domingo, 13 de junho de 2010

TORCER CONTRA O SEU PRÓPRIO PAÍS?

ISSO JÁ ACONTECEU NA
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AMÉRICA DO SUL

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Políticos, de todas as correntes, no mundo todo, em todos os tempos, sempre procuraram tirar proveito dos esportes para seus objetivos, principalmente de promoção pessoal. Eles não suam a camisa, mas pegam carona no sucesso dos atletas, dividindo e até assumindo as glórias como se tivessem sido decisivos para isso. Não espanta, portanto, que a Seleção Brasileira, tanto na ida como na volta (nesta última em caso de vitória) tenha que passar por Brasília para o beija mão do presidente, na rampa do Palácio do Planalto. Não pensem os jovens que isso é novidade do Lula. Todos os presidentes, em todas as Copas, exigiram isso.
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Durante as ditaduras militares no Brasil e na Argentina isso chegou a extremos insuportáveis. Aqui, tivemos um técnico que durou pouco no cargo. Foi o jornalista, que já morreu, João Saldanha (primo em segundo grau da minha mãe, da cidade de Caçapava do Sul (RS) e ex-colega de redação em O Globo (Rio) e amigo do meu irmão, Rubem Mauro (que já escreveu com sucesso aqui no blog). João Saldanha era comunista assumido, de carteirinha, e nem sei em que circunstâncias foi colocado no posto de técnico da nossa Seleção em plena ditadura, governo Emílio Médici. O Médici, gaúcho de Bagé, era torcedor do Inter (oh azar!) e inventou que o Dadá Maravilha tinha que ser escalado. Saldanha respondeu, pela imprensa: “O presidente escala o ministério dele. A Seleção escalo eu”. Furioso, o ditador deu ordens para a demissão sumária de Saldanha. E Médici acabou escalando a Seleção, como desejava. Na ditadura eles podiam tudo, e mais um pouco.
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Pouca gente hoje lembra, mas nas Copas de 1970 (no México) e 1974 (na Alemanha, onde eu estava), muitos brasileiros e argentinos torceram contra seus próprios países. Alguns abertamente, outros de forma velada, como foi meu caso, porque tinha que fazer meu trabalho como jornalista. Sei que hoje fica muito difícil para as novas gerações o entendimento disso. Fica difícil também para quem é daquele tempo, mas vivia alienado. As práticas das ditaduras e o combate a elas levaram Brasil e Argentina a radicalismos extremos. As duas ditaduras buscaram no futebol a capitalização da simpatia que lhes faltava nas ruas. Foi tão agressiva a apropriação do futebol pelos tiranos, incluindo-se nisso hinos ufanistas, que não sobrou alternativa aos opositores, tanto armados como pacifistas: a vitória dessas seleções seria prejudicial às lutas pela redemocratização do Cone Sul. Porque a vitória nas Copas, tanto no Brasil como na Argentina, se inseria numa estratégia de manipulação das massas, que passariam a ser conduzidas, além da força, também pela ilusão e fantasia.
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Não era fácil. Desejar a derrota do seu time de futebol exigia um esforço supremo e luta contra seus sentimentos mais naturais. Contudo, era necessário. O que é preciso entender é que o país não vivia a normalidade. Não havia eleições; a censura à imprensa imperava de forma abusiva e autoritária; as garantias individuais, inclusive o instituto do Habeas-Corpus, estavam canceladas. A polícia política podia até invadir domicílios e instituições privadas sem mandado judicial. As pessoas, com ou sem culpa provada, como foi meu caso e do meu irmão, também jornalista e escritor, eram presas e mantidas incomunicáveis. Tudo era controlado, até os inquilinos dos prédios, que tinham que preencher fichinhas distribuídas e examinadas pelo Deops.
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Resumindo: a gente vivia num estado de guerra interna, com fortes reflexos e consequências também internacionais. Aceitar o futebol a serviço da ditadura seria avalizar sua ilegitimidade. Nada se podia fazer contra isso. A única alternativa era desejar que seus objetivos não fossem alcançados. Usando o futebol como fenômeno catalisador de apoio popular, a vitória no mundial era de vital importância para os regimes autoritários. Não foi diferente também no Chile, durante o tenebroso período Pinochet. Lá, do mesmo modo, muitos chilenos de índole democrática foram induzidos a torcer contra seu próprio time nacional.
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No Brasil, até onde se sabe, isso nunca ultrapassou os limites dos gramados dos estádios. Na Argentina foi diferente. Querendo a Copa do Mundo a qualquer preço, a ditadura então lá vigente, em 1978, financiou o escândalo da compra dos juízes e de todo o time do Peru, que a Argentina tinha que vencer de goleada para garantir sua classificação. Aquele jogo, que assisti inteiro e sem acreditar que pudesse ser verdade, chamar de escândalo foi muito pouco. Se a Fifa fosse uma entidade séria teria cassado aquele título da Argentina.
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Hoje, com todos os defeitos do nosso governo, que não são poucos, jamais alguém poderá afirmar que não vivemos numa democracia plena. Ufa, podemos torcer pela nossa Seleção sabendo que isso será bom para elevar a auto-estima do povo, com reflexos naturais até na Economia, como já é comprovado por índices do IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Torcer felizes e de consciência tranquila, ainda que alguma exploração política seja inevitável. Melhor será, pelo menos, para os nossos corações, sem saudades desse passado tão recente e tão triste. Só que não sentir saudades é diferente de esquecer. A História não pode ser apagada. Suas lições, de alguma forma, sempre ajudam o mundo a ser melhor.
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*Milton Saldanha é jornalista e escritor.
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Resultados deste domingo (13/06/2010) na Copa da África do Sul. Confira os três jogos, com destaque para a goleada da Alemanha, a primeira do Mundial:
Eslovênia 1 x Argélia 0
Gana 1 x Sérvia 0
Alemanha 4 x Austrália 0
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