Alagoinhas. Esta foi a primeira transmissão interestadual da Rádio Diário. Para lá embarcaram três integrantes da equipe “Os Craques do Rádio”: Rolando Marques (narrador), Oswaldo Lavrado (comentarista) e Jurandir Martins (repórter). A verba não permitia levar um operador de som (aquele que instala o equipamento eletrônico para as transmissões externas). Eu e o Rolando, que entendíamos um pouco da arte, executávamos o serviço. Estava batizada a equipe e a rádio em transmissões fora do Estado de São Paulo. O Santo André venceu por 1 a 0, gol de pênalti marcado pelo meia Rotta, à época a estrela do time. Depois vieram jogos em Recife, Porto Alegre, Natal, Curitiba, Campo Grande, Rio de Janeiro e Goiânia. Foi a caminho da capital do Rio Grande do Norte que aconteceu a história que estamos relatando aqui, no agitado blog do Edward de Souza, companheiro que participou de outras viagens e histórias engraçadas que serão contadas em outros capítulos. Nossas viagens aéreas eram sempre de madrugada por ser 20% mais em conta do que de dia e, como a verba da rádio era curta, não havia outra alternativa à equipe senão voar nesse horário. Embarcamos em Cumbica, eu e o Rolando, já que o repórter, também pela escassez de grana, foi dispensado. O avião deixou Guarulhos a meia noite de uma sexta-feira. Fez escala no Rio de Janeiro, em Salvador e em Recife. Até ai já eram quase três horas da madrugada do sábado. Na capital pernambucana houve baldeação de passageiros com outros destinos, tipo Fortaleza, Belém, Manaus etc. Uma tempestade atingia Recife na madrugada e para evitar transtornos, os passageiros do nosso vôo, um Airbus da Varig, teriam que deixar a aeronave direto para outro avião, sem passar pelo saguão do aeroporto dos Guararapes. Uma aeromoça, na porta do Airbus, entregava uma senha colorida, de plástico, que identificava o avião e o destino do passageiro. Eu recebi uma senha amarela e, devidamente escoltado por um funcionário do aeroporto com um enorme guarda-chuva, embarquei num avião bem menor que aquele que deixamos São Paulo. O Rolando, por sua vez, recebeu uma ficha verde e, também acompanhado do prestativo funcionário e sob outro guarda-chuva, seguiu em direção a uma aeronave.
Tive a nítida impressão que ele (Rolando) não havia entrado no mesmo avião que eu. No entanto, como chovia demais e havia muita gente na troca de aeronaves, pensei que poderia ter me enganado e Rolando, àquelas alturas, já estaria tranquilo, bem acomodado, numa poltrona no fundo do avião. O aparelho, que mais parecia uma chaleira fervendo, lotado, alçou vôo do Guararapes com destino a Natal, capital do Rio Grande do Norte. Então, levantei-me da poltrona e fui procurar o Rolando. Olhei, assuntei e nada do homem. Não achei, no avião, o nosso narrador. Pousamos no aeroporto de Natal e fiquei na recepção, onde passariam todos os passageiros, esperando pelo Rolando. O local ficou vazio e cadê o homem? Descolei um taxi e rumei para o hotel Reis Magos, na Praia do Meio, previamente reservado. E nada do Rolando aparecer. Fiquei preocupado, mais que isso, desesperado a ponto de pensar em acionar a polícia. Não sabia exatamente o que fazer. Por volta das 8h, já no sábado, um funcionário do hotel chega pra mim e pergunta: ”por favor, o senhor é Oswaldo Lavrado? Tem um telefonema a sua espera". Atendi sem atinar direito quem seria, preocupado que estava com o sumiço do Rolando. Mas, era ele.
- Onde diabos você se meteu? Disse eu, faiscando.
- Estou em Fortaleza, respondeu.
- E o que faz aí, se o jogo do Santo André é aqui em Natal? Como foi parar aí? Retruquei.
- Sei lá, disse ele - me deram uma senha verde em Recife e, pela cor, fui colocado num vôo para Fortaleza. Só percebi quando o avião taxiava pra levantar vôo e o comandante anunciou o destino, então já era tarde. Sugeri, ou determinei, já que era o chefe da equipe, que ele embarcasse rápido para a capital potiguar, onde seria realizada a transmissão do jogo. Felizmente deu tempo, uma vez que ainda era sábado e a partida só aconteceria no domingo. Ufa...
Em tempo: O Santo André venceu o América por 4 a 2. Rolando Marques morreu em 9 de julho de 1994. É importante ressaltar que a equipe de esportes da Rádio Diário sempre viajou por conta própria, dispensando convites de clubes, tornando-se mais respeitada pela sua independência.
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*Oswaldo Lavrado - jornalista e radialista - trabalhou no Diário do Grande ABC, rádio e jornal, e comandou a equipe de esportes da Rádio Diário. Atualmente é editor do semanário Folha do ABC.
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sábado, 25 de abril de 2009

OS TEMPOS DE OURO DO NOSSO FUTEBOL

J. Morgado
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ESPECIAL DE SÁBADO
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Como seria bom que o futebol de hoje fosse como o de ontem. O velho Pacaembu, recebendo famílias inteiras para assistirem as partidas que ali se realizavam. Quando garoto, meus tios me levavam pela mão e eu vibrava. No início da década de 50, eu ali ia ter com minha namorada, hoje minha esposa. Viajava para Campinas, Piracicaba e Santos, para ver uma partida, acompanhando o time de meu coração. Ao término do jogo, a retirada do estádio era tranqüila. Não havia brigas, nem rivalidades exageradas.
Joguei futebol até os 19 anos. Um “pega prá capá” no então campo do Lins de Vasconcelos acabou com minha carreira. Tudo ia bem. Estávamos ganhando, quando de repente, um grupo de desordeiros, saindo do matagal que cercava o campo, começou a nos agredir com paus e pedras. Levei umas pauladas e depois de pegar minhas roupas, sai correndo junto com meus companheiros. Despedi-me do esporte. “Cara que a mamãe beijou, vagabundo nenhum põe a mão”, assim pensei naquela época (1954). No futebol de várzea, como era conhecido, ocorrência como essa era comum. Lembro-me de meu pai com seu guarda-chuva se defendendo de uma briga, durante uma partida entre o Metal F.C e Monte Alegre. Essas agremiações eram rivais, mas quem brigava eram os torcedores. Brigas sem nenhuma conseqüência e que sempre acabavam no bar em uma roda de cerveja e petiscos. Bons tempos...
Competição era o que existia na época. Havia as agremiações: São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos, Portuguesa, Ipiranga, Juventus e tantos outros. É claro que surgiam ligeiras discussões a respeito deste ou daquele time. Não me lembro de ter visto o fanatismo exacerbado dos dias de hoje. Não importava para que time pertencia, todos gostavam dos craques da época: em 1953, Gilmar, Cláudio, Baltazar (o cabecinha de ouro), Ademir Menezes, Dida, do Corinthians; em 1950, o São Paulo, Rui, Bauer, Friaça, Ponce de Leon, Leônidas, Teixeirinha... O Palmeiras, representado pelo periquito, juntamente com os outros dois mencionados eram os grandes times paulistanos. Em 1950, o “verdão” como hoje é chamado, ganhou cinco títulos consecutivos. Quem ia ao Pacaembu aos domingos, às vezes assistia a duas partidas. A primeira dos aspirantes e depois a do time principal. Era um espetáculo!
Hoje, o que se vê, são torcidas organizadas, armadas com porretes, bombas caseiras, facas e até armas de fogo se digladiando nas ruas. Mortes e ferimentos graves se sucedem... Cadê as famílias, os casais de namorados, as crianças? Desaparecerem! Em torno do futebol de então, havia os clubes. As pessoas a eles se associavam e exibiam com orgulho a carteirinha. Não sei onde foi parar a minha. Deve estar em um baú qualquer entre as velharias. Essas quadrilhas organizadas a quem chamam disso e daquilo não existiam. Quando garoto, na década de 1940, as balas futebol, coqueluche dos meninos contribuíam para uma fraternidade futebolística. Não se colecionava os craques deste ou daquele time, e sim de todos. As figurinhas carimbadas e as difíceis eram separadas. As trocas se faziam em rodas de uma camaradagem maravilhosa. Esse episódio das Balas Futebol merece uma crônica à parte.
E agora, estamos no final de mais um campeonato paulista. Os chamados quatro grandes se classificaram. Santos, Corinthians, Palmeiras e São Paulo. Disputadas as primeiras partidas, restaram os grandes finalistas: CORINTHIANS X SANTOS. Quem será o campeão de 2009? Espero que seja o time de meu coração!
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*J. Morgado é Jornalista e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. Morgado escreve quinzenalmente neste blog, sempre às sextas-feiras. E-mails sobre esse artigo podem ser postados no blog ou enviados para o autor, nesse endereço eletrônico:
jgacelan@uol.com.br
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*Oswaldo Lavrado conta neste domingo as dificuldades do jornalismo esportivo durante as transmissões de futebol pelo Brasil. São muitos relatos, histórias engraçadas, problemas que precisavam ser resolvidos na hora, trapalhadas e acima de tudo, o profissionalismo que marcou, durante décadas, a equipe de esportes da Rádio Diário do Grande ABC, intitulada “Os Craques do Rádio”, Não deixem de acompanhar.
(Edward de Souza)
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sexta-feira, 24 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Édison Motta
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Decisão de futebol “inflama” Porto Alegre

INÉDITO
Capítulo XXVIII


Dezembro de 1974. O Brasil vivia os anos de chumbo. O general Ernesto Geisel, natural de Bento Gonçalves, RS, quarto presidente da ditadura, tentava domar os militares da chamada “linha dura” que resistiam ao processo de abertura. A censura se abatia sobre as redações dos grandes jornais e paramilitares da Operação Obam e DOI-CODI exorbitavam na “caça as bruxas”, militantes com alguma simpatia ou participação em movimentos de esquerda, para eles definidos como “subversivos”. Sabia-se da existência de presos políticos, torturas, prisões, desaparecimentos, mas nenhuma notícia era publicada na imprensa. O “Estadão” e o “Jornal da Tarde” encontraram maneira original para denunciar a censura: o primeiro publicava versos de Luiz de Camões no espaço das matérias censuradas. Por vezes, o cochilo dos sensores deixava passar o título principal da matéria seguido dos poemas. O Jornal da Tarde publicava receitas culinárias, propositadamente alteradas para quem, por ignorância ou pouca percepção, tentasse executá-las.
Para a maioria dos brasileiros, entretanto, os sérios acontecimentos dos bastidores do poder eram desconhecidos. Viviam-se os tempos do “milagre brasileiro” impulsionado pelas circunstâncias econômicas que beneficiaram o governo do presidente anterior, Emilio Garrastazu Médici, natural de Bagé, também do Rio Grande. Além do “milagre” que promoveu o rápido crescimento do Produto Interno Bruto a taxas médias de 8 a 10% ao ano, a grande alegria das multidões eram os campeonatos regionais e o nacional de futebol.
Médici, um apaixonado torcedor de futebol, costumava freqüentar o estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, com um radinho de pilha. Era ovacionado pelos freqüentadores ainda vivendo as alegrias da recente conquista do tricampeonato mundial de futebol, no México, em 1970.
Reuniões e manifestações eram proibidas. A única alegria permitida eram as partidas de futebol. Assim mesmo, com grandes aparatos de segurança no entorno dos estádios para rápida dispersão dos torcedores. O regime odiava aglomerações.
Eu havia regressado, há quase um ano, ao Diário do Grande ABC, após nove meses de trabalho como repórter da Folha de S.Paulo, para ser chefe de reportagem e, depois, editor de geral, hoje “setecidades”. Nosso sonho, dos diretores e jornalistas do Diário era ampliar ao máximo a visibilidade do jornal conquistando respeito tal como ocorria com os jornais da Capital. Nossa angústia: não havia censores no Diário. Como se participássemos de um veículo de segunda. Naquele momento, o jornal também experimentava uma fase de prosperidade com ampliação da redação e aquisição de novos equipamentos de composição a frio, o sistema off-set e uma nova e moderna rotativa sueca para impressão. Nosso esforço era oferecer uma cobertura diferenciada dos fatos, com prioridade para os assuntos regionais, porém com visão aberta para os acontecimentos nacionais e internacionais. Em dezembro, as atenções do país se voltavam para o final do campeonato brasileiro de futebol que seria disputado em Porto Alegre, RS, entre o Corinthians, de São Paulo e o Internacional, do RS.
Aquela final tinha algo especial porque o time paulista, detentor de uma das maiores torcidas do País, amargava mais de duas décadas sem conquistar um campeonato, tanto o regional como o nacional. Convenci o Fausto Polesi, diretor de redação, para que o Diário apresentasse o seu diferencial: candidatei-me a ir a Porto Alegre, acompanhado de fotógrafo, para narrar as impressões de alguém praticamente leigo em esportes, mas com olhar nativo da região. Ele topou e, em pouco tempo estávamos viajando de ônibus – apesar da prosperidade, os recursos ainda não permitiam comprar passagens de avião. Fomos eu, o fotógrafo João Colovatti e o repórter esportivo da Radio Diário, o gaúcho Jurandir Martins. Após uma longa e cansativa viagem, instalamo-nos numa pensão nas imediações do aeroporto da cidade. Para nossa surpresa, no dia seguinte encontramos uma turma do ABC – cerca de 20 torcedores do Corinthians – que se encontrava instalada na mesma pensão. Há dois dias da partida, sem praticamente ter o que fazer, resolvemos dar um passeio, a pé, pela cidade. Saíram os corintianos com suas camisetas e bandeiras. Colovatti, sempre atento, levou todo o equipamento fotográfico, com teleobjetiva e lentes especiais. De repente, no meio da caminhada, deparamo-nos com um enorme monumento. Ninguém de nós sabia o significado daquela figura do laçador. Um gaiato qualquer da turma escalou a estátua, com uma bandeira do Corinthians, e a instalou na mão do laçador. O trânsito parou, vaias, protestos e um clima de poucos amigos de quem observava a cena. Como o João foi rápido e registrou tudo em várias chapas, dispersamo-nos do grupo e fomos direto à redação do jornal Zero Hora, um dos mais importantes do Rio Grande do Sul. Lá chegando, procuramos o chefe do laboratório fotográfico e explicamos que precisávamos revelar o filme e, também, enviar algumas fotos para a redação do jornal através da telefoto, um luxo para a época. Ele concordou e pediu que voltássemos após 40 minutos para escolher as fotos que deveriam ser enviadas. Ficamos por ali, num bar próximo ao jornal, até que o tempo passasse. Em seguida, retornamos e, para nossa surpresa, a recepcionista informou que o diretor de redação gostaria de conversar conosco. Fomos até sua sala, gentilmente recebidos e percebemos que sobre sua mesa já se encontravam algumas fotos captadas pelo João. Ele perguntou se haveria alguma restrição em eles usarem uma ou mais daquelas fotos. Obviamente que não, dentro da camaradagem com que fomos recebidos. Ele anotou o nome completo do fotógrafo e disse que iria providenciar a remessa por telefoto para a redação do Diário. Para mim, já tinha a matéria do dia. Fui até a agência de correio do centro para transmitir o texto por telex. Obtivera o diferencial procurado. Um “apronto” de corintianos do ABC em plena Porto Alegre. Por certo agradaria em cheio aos paulistas – a disputa se transformou numa espécie de “guerra” entre os Estados.
O que não sabia era a repercussão que a foto causaria no dia seguinte. Porque, também no café da manhã, um dos corintianos apareceu com a edição do Zero Hora. A primeira página estava toda ocupada com a foto, assinada, do Colovatti e, abaixo, o título: “Paulistas já chegam provocando”. Foi um pandemônio. Ali mesmo, entre os funcionários da pensão era perceptível que para os gaúchos a brincadeira não teve a menor graça. Foi instintivo: todos retiraram as camisetas, enrolaram as bandeiras e saíram dispersos, para não chamar atenção. No começo da tarde fui ao estádio Beira Rio acompanhar o treino do Internacional. Poucas vezes na vida fui tão agredido com palavras:
- Paulistas de merda! Merecem uma surra! Vocês têm que sofrer aqui no Rio Grande. Nós mandamos no Brasil; de onde são os presidentes? Carioca faz samba; mineiro faz política, paulista trabalha e nós, gaúchos, governamos! E por aí afora. E eu, calado, sem revidar para não sofrer um linchamento. Afinal, estava na casa deles e tudo o que rezava é para que não descobrissem quem fez o registro do “apronto”. Procurei me informar, afinal o que representava aquele monumento e soube que se trata do principal símbolo do povo gaúcho, a estátua do laçador. Mamamia...
Durante todo o dia, as rádios inflamavam ainda mais os torcedores. Falavam cobras e lagartos daquele grupo de torcedores cujo anonimato, por razões de segurança, preservei até hoje. No final da tarde, véspera da partida chegou a delegação do Corinthians e se instalou num hotel no centro da cidade. Cuja população, naquele dia, esqueceu todas as restrições do regime militar – afinal, os presidentes eram “da casa” – e fez um verdadeiro cerco sobre o hotel. Promoveram buzinaço e algazarra durante toda a noite. Liberou geral! Ninguém, de jogadores, treinador, comissão técnica etc. conseguiu dormir. Pela primeira vez, durante todo o regime militar, vi boa parte da população invadir ruas, avenidas, becos, e comemorar livre e antecipadamente uma vitória anunciada.
Na tarde do jogo, o time do Corinthians chegou escoltado ao estádio. Sob vaias, xingações, ovos, tomates, jatos d’água, um terror. Entraram em campo como zumbis e perderam para o Internacional por 2 a zero. O Inter sagrou-se campeão nacional. Festa total na cidade. Gaúchos recompensados e vingados da provocação. Os corintianos precisaram sair de Porto Alegre às escondidas. E eu, no íntimo, morrendo de rir. Porque sempre torci pelo Santos, arquirival do Corinthians. Ambos vão se encontrar, nos próximos dois domingos, frente a frente na disputa final do campeonato paulista. Ah, se o jogo fosse em Porto Alegre...
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Édison Motta, jornalista e publicitário é formado pela primeira turma de comunicação da Universidade Metodista. Foi repórter e redator da Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil; editor-assistente do Estadão; repórter, chefe de reportagem, editor de geral (Sete Cidades) e editor-chefe do Diário do Grande ABC. Conquistou, com Ademir Médici o Prêmio Esso Regional de Jornalismo de 1976 com a série “Grande ABC, a metamorfose da industrialização”. Conquistou também o Prêmio Lions Nacional de Jornalismo e dois prêmios São Bernardo de Jornalismo, esses últimos com a parceria de Ademir Médici, Iara Heger e Alzira Rodrigues. Foi também assessor de comunicação social de dois ministérios: Ciência e Tecnologia e da Cultura. Atualmente dirige sua empresa Thomas Édison Comunicação.
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quinta-feira, 23 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Capítulo inédito do livro “Periferia da História”

Milton Saldanha

24 de agosto de 1954

Este foi um dia impossível de esquecer. Eu estava no segundo ano primário do Colégio São José, no bairro do Fragata, em Pelotas (RS). Era um colégio de freiras rudes, que tratavam as crianças aos tapas. Fui colocado lá, oh azar, porque era a escola mais próxima de casa. Quando levei a primeira porrada da freira contei em casa. Não recordo se o pai ou mãe, mas um deles foi lá, chamou a freira e avisou: “nunca mais ouse tocar no meu filho. Se acontecer de novo eu venho aqui e... Não completou a frase, se retirou deixando implícita uma grave ameaça. Blefe, claro. Foi minha alforria naquele inferno. Todo mundo continuou apanhando em classe, menos eu. Na manhã ensolarada do dia 24 de agosto de 1954 mal tínhamos abertos nossos cadernos, o relógio nem marcava 9 horas, e a madre abriu a porta, interrompendo a classe. Nem entrou, falou dali mesmo, só com a cabeça para dentro da sala: “As aulas estão suspensas por três dias. O presidente da República acabou de se matar”.
Oba! Festejaram todos, já curtindo aquela vadiagem inesperada. Gostei também do anúncio da folga, mas ao mesmo tempo senti um choque. O fato de ter visto Getúlio Vargas de pertinho, deslumbrado, um ano antes; o afago dele no meu irmão Rubem Mauro; talvez até a admiração dos meus pais pelo velhinho, um populista que soube se tornar amado pelos pobres, tudo isso naquele momento me fazia um pouco diferente dos demais. Pesou também na minha frágil cabeça infantil a frase seca, dura mesmo da madre – “... acaba de se matar!” Se para um adulto isso sempre tem um impacto, imaginem então numa pessoa que recém completara 9 anos.
Jamais aconteceu, em toda História brasileira, uma comoção como aquela. E certamente nem voltará a acontecer, porque não existem mais condições para a cristalização de uma liderança personalista como foi a do Getúlio, capaz de reunir em torno da sua imagem uma massa humana tão ampla. Não há comparação possível, exceto, talvez, com a morte de Evita Perón, na Argentina. O desaparecimento de Tancredo Neves, por exemplo, apesar de toda poderosa máquina de informação que existe hoje, não representou um terço, se tanto, do trauma popular que foi o fim de Vargas. Sobretudo porque as lideranças, as situações e circunstâncias de cada episódio envolvem aspectos impossíveis de comparar. O Brasil literalmente parou de Norte a Sul, de Leste a Oeste, naquele 24 de agosto. Todas as rádios suspenderam imediatamente suas programações, nem comerciais iam ao ar, e passaram a tocar só música clássica, sóbria. A cada cinco ou dez minutos era lida no ar, com forte emoção, a Carta Testamento. Ecoavam as frases, fragmentos, que as pessoas começavam a destacar e a fixar mais, pelo gosto pessoal e sensibilidade de cada um, naquele contexto todo. “Fiz uma revolução e venci” -- “não me acusam, caluniam” – “as aves de rapina” – “o povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém” – “dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”. Era de arrepiar, mesmo quando já se tinha ouvido aquilo uma centena de vezes. E cada vez que ouviam outra vez as pessoas caiam em pranto. Foi a única vez, em toda minha vida, que vi meu pai chorar. Em pé, apoiado na porta da cozinha, rosto enfiado no braço, exatamente como choram as crianças, ele deixou fluir sua dor. Nas ruas, vizinhos que antes mal se falavam, ou mesmo desconhecidos passando, se abraçavam em lágrimas, compartilhando da mesma solidariedade, como se o povo todo fosse uma única e grande família. As notícias chegavam pelo rádio principalmente do Rio de Janeiro e Porto Alegre. Multidões enfurecidas quebravam e incendiavam símbolos locais do imperialismo e da oposição, como vitrines de empresas estrangeiras, jornais, rádios. A rádio Farroupilha, então a mais famosa e de maior potência no Rio Grande do Sul, dos Diários Associados, foi incendiada. Um locutor saltou de uma janela do primeiro andar e fraturou a coluna. O quebra-quebra foi muito grande. O Exército, também surpreendido e paralisado pelos fatos, com seus subalternos traumatizados como o resto do povo, demorou a sair às ruas para recompor a ordem. No Rio, chegaram a usar tanques de guerra, dando tiros nas avenidas com balas de festim, de efeito moral (não explodem, só fazem barulho), para assustar e conter as multidões enfurecidas. O Exército emitia comunicados pedindo que as pessoas ficassem em suas casas e mantivessem a ordem, informando que os distúrbios não seriam tolerados.
Desnecessário falar sobre a massa humana que se concentrou nas imediações do Palácio do Catete, então sede do governo federal, para os funerais. Milhares de pessoas, em fila, circularam em torno do ataúde aberto, com o corpo embalsamado e coberto de flores. Desnecessário também falar dos discursos, ora inflamados, ora em tom de total desolação, que se ouviam das tribunas parlamentares ou em qualquer esquina, de alguém improvisado em orador sobre um caixote. Naquele dia o Brasil não teve governo, não teve qualquer tipo de negócio, a mínima atividade em qualquer setor. Bancos e postos de gasolina fechados. Quem não foi para as ruas para algum tipo de protesto, numa explosão espontânea, sem qualquer tipo de organização, se recolheu em casa, ao pé do rádio, sob forte emoção. Foi o dia mais triste e sofrido que este país já conheceu. Quando a noite chegou, nenhuma remota buzina de carro, nenhuma voz humana, o silêncio na cidade era absoluto e total, como se ali não existisse qualquer tipo de vida. Os opositores a Getúlio, que também não eram poucos, sumiram. Ninguém ousaria se manifestar naquela situação. Lembro-me apenas de uma vizinha, mais louca do que corajosa, falando alto na rua contra Getúlio. Sorte dela que nosso bairro era muito pacato.
No dia seguinte havia bandeiras brasileiras a meio mastro em toda parte. Os veículos, inclusive ônibus e caminhões, circulavam com panos pretos amarrados aos retrovisores, em sinal de luto. Mais do que luto pela morte trágica de um presidente, aquilo era um posicionamento político. Foi quando vi meu pai assumir uma atitude extremamente ousada para sua condição de capitão do Exército, em plena ativa e com uma carreira a completar. Fixou meio metro de arame grosso na ponta do capô do seu sólido Chevrolet de quatro portas e ali instalou uma bandeira preta. Entrava e saia do quartel com aquela marca do seu protesto tremulando. Com certeza afrontando oficiais de vocação golpista, entre eles seus superiores. O luto oficial não passou de uma semana, mas um mês depois os veículos ainda rodavam com aquelas tarjas pretas.
Getúlio se matou com um tiro no coração, por volta das 8 horas da manhã, vestido de pijama, sentado em sua cama. Tinha sido uma noite tensa, no Catete, com reuniões de ministros e assessores. Na prática, ele já estava deposto pelos generais. Sua morte abortou o golpe militar, que voltou a ser tentado em novembro de 1955 e esmagado pelo legalista general Teixeira Lott, ministro da Guerra. Voltou a ser tentado em 1961, na renúncia do Jânio Quadros, mas frustrado pela fortíssima resistência gaúcha, sob a liderança de Leonel Brizola, com apoio do III Exército. Finalmente, em 1964, os golpistas novamente tentaram e desta vez venceram, instalando a ditadura, para infelicidade do Brasil. Com uma única bala, e o sacrifício da própria vida, Getúlio Vargas tinha feito seu derradeiro gesto político, permitindo que o Brasil, bem ou mal, tivesse dez anos de sobrevida em sua combalida democracia.
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*Milton Saldanha, 63 anos, gaúcho, torcedor do Inter, começou no jornalismo aos 17 anos, em Santa Maria (RS). Trabalhou na grande imprensa de Porto Alegre e de São Paulo. Foi da Folha da Manhã (RS), Diário do Grande ABC, Agência Estado, Estadão e JT, Rede Globo, Rádio Jovem Pan, Última Hora (com Samuel Wainer), entre vários outros veículos. Foi também assessor de imprensa da Ford, do IPT e do Conselho Regional de Economia. Tem um livro publicado, "As 3 Vidas de Jaime Arôxa"; participou de uma antologia de escritores gaúchos; um livro pronto e ainda inédito, "Periferia da História", onde conta de memória 45 anos da recente história do Brasil sob um ângulo totalmente inédito; trabalha num livro sobre Reforma Agrária. Pouco antes de se aposentar fundou o jornal Dance - http://www.jornaldance.com.br/ – que já tem um filhote regional em Campinas, e que neste 2009 completa 15 anos.

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quarta-feira, 22 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Milton Saldanha

INÉDITO
Capítulo XXVI

Como Samuel Wainer conquistou Getúlio Vargas
Primeira parte

A história toda é muito longa, com lances polêmicos. Vou resumir aqui no blog, senão ninguém agüenta. Samuel Wainer era repórter do grupo Diários Associados, do Assis Chateaubriand, o Chatô (não deixem de ler o fabuloso livro do Fernando Morais sobre ele). Foi dos jornais e da revista O Cruzeiro. Os Diários Associados foram a maior e mais poderosa rede de comunicação que já existiu no Brasil em todos os tempos. Só a Globo de hoje é comparável à força que teve, e olhe lá. Os Associados, como era chamada a rede, na área do papel tinha jornais e revistas. O Cruzeiro era carro-chefe, tirava um milhão de exemplares por semana no início dos anos 50, e chegava com desconcertante velocidade em todo o Brasil. Eles tinham também uma centena de rádios, sendo a Tupi em ondas curtas, portanto de longo alcance, e algumas TVs. A primeira TV do Brasil, a Tupi, inaugurada em SP e depois Rio, foi deles. Como ninguém tinha aparelho em casa, fizeram a inauguração com TVs colocadas na Praça da República.
Samuel Wainer, da comunidade judaica, era um homem bonito e conquistador de mulheres. Insinuante, circulava com desenvoltura no Rio de Janeiro, capital federal e centro de todas as atenções do Brasil naqueles anos. Tentou cobrir a participação brasileira na II Guerra Mundial, o que lhe daria fama, mas Chatô não deixou, mandou o Joel de Almeida. Mas, Samuel conseguiu ser o enviado especial dos Associados ao Tribunal de Nuremberg, que julgou e condenou os nazistas acusados de crimes. Se não estou enganado, foi o único jornalista brasileiro lá. Qualquer repórter talentoso teria feito barba e bigode, mas Samuel fez uma cobertura medíocre. Não deixou sequer um livro sobre isso. Seu texto era pobre, muito básico, e cheio de chavões. Tenho cerca de cem exemplares, ou mais, da antiga revista O Cruzeiro, dos anos 40 e 50. Os textos assinados por ele não tinham brilho. Trabalhando com ele, na segunda fase da Última Hora e depois na Editora Três, tive certeza absoluta disso. Mas ele tinha entusiasmo, sangue de jornalista, e tremenda ousadia. E foi essa ousadia que o levou a Getúlio Vargas, depois de deposto, em 45, e vivendo recluso em sua fazenda de Itu, município gaúcho de São Borja, região missioneira, fronteira com Argentina, que fica na outra margem do rio Uruguai. Existem duas versões para o episódio, não sei qual é a verdadeira, e vou contar as duas.
Primeira versão: Samuel Wainer foi à região, não lembro para que cobertura. Usava o teco-teco (monomotor) dos Associados. Aí teve uma idéia luminosa: entrevistar Getúlio em seu exílio. Getúlio não atendia jornalistas há vários anos, só cuidava do seu gado, vivendo com extrema simplicidade em sua fazenda. Samuel mandou o piloto descer na fazenda, mentindo que o avião sofrera uma pane. Foram recebidos e hospedados por Getúlio, que acabou capitulando e deu uma entrevista. “Eu voltarei!”, foi a célebre frase, que virou manchete de O Jornal, do Rio, num tremendo furo de reportagem nacional. A frase e o furo abriram o caminho para a volta de Getúlio, agora não mais como ditador, mas como presidente constitucionalmente eleito, em 1950. Segunda versão, que era contada pelo famoso colunista político Carlos Castelo Branco: Getúlio pretendia anunciar sua volta como candidato e daria uma entrevista coletiva. Os jornalistas estavam concentrados em Porto Alegre esperando a convocação. Samuel, esperto, pegou o avião dos Associados e se mandou para São Borja, sem esperar. O resto foi como contei acima. Getúlio também não esperou, abriu o bico para ele. O episódio tornou Samuel Wainer famoso do dia para a noite. Naquele tempo, o furo jornalístico era algo extremamente valioso. Era o sonho de qualquer repórter. Imaginem, então, um furo dessa magnitude. Foi assim que Samuel Wainer se tornou amigo de Getúlio, e depois passou a freqüentar e cobrir o Palácio do Catete. Ganhou a confiança do velhinho, como era chamado o presidente, que lhe abriu os cofres do Banco do Brasil para a montagem da Última Hora. O resto é o que já contei neste blog e o que já se sabe por outras fontes.
É interessante registrar ainda que o maior rival e inimigo de Samuel foi seu contemporâneo de reportagem, Carlos Lacerda, que trocou o jornalismo pela política e foi também uma das figuras mais controvertidas (sem meio termo, amado ou odiado), da política brasileira. Samuel ganhou muito dinheiro, gastou tudo em futilidades, e morreu quase pobre, dependendo de empregos quase de favor. Foi um final melancólico. Era dócil no tratamento, conversamos algumas vezes sobre questões de trabalho, e uma contradição me intrigava nele: assim como sabia montar equipes de grande talento, escolher as pessoas certas, ele também invejava essas pessoas. Porque tinha uma personalidade muito competitiva. Foi, em tudo, um personagem realmente inusitado.
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*Milton Saldanha, 63 anos, gaúcho, torcedor do Inter, começou no jornalismo aos 17 anos, em Santa Maria (RS). Trabalhou na grande imprensa de Porto Alegre e de São Paulo. Foi da Folha da Manhã (RS), Diário do Grande ABC, Agência Estado, Estadão e JT, Rede Globo, Rádio Jovem Pan, Última Hora (com Samuel Wainer), entre vários outros veículos. Foi também assessor de imprensa da Ford, do IPT e do Conselho Regional de Economia. Tem um livro publicado, "As 3 Vidas de Jaime Arôxa"; participou de uma antologia de escritores gaúchos; um livro pronto e ainda inédito, "Periferia da História", onde conta de memória 45 anos da recente história do Brasil sob um ângulo totalmente inédito; trabalha num livro sobre Reforma Agrária. Pouco antes de se aposentar fundou o jornal Dance - http://www.jornaldance.com.br/que já tem um filhote regional em Campinas, e que neste 2009 completa 15 anos.
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*Não deixem de acompanhar, no blog desta quinta-feira, o dia em que o então garotinho Milton Saldanha esteve - totalmente deslumbrado - a um metro do presidente Getúlio Vargas, na pequena São Borja (RS) de 1953. Um ano depois Getúlio Vargas se mataria, no Catete. Não percam! (Edward de Souza)
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terça-feira, 21 de abril de 2009

FERIADO DE TIRADENTES PÁRA O BRASIL

Edward de Souza

Hoje é feriado no Brasil. É o dia dedicado a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, considerado o grande mártir da Independência do Brasil. Em respeito a essa data suspendemos nesta terça-feira a série “As Histórias das Redações de Jornais” para falarmos um pouco sobre este homem idealista e sonhador e que, influenciado pelas ideias políticas e filosóficas da Europa, se envolveu de corpo e alma na Inconfidência Mineira, movimento revoltoso ocorrido em 1789, na cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto, a favor da emancipação do Brasil da Corte Portuguesa.
Joaquim José da Silva Xavier nasceu em 1746, na fazenda do Pombal, Minas Gerais. Filho de portugueses ficou órfão aos 11 anos e foi educado pelo padrinho, que lhe ensinou noções práticas de medicina e odontologia, daí seu apelido: Tiradentes. Mas o que poucos sabem, ao contrário do que seu codinome insinua, é que o nosso herói da inconfidência não suportava arrancar dentes. Isso mesmo! Já era um adepto do que se costuma chamar, hoje em dia, de odontologia preventiva. Tiradentes era muito mais a favor de preservar os dentes do que arrancá-los. Além do mais, não se preocupava apenas com os dentes. Preocupava-se também com o resto do corpo, fazendo uso, inclusive, de plantas medicinais, um modismo típico da medicina praticada na Europa do século dezoito. Sua recusa em usar métodos terapêuticos agressivos se deve à influência exercida sobre ele pelo seu primo Frei Veloso, na época um grande botânico, que catalogou mais de 2000 plantas no Vale do Paraíba do Sul e organizou o Jardim Botânico, no Rio. Com mais de 30 anos, Tiradentes assentou praça no regimento dos Dragões de Minas Gerais, sendo nomeado pela rainha dona Maria 1º, em 1871, comandante de patrulha do Caminho Novo, estrada onde eram transportados para o Rio de Janeiro o ouro e os diamantes extraídos na capitania de Minas Gerais. Sonhador e idealista se envolveu profundamente na Inconfidência Mineira. Em 1787 pediu licença ao regimento e foi para o Rio de Janeiro, conhecendo José Álvares Maciel, recém-chegado da Europa com novas idéias políticas e filosóficas. Em 1788, retorna à Vila Rica e divulga publicamente os ideais do movimento. Depois de denunciada a conspiração por Joaquim Silvério dos Reis, em 1789, Tiradentes é preso no Rio de Janeiro. Sua sentença de morte foi lida a 18 de abril de 1789 e três dias depois foi executado em forca erguida no campo da Lampadosa, hoje Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro. Foi também decapitado e esquartejado. Sua cabeça exposta em Vila Rica e o resto do corpo pendurado em postes ao longo do caminho Novo. No período republicano, o dia 21 de abril tornou-se feriado nacional e, pela lei 4.867 de 3 de dezembro de 1865, Tiradentes foi proclamado Patrono Cívico da Nação Brasileira.
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*Edward de Souza é Jornalista e radialista. Trabalhou nos jornais, Correio Metropolitano, Folha Metropolitana, Diário do Grande ABC e O Repórter, da Região do ABC Paulista. Em São Paulo, na Folha da Tarde, Gazeta Esportiva, Sucursal de "O Globo", Diário Popular e Notícias Populares, entre outros. Atuou nas Rádios: Difusora de Franca, Brasiliense de Ribeirão Preto, Rádio Emissora ABC, Diário do Grande ABC, Clube de Santo André, Excelsior, Jovem Pan, Record, Globo–CBN e TV Globo de São Paulo. Participou de diversas antologias de contos e ensaios. Assina atualmente uma coluna no Jornal Comércio da Franca, um dos mais tradicionais do interior de São Paulo.
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segunda-feira, 20 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Milton Saldanha
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INÉDITO
Capítulo XXV
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A vingança do Cabral
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A Última Hora, fundada e dirigida por Samuel Wainer, formava uma rede nacional. Com o mesmo título, logo em azul, identidade visual e seções, até onde lembro era editada no Rio, São Paulo, Recife, Porto Alegre. Depois do golpe de 64 foi fechada e mais tarde reaberta em São Paulo. Em Porto Alegre resultou na atual Zero Hora. Fui repórter da Última Hora, nesta segunda fase, trabalhando com o Samuel Wainer, nome lendário e polêmico do jornalismo brasileiro, que colecionava tanto amigos como inimigos. Só que nessa segunda fase ele não era mais dono do jornal e sim empregado do Frias, do grupo Folha de S.Paulo, que havia adquirido o título. Naquela redação convivi diariamente com nomes notáveis: Plinio Marcos, Antonio Contente, Lourenço Diaféria, e um vasto time de antigos jornalistas com muita estrada e quilometragem percorrida. Eu estava naquela fase de transição, um bom repórter, mas ainda meio foca. Já estava no jornal quando o Samuel Wainer assumiu a direção. Lembro-me que o Otávio Frias chegou com ele na imensa e ruidosa redação, bateu palmas pedindo silêncio: “O bom filho a casa torna”, disse Frias, anunciando o novo diretor. Ali me aproximei de alguns veteranos, quase tietagem, em busca das suas histórias e experiências. Um deles era Cabral, que fumava cigarro com piteira e gostava de vestir coloridas camisas de seda. Cabral, diziam, foi uma lenda do jornalismo policial. Não sei se era verdade, mas contavam que chegou a localizar bandido em morro antes da polícia. Denunciava e ficava no local esperando a prisão para cobrir como furo. Dele contavam também o seguinte episódio:
Mulherengo, Cabral gostava de cortejar moças bonitas com belos jantares, em restaurantes sofisticados. Não tomava o cuidado de checar antes os preços, mesmo ganhando mal como todo mundo naquela época. E foi assim que levou mais uma para jantar, com direito a entrada, camarão, vinho italiano, sobremesa. Quando pediu a conta levou um susto. O preço era um absurdo, consumia boa parte do salário que ganhava num mês inteiro de trabalho. Para não dar vexame agüentou no osso. Pagou com cheque, furioso, e se retirou com sua convidada. Nos dias seguintes aquilo ficou martelando na cabeça de Cabral. Estava realmente revoltado com o absurdo da conta. “Isso não vai ficar assim”, pensou, e teve uma idéia. Chamou um contínuo da redação, prometeu-lhe uma caixinha, e pediu que fosse ao restaurante para fazer reserva de jantar para quatro pessoas. Mandava até um cheque como sinal, por garantia, e pediu ao rapaz que voltasse com a nota fiscal.
Dia seguinte, quase duas horas antes do horário previsto na reserva, requisitou uma Kombi da frota do jornal e saiu. Mandou que o motorista seguisse para os baixos de viadutos da Zona Oeste onde precariamente se abrigavam grupos de mendigos. Chegou e anunciou: “estou convidando três de vocês que queiram fazer o melhor jantar das suas vidas. É só embarcar, é tudo por minha conta”. O grupo se formou em torno da Kombi, todos queriam ir. Cabral então selecionou os três privilegiados, procurando entre eles os mais feios, esfarrapados e mal-cheirosos. O restaurante, naquele horário, já tinha bom movimento e a mesa de Cabral estava prontinha, com cartão de “reservada”. Quando ele entrou com seus convidados foi um choque geral. Silêncio. Garfos e facas pousaram silenciosos nas mesas. Olhares incrédulos de todos os lados. Cabral acomodou-se com os mendigos e pediu o cardápio para os pedidos. O dono, ou gerente, surgiu do nada: “O que o senhor está fazendo? Não pode ficar aqui com essas pessoas. Vou chamar a polícia”. E Cabral: “Isso, chama a polícia, é isso que eu quero, escândalo. Vou chamar também meus colegas dos jornais. Discriminação racial e social é crime. Estes senhores são meus convidados, cidadãos como qualquer brasileiro, e parte do jantar já está até paga, está aqui a nota fiscal”.
Nesse meio tempo, vendo a encrenca armada, e não agüentando o odor que se espalhou pelo recinto, mais da metade dos clientes já se retirava, uns rindo, outros furiosos. O gerente capitulou. Mandou servir, postando-se de braços cruzados e cara amarrada a alguns metros da mesa. O jantar foi uma cena dantesca, de bocas abertas desdentadas mastigando vorazes, líquidos e babas escorrendo pelos cantos dos lábios, mãos imundas avançando sobre copos e travessas cintilantes. Os garçons ficaram num grupo à distância, alguns usando lenço para tampar o nariz, outros de costas para a mesa, repugnados. E Cabral recostado na cadeira, fumando com sua piteira, sorrindo, feliz.
Quando terminaram, fartos, e sozinhos na casa, o gerente se aproximou. “Senhor Cabral, pelo amor de Deus, nunca mais faça isso de novo. O senhor pode nos arruinar. Só hoje perdi vários clientes. Mas a conta está certa, o senhor não precisa pagar mais nada. Volte quando quiser, traga sua noiva, será convidado da casa”.
“Jamais – replicou Cabral – vocês me roubaram descaradamente da outra vez e agora dei o troco. Estamos quites. Agora fique tranqüilo, nunca mais pisarei nesta casa”.
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*Milton Saldanha, 63 anos, gaúcho, torcedor do Inter, começou no jornalismo aos 17 anos, em Santa Maria (RS). Trabalhou na grande imprensa de Porto Alegre e de São Paulo. Foi da Folha da Manhã (RS), Diário do Grande ABC, Agência Estado, Estadão e JT, Rede Globo, Rádio Jovem Pan, Última Hora (com Samuel Wainer), entre vários outros veículos. Foi também assessor de imprensa da Ford, do IPT e do Conselho Regional de Economia. Tem um livro publicado, "As 3 Vidas de Jaime Arôxa"; participou de uma antologia de escritores gaúchos; um livro pronto e ainda inédito, "Periferia da História", onde conta de memória 45 anos da recente história do Brasil sob um ângulo totalmente inédito; trabalha num livro sobre Reforma Agrária. Pouco antes de se aposentar fundou o jornal Dance - http://www.jornaldance.com.br/
– que já tem um filhote regional em Campinas, e que neste 2009 completa 15 anos.
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NR: Prezados amigos e amigas. Com pouco mais de três meses, o sucesso deste blog pode ser constatado pelo número de visitas (mais de 22 mil) e de comentários, chegando próximo a 50 em determinados artigos, como esses dois últimos escritos pelos jornalistas J. Morgado e Oswaldo Lavrado. Nossa intenção era deixar livre os comentários para que todos pudessem ler e interagir. No entanto, caso excessos cometidos continuem, seremos obrigados a monitorar os comentários. Recebi vários e-mails de pessoas reclamando e sentindo-se ofendidas. Algumas não entendendo a brincadeira que criamos ao nomear Francisco Heitor como “coordenador” do blog. Heitor, na verdade, nunca teve a intenção de ofender ninguém e acompanhamos todas as suas intervenções, mas sim de brincar com alguns erros cometidos pelos participantes do blog. Fica suspensa sua função, pelo fato de ter sido mal entendido. Quanto ao padre, ou a pessoa que se faz passar por ele, não conhecemos. Pedimos paciência entre todos, afinal, também acompanhei suas participações no blog e nada vi que pudesse ofender ou prejudicar ninguém. Vamos tentar deixar livre, por 48 horas, os comentários. Caso abusos persistam, iremos monitorá-los e só publicaremos os que estejam de acordo com a seriedade e respeito necessários para a continuidade desse blog. Grato!
Edward de Souza
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sábado, 18 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Oswaldo Lavrado

O MUNDO PAROU
Capítulo XXIV

INCÊNDIO NO EDIFÍCIO JOELMA

No dia 1º de fevereiro de 1974, uma sexta-feira, portanto, há 35 anos, o Brasil foi abalado por uma das maiores tragédias da história. O edifício Joelma, um dos maiores do país, localizado na Praça da Bandeira, na região central de São Paulo, ardia em chamas. 756 pessoas distribuíam-se pelos 25 andares do prédio. Um curto circuito em uma sala do 12º andar, iniciado por volta das 8 horas da manhã, deixaria o trágico saldo de 179 mortos e 300 feridos.O incêndio, não poderia ser diferente, mobilizou bombeiros, polícia, médicos, ambulâncias, imprensa e curiosos, muitos curiosos. Praticamente todos os veículos de comunicação da Grande São Paulo lá estavam e, claro, o Diário do Grande ABC também. A época, por absoluta falta de estrutura e de verba, quase nenhuma emissora ou jornal utilizava helicópteros e, assim, um batalhão de jornalistas de aglomerava diante do prédio em chamas. Como eu fazia parte da equipe de esportes do Diário, a tragédia do Joelma, então, não estava na minha praia. No entanto, como era um dos poucos repórteres que estava na redação às 8h da manhã, recebi ordem para largar minha pauta esportiva e ir para o Joelma. Lá já se encontravam pelo menos mais três ou quatro jornalistas e fotógrafos do Diário. Embora relutasse, a ordem do José Louzeiro (ele de novo) foi taxativa: "Vá e não discuta".
Numa Kombi em frangalhos - foi a condução que sobrou na redação – saímos para o local da tragédia, eu, o motorista Martins e o fotógrafo Antônio Carvalho, apelidado pelo João Colovatti de “Toninho Vitamina”, uma gozação, graças ao seu físico esquelético. No caminho para São Paulo disse ao fotógrafo: "Que diabos vou fazer lá se o local já está cheio de repórteres, inclusive do Diário?". No rádio da Kombi (funcionava, ufa), ouvi a notícia que vários helicópteros de empresas particulares sobrevoavam o prédio sinistrado, inclusive um da Pirelli, cuja sede administrativa era na Rua Barão de Piracicaba, em São Paulo, e a fábrica em Santo André. Dizia o repórter, que o piloto da aeronave e um engenheiro da Pirelli, ajudavam as pessoas no prédio em chamas. Então, o Antonio Carvalho sugeriu: “Lavrado, porque não vamos até a fábrica da Pirelli e você entrevista o piloto e o engenheiro?". Bingooo. Estávamos na Avenida Goiás, em São Caetano, e pedi ao motorista que desse meia volta e rumamos para a fábrica de pneus, em Santo André.
Já na fábrica, fui apresentado ao piloto e ao engenheiro, um italiano que não falava nem entendia uma só palavra em português. Mas não era ele que me interessava. Expliquei ao comandante do helicóptero o que queria e deixei-o falar, enquanto o habilidoso “Toninho Vitamina” procurava os melhores lances para as fotos. O piloto - cujo nome não me recordo, afinal são exatos 35 anos - disse que sobrevoava a cidade com destino a Santo André quando soube do incêndio no Joelma. Conduziu o helicóptero para lá e viu, no topo do prédio, uma dezena de pessoas gesticulando desesperadamente por ajuda. O piloto retornou à sede da Pirelli, encheu a aeronave com saquinhos de leite (à época ainda não havia embalagem longa vida) e, há poucos metros do prédio, atirava os saquinhos aos que estavam na laje. O objetivo, segundo o piloto, era que o pessoal ingerisse o leite para evitar a intoxicação provocada pela fumaça. Outro detalhe contado pelo piloto; ele não poderia se aproximar muito das pessoas porque, no desespero, alguns tentariam se agarrar nas hastes e, com o peso, derrubar a aeronave, aumentando a tragédia. Então, decidiram jogar o leite. Aí entra o inusitado: as pessoas se degladiavam para pegar os saquinhos - não havia leite suficiente para a quantidade de gente que estava no teto - e os que conseguiam pegar um, ao invés de beberem o leite, espalhavam o líquido pelo corpo na tentativa de aplacar o calor provocado pela fumaça e pelas chamas que se aproximavam. Segundo o piloto, o helicóptero da Pirelli fez umas cinco viagens com o leite. Não se sabe, ao certo, quantas pessoas que estavam no topo do prédio morreram ou se salvaram. No dia seguinte, todos os jornais estampavam em manchete o incêndio e suas consequências. As notícias, no entanto, eram praticamente iguais, com poucas variações. O Diário do Grande ABC, porém, mostrava o outro lado da tragédia, que inclusive mereceu, alguns dias depois, reprodução no Estadão e uma reunião da diretoria do Diário para analisar o trabalho da equipe. A matéria, menos de um quarto de página, recebeu rasgados elogios do então presidente do Diário, Edson Danilo Dotto, que inclusive destacou o nosso trabalho e do fotógrafo Antonio Carvalho.
Embora com quase dois anos e meio no Diário, na época da tragédia, este jornalista poderia, talvez, não ser mais considerado um foquinha, mas era neófito em matérias alheias ao esporte. No entanto, a convivência cotidiana com mestres, tipo José Louzeiro, Édison Motta, Josué Dias, Alessandar Jovanovic, Hermano Pini Filho, Ademir Médici, Daniel Lima, Renato Campos, João Colovatti e Juliano Morgado, entre outros, deram o impulso necessário ao repórter esportivo para ciscar com determinação em seara alheia.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista e radialista. Trabalhou no Diário do Grande ABC, rádio e jornal, e atualmente é editor do semanário Folha do ABC.
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sexta-feira, 17 de abril de 2009

A QUESTÃO: CONCEDER OU NÃO CONCEDER

J. Morgado

O exemplo dos pais pode moldar o caráter dos filhos e os preparar para a vida. A renúncia de determinados vícios materiais - fumo, álcool, etc. - e morais, como o orgulho excessivo, consumismo exagerado e o acréscimo de um comportamento social educativo, certamente conduzirá a criança para um futuro bem melhor do que está acontecendo nos dias de hoje. A criança bem direcionada será o homem responsável amanhã!
Abrindo o Evangelho Segundo o Espiritismo meus olhos se detiveram no Capítulo XXVIII - Coletânea de Preces Espíritas – subtítulo: Nas aflições da vida – item 26 Prefácio. “É lícito pedir a Deus os favores terrestres, e Ele poderá concedê-los quando tenham um fim útil e sério; mas como nós julgamos a utilidade das coisas sob o nosso ponto de vista e a nossa visão se limita ao presente, nem sempre nos apercebemos do lado mau daquilo que almejamos”. A lição continua.
Em todos os tempos, há exemplos de pais zelosos que concedem a seus filhos tudo o que pedem. Seria essa uma educação para uma existência útil e evolutiva? A história, as crônicas e a mídia atual nos mostram o contrário. Tive a oportunidade de presenciar jovens ricos que nada lhes faltava e, buscando alternativas para preencher o vazio em seu interior, desafiavam as leis e a moral, roubando veículos, furtando simples calotas ou emblemas de veículos de luxo para fazerem coleção e se vangloriarem disso. A droga, o sexo desvairado, a violência, o vandalismo são válvulas de escape para espíritos conturbados. Vez ou outra um homicídio envolvendo jovens de ambos os sexos escandalizam a sociedade. Quais seriam os motivos? Não que isso não ocorra com adolescentes de outras categorias econômico-sociais, mas isso poderia ser levado à conta da ansiedade pela aquisição de bens de consumo, longe do poder de adquiri-los legalmente. Nós, espíritas, que estudamos a Doutrina, sabemos muito bem quais são as causas de tudo isso. Mas a sociedade ainda materialista se deixa levar pela Porta Larga e o resultado é o sofrimento na matéria e do espírito. A experiência nos mostra que filhos mimados em excesso, que tenham suas vontades realizadas sejam elas quais forem, acabam se tornando tímidos demais ou violentos; exceções confirmam a regra. A indiferença e o preconceito é uma marca registrada nesses jovens que não tiveram uma educação adequada. O trabalho, o ensino, a disciplina e o exemplo dos pais moldam o caráter dos filhos e os preparam para uma vida útil e dignificante. Cada ser humano antes de reencarnar recebe orientação de como deverá se comportar quando na carne. Seu esquecimento do passado é uma dádiva de Deus para que o amor seja a rota segura rumo à perfeição. Porém, o livre-arbítrio é respeitado e cabe a cada ser vivente discernir entre o bem e o mal, entre a Porta Estreita e a Porta Larga (Capítulo XVIII, item 3 – Evangelho Segundo o Espiritismo).
Verifica-se nos dias de hoje psicólogos, educadores e demais especialistas em educação infantil mostrarem métodos para a educação de crianças. Há muita divergência entre eles sobre quais seriam os métodos. Uma coisa, porém é clara: a violência jamais deverá ser empregada, seja ela física, moral, ou psicológica. Este articulista não tem a pretensão de mostrar nenhuma fórmula mágica para educação infantil, mas acredita que o amor, a religião e a disciplina sejam os ingredientes para uma boa orientação. O hábito para uma leitura sadia e adequada para cada etapa de vida da criança é muito importante.
Lembro-me quando fazia o primário minha professora me orientava para ler livros sobre contos de fadas. Assim, Os mais belos Contos de Fadas irlandeses, ingleses, russos, etc., junto com outros de fábulas, embalaram minha meninice. Um pouco mais tarde, fui orientado para a biblioteca infanto-juvenil: Julio Verne, Alexandre Dumas, Monteiro Lobato com sua Mitologia Grega Para Crianças, etc. Naquela época não havia televisão, vão dizer alguns que lerem este artigo; e eu digo, havia o rádio com o “Homem Pássaro”, “Jerônimo Herói do Sertão” e outros programas infantis tão a gosto da molecada de então. Enfim, o que acontece hoje, é o conceder por conveniência. Eu concedo e ela (a criança) me deixa em paz; ou ainda a concessão por orgulho: meu filho (ou filha) não pode deixar de ter tal objeto ou frequentar tal lugar, ou então, ele não pode ser tratado desta ou daquela maneira...
Continuando a lição que deu início a este artigo, “Deus, que melhor vê, e não quer senão o nosso bem, pode recusar, como um pai nega ao filho o que pode ser nocivo”. Assim, Deus, infinitamente Bom, pode ou não recusar o que pedimos uma vez que sabe exatamente o que somos, o que fizemos e o que faremos se atender este ou aquela rogativa. Os pais carnais, conhecendo o mundo que o cerca e suas realidades (têm a obrigação de conhecer) são os guias morais de seus filhos e assumiram ainda na erraticidade o compromisso de cumprirem essa missão. Negar o que for nocivo é um ato de amor e não um ato despótico. .
Para encerrar, vou transcrever alguns tópicos de uma página de EMMANUEL, psicografada por Francisco Candido Xavier, que tem o título “Jovens”, inserida no livro Religião dos Espíritos, edição FEB/1988.
“No estudo das idéias inatas, pensemos nos jovens, que somam às tendências do passado as experiências recém-adquiridas”.
“Com exceção daqueles que renasceram submetidos à observação da patologia mental, todos vieram da estação infantil para desempenho de nobre destino”.
“Entretanto, quantas ansiedades e quantas flagelações quase todos padecem, antes de se firmarem no porto seguro do dever a cumprir!...”
“Ao mapa de orientação respeitável que trazem das Esferas Superiores, a transparecer-lhes do sentimento, na forma de entusiasmos e sonhos juvenis, misturam-se as deformações da realidade terrestre que neles espera a redenção do futuro”.
“Muitos saem da meninice moralmente mutilados pelas mãos mercenárias a que foram confiados no berço, e outros tantos acordam no labirinto dos exemplos lamentáveis, partidos daqueles mesmos de quem contavam colher as diretrizes do aprimoramento interior”.
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*J. Morgado é Jornalista e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. Morgado escreve quinzenalmente neste blog, sempre às sextas-feiras. E-mails sobre esse artigo podem ser postados no blog ou enviados para o autor, nesse endereço eletrônico: jgacelan@uol.com.br
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quinta-feira, 16 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Milton Saldanha
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Inédito
Parte XXIII
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Deu no Correio do Povo!
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O Correio do Povo, nos velhos tempos, era o Estadão também dos velhos tempos lá no Rio Grande do Sul. Jornal sisudo, pesadão, que desprezava o acidente de trânsito ali da esquina, mas não deixava de dar uma manchete internacional, principalmente tendo como procedência Washington. O velho Correio era pesado até no tamanho, aos domingos vinha com imensos cadernos de classificados, e era um dos raros diários gaúchos em tamanho standard. Os demais (Zero Hora, Folha da Tarde, Folha da Manhã) eram tablóides. Fui repórter da Folha da Manhã e colaborador do Correio, que era do mesmo grupo, a Caldas Júnior, pertencente ao então homem mais rico e poderoso do Rio Grande do Sul, Breno Caldas, que morreu no ostracismo e sem ostentar os dois títulos.
Com fama de sóbrio e sério, o Correio era retrato e voz da oligarquia rural gaúcha. Tudo ali tinha que ser dentro dos padrões mais formais do jornalismo. O máximo de irreverência que se permitia eram as charges nas páginas de editoriais e política, e mesmo assim sempre comedidas. Quando alguém comentava algo e queria revestir o tema de credibilidade, dizia: “Deu no Correio do Povo!”
Com esse perfil ultraconservador, todo certinho e bem ao gosto da velha aristocracia pecuarista, um erro grave no Correio tinha sempre forte repercussão. Ou se tornava realmente hilariante, mais do que em qualquer outro jornal, como foi o caso que vou contar agora.
Deve ter sido entre 1965 e 1967, se não estou enganado. Lamento até hoje não ter guardado a página. Os jornais de então tinham um processo industrial longo, moroso e complicado. Os textos, depois de datilografados, eram copiados em imensas máquinas, as linotipos. As fotos, depois de reveladas e ampliadas, eram transformadas em clichês. O clichê era uma chapinha metálica com a imagem em relevo e invertida, colada a um taco de madeira para dar encaixe na paginação também metálica, copiada do diagrama em papel, com as medidas e demais informações gráficas. Duas fotos de mesmo tamanho, na mesma página, corriam sério risco de saírem trocadas. Para fugir deste e outros erros era feita uma prova de página, para checagem final do secretário gráfico, antes da impressão definitiva. Havia mais coisas no processo, mas em resumo era isso.
Ali ao lado de Porto Alegre existe a cidade de Esteio, com um parque de exposições famoso, para animais. O jornal mandou cobrir o último dia de uma exposição de suínos. Havia um concurso, do mais belo suíno. Bateram a foto do campeão, um tremendo porcão, parecia uma bola preta, ostentando pendurada no pescoço a medalha. A matéria foi editada, com a entrevista do feliz criador, tudo certinho. E a legenda: “Belo exemplar de suíno, campeão da feira de Esteio”.
Na mesma página, na contracapa do jornal, estava também a cobertura da chegada em Porto Alegre de um grande empresário paulista que estava fazendo investimentos no Estado. A foto era do homem caminhando no saguão do aeroporto, cercado de puxa sacos, com a legenda: “O empresário Fulano de Tal quando chegava ao Aeroporto Salgado Filho”. Bem, acho que nem preciso contar mais: trocaram as fotos! O secretário gráfico comeu bola e deixou passar. O jornal foi para as ruas com a hilariante gafe. E nem dava para corrigir. Seria bem pior dizer no dia seguinte que o empresário não era aquele belo exemplar de suíno.
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*Milton Saldanha, 63 anos, gaúcho, torcedor do Inter, começou no jornalismo aos 17 anos, em Santa Maria (RS). Trabalhou na grande imprensa de Porto Alegre e de São Paulo. Foi da Folha da Manhã (RS), Diário do Grande ABC, Agência Estado, Estadão e JT, Rede Globo, Rádio Jovem Pan, Última Hora (com Samuel Wainer), entre vários outros veículos. Foi também assessor de imprensa da Ford, do IPT e do Conselho Regional de Economia. Tem um livro publicado, "As 3 Vidas de Jaime Arôxa"; participou de uma antologia de escritores gaúchos; um livro pronto e ainda inédito, "Periferia da História", onde conta de memória 45 anos da recente história do Brasil sob um ângulo totalmente inédito; trabalha num livro sobre Reforma Agrária. Pouco antes de se aposentar fundou o jornal Dance -
www.jornaldance.com.br - que já tem um filhote regional em Campinas, e que neste 2009 completa 15 anos.
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J. Morgado escreve nesta sexta-feira artigo especial. O jornalista mostra que trabalho, ensino, disciplina e o exemplo dos pais moldam o caráter dos filhos e os preparam para uma vida útil e dignificante. Edward de Souza vai contar na próxima segunda-feira, o caso de uma foquinha de jornalismo, enviada para cobrir estranhos acontecimentos que ocorriam numa moradia da Vila Luzita, em Santo André. Brincadeira de mau gosto, tensão, pavor e a fuga da repórter, que ficou só de calcinha. Não percam esse capítulo inédito.
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