terça-feira, 7 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

INÉDITO
PARTE XVIII
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SÉRIE
“TRAPALHADAS DE UM FOCA”
CAPÍTULO V
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Foca "mata" cinco
para ganhar manchete
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Oswaldo Lavrado
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É inegável que uma redação de jornal já teve muito mais charme, hoje perdeu boa parte de sua "aura". Mas, um jornal sempre precisará de bons repórteres, que saibam apurar e escrever com talento. Todo jornalismo se propõe a investigar, e uma das qualidades que caracteriza um bom repórter é este sexto sentido, aliado a uma boa dose de ceticismo. Ele não sabe, não crê, e são suas dúvidas que vão levá-lo a ter sucesso na apuração, ou então fracassar e receber o desprezo da chefia do jornal, exatamente o caso relatado nesta terça-feira pelo jornalista e radialista Oswaldo Lavrado, que tira do fundo do baú esse relato envolvendo um principiante no jornalismo, ou foca, como é mais conhecido, de nome Mazolla. Acompanhem o relato de Lavrado ao blog.
Começo dos anos 70, o Dersa - Desenvolvimento Rodoviário S.A. - construía a primeira pista da Rodovia dos Imigrantes, que liga São Paulo ao Litoral, passando por Diadema e São Bernardo. Uma noite fria de sábado, apenas dois repórteres estavam de plantão no Diário do Grande ABC. Eu (Lavrado), que aguardava os resultados dos jogos de futebol da noite para preencher 40 linhas da página de esportes e o Mazolla, repórter da editoria de polícia, comandada então pelo Renato Campos. O Mazolla era mesmo o que se poderia chamar de foca, já que havia entrado no Diário há poucos dias e nunca tinha trabalhado em outro veículo de comunicação. Por volta das 23h, ele recebe a informação que um dos viadutos (aqueles enormes) em construção na Imigrantes havia desabado. Rápido, acordou o Zé Natal, motorista que cochilava no terraço da casinha, então redação do Diário, e acionou o fotógrafo, que não era outro senão o nosso glorioso João Colovatti. Aboletados no fusca do Diário, os três rumaram para o trecho do acidente na Imigrantes, que fica em São Bernardo. No local, bombeiros, ambulâncias, médicos, polícia, outros trabalhadores da obra e grande volume de entulho do viaduto desabado. Sem muita experiência como repórter, Mazolla perguntou para um “peão” da obra quantas pessoas estavam sob os escombros: "olha moço, acho que morreram uns 10", respondeu o operário sem muita convicção. Colovatti estava ocupado em registrar os "melhores" lances com sua potente Nikon. Sem encontrar nenhum corpo, o matreiro fotógrafo imaginou que se 10 pessoas tivessem morrido, como supunha o Mazolla, os corpos deveriam estar no IML de São Bernardo, já que o trecho acidentado fica no município.
A mando do Colovatti, os três partiram para o IML na Vila Euclides, região central da cidade. Quase uma hora da manhã, apenas uma luz na guarita indicava que havia alguém no IML. Colovatti chamou o vigia que foi até o grande portão. "Por favor, disse Colovatti, chegaram aqui alguns corpos do acidente da Imigrantes?". O vigilante, sonolento, respondeu: “Olha moço, hoje só chegou o corpo de um rapaz esfaqueado no Baeta Neves (bairro de São Bernardo)". Colovatti não acreditou e tentou entrar no IML. Assustado com a parafernália do fotógrafo, principalmente com a Nikon que mais parecia um canhão portátil, o guarda se afastou um pouco e ameaçou: "aqui ninguém entra e se insistir sou obrigado a atirar no senhor", mostrando um revólver calibre 38. Sem alternativa, os três - Zé Natal, Mazolla e Colovatti - retornaram ao Diário, cuja edição de domingo estava para ser concluída. Na redação, Mazolla redigiu, na velha Olivetti, 50 linhas sobre o assunto em questão e correu para a oficina. Chamou o chefe e determinou: "minha reportagem será a manchete da primeira página", e assim foi. Eu já havia encerrado meu plantão e sai com o Colovatti, o Mazolla e o Zé Natal a procura do primeiro boteco aberto na avenida D. Pedro II. Já era madrugada de domingo e ninguém é de ferro. O assunto, até porque o Mazolla não deixava ser outro, foi o acidente e a matéria sobre a queda do viaduto. Mazolla, que como eu residia em São Caetano, foi pra casa, orgulhoso de sua primeira manchete no Diário.
No dia seguinte, domingo, de fato o Diário estampou na primeira página: “Queda de viaduto na Imigrantes deixa 5 mortos”. Receoso que o número fornecido pelo trabalhador da obra não era confiável, o repórter foquinha optou por uma média imaginária e colocou 5 mortos, no chute, como chamamos um texto forçado.
Na segunda-feira, Mazolla chegou de peito estufado para seu trabalho no Diário. Assim que colocou os pés na redação foi informado pela jovem da recepção que deveria ir urgente à sala do José Louzeiro, então chefe de redação do Diário. Certo que receberia fartos elogios do chefão, Mazolla pra lá se dirigiu. Faiscando pelas ventas, Louzeiro recebeu o repórter com um caminhão de pedras nas mãos. "O senhor viu o que fez, leia os outros jornais," fuzilou. Em seguida atirou na direção do trêmulo repórter dois dos principais jornais de São Paulo e do Brasil. Eram essas as manchetes. Estadão: ”Desabamento de viaduto na Imigrantes deixa um morto." Folha de São Paulo: “Viaduto desaba na Imigrantes e mata um." Mazolla, que não havia lido jornais no domingo, a não ser o Diário do Grande ABC, estremeceu. No dia anterior, domingo, fez a festa, mostrando orgulhoso a manchete do Diário, com seu nome estampado abaixo do título, para a esposa e amigos do bairro. Na frente do irado José Louzeiro, com os jornais de São Paulo nas mãos desmentindo sua matéria, estava pálido e não sabia como se safar da situação constrangedora. Antes de sair da sala do chefe recebeu outra incumbência, digna do irritado, mas também gozador chefe de reportagem do jornal. Com o dedo em riste, Louzeiro determinou: "Olha, "sêo" Mazolla, como o jornal não desmente suas notícias, ainda mais uma manchete de domingo, o senhor volte ao local do acidente na Imigrantes e mate pelo menos mais 4 pessoas, para justificar sua brilhante manchete". Renato Campos, que chegava à redação nesse momento, foi quem aliviou a situação do Mazolla que, em verdade, não ficou muito tempo no Diário. Dizem que fez um curso de educação física e foi trabalhar nessa área em um clube esportivo do ABC.
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Oswaldo Lavrado é jornalista e radialista. Comandou durante anos a famosa equipe esportiva “Os craques do rádio”, da extinta Rádio Diário do Grande ABC. Atualmente assina uma coluna esportiva no Jornal Folha do ABC, de São Bernardo do Campo.
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Édison Motta participa nesta terça-feira, às 20 horas, do Programa Show+, veiculado pela Rede TV + (canal 8 na TV a Cabo). O jornalista falará sobre a cidade de Santo André, traçando perfis históricos e atuais da cidade, numa espécie de homenagem que o programa deseja prestar ao município pelos 456 anos de fundação, completados amanhã, quarta-feira. Não percam.
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Edward de Souza.