quarta-feira, 15 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

INÉDITO
PARTE XXII
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SÉRIE
“TRAPALHADAS DE UM FOCA”
CAPÍTULO IX
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Editor “mata” para não assumir erro
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Édison Motta
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No jornalismo, sempre houve focas e sempre haverá. Elas dão colorido especial às redações. Com sua insegurança, aprendem com os próprios erros e também com os erros dos outros. Há, também, situações em que a “foquice” é cometida por veteranos. Nesses casos, nem sempre as derrapagens são assumidas por quem as pratica. Muitas vezes acabam acobertadas pelas estruturas internas de poder ou, o que é mais grave, estampadas nas páginas dos jornais como se fossem verdades. Não presenciei, pessoalmente, a história que agora vou contar. Mas ficou famosa, no Diário do Grande ABC dos primórdios dos anos setenta. José Louzeiro, depois renomado escritor, havia assumido o comando da redação há pouco tempo. Eu trabalhava na Folha de S.Paulo exatamente ocupando a vaga que fora deixada e indicada por ele. Contaram-me os colegas que certa manhã chegou à redação do Diário, aos prantos, uma senhora de meia idade com uma grave reclamação: o jornal daquele dia estampava noticia policial dando conta de que seu marido havia falecido num grave acidente de automóvel. De fato, houve o acidente. O marido saiu gravemente ferido, mas não morreu. Encontrava-se hospitalizado. A notícia de sua morte provocou uma convulsão na família e amigos. A senhora reclamava que verdadeira procissão dirigiu-se à sua residência. Tencionava que o jornal corrigisse a notícia para evitar maiores incômodos para todos. Naqueles tempos não era hábito dos jornais corrigirem notícias. Passavam a impressão de perfeição. Até hoje, o saudável hábito de ser fiel aos acontecimentos não é tão comum. Vira e mexe deparamos com notícias que não se confirmam depois, com o correr dos fatos. Como recentemente foi comentado, aqui no blog, quando uma apresentadora da Rede Globo “chutou”, na notícia de um acidente, número significativamente maior de mortos do que havia acontecido. E a TV não consertou o equívoco. Na mídia eletrônica é mais fácil corrigir erros. O telespectador ou o ouvinte leva em consideração que os primeiros informes carecem de maior apuração. Na mídia impressa é mais grave: depois de publicada, a notícia somente poderá ser consertada na edição seguinte. Naquela manhã, a única secretária que atendia toda a redação chamava-se Nanci. Ouviu a reclamação da senhora e foi até Louzeiro intercedendo para que ele atendesse a mulher. Louzeiro deu um “chá de cadeira” na coitada, que ficou ali, sentada ao lado da secretária, por um longo tempo. Aquele não era, efetivamente, um bom dia para o chefão. Quem com ele conviveu sabe de seu carinho, especialmente para com os focas, e a atenção que costumava dar às pessoas. Porém, por algum motivo até hoje desconhecido, seu costumeiro humor não o acompanhava naquela manhã. Provavelmente, o secretário de redação esperava que a mulher desistisse da intenção de corrigir a notícia. Qual nada: a mulher não arredou pé. Passados muitos minutos e após várias intervenções da secretária, Louzeiro resolveu atender a mulher ali mesmo onde se encontrava, ao lado das mesas dos diagramadores, enquanto editava matérias para o jornal do dia seguinte.
- Senhora: qual foi o jornal que publicou a notícia de que seu marido está morto? perguntou Louzeiro, com cara de poucos amigos.
- Foi esse aqui mesmo, o Diário! Disse a chorosa mulher.
- Esse aqui, o Diário do Grande ABC? retrucou Louzeiro.
- Isso mesmo, este jornal, respondeu a mulher quase impaciente.
- Pois vou lhe dizer uma coisa, minha senhora: este jornal não erra! Se está escrito que seu marido morreu no acidente, então ele morreu. Meus sentimentos, a senhora agora é uma viúva! E encerrou o assunto. Dizem que a mulher foi embora mais atordoada do que chegou. Não se tem notícia a respeito do que aconteceu depois. Sabe-se que o jornal e o jornalista não sofreram nenhum processo. Também é desconhecido o destino do infeliz acidentado. Coisas dos velhos tempos que, felizmente, encontrariam dificuldades para serem reprisadas nos dias atuais. A verdade é que a história do defunto forçado do Louzeiro entrou para os anais das lendas das redações.
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Édison Motta, jornalista e publicitário é formado pela primeira turma de comunicação da Universidade Metodista. Foi repórter e redator da Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil; editor-assistente do Estadão; repórter, chefe de reportagem, editor de geral (Sete Cidades) e editor-chefe do Diário do Grande ABC. Conquistou, com Ademir Médici o Prêmio Esso Regional de Jornalismo de 1976 com a série “Grande ABC, a metamorfose da industrialização”. Conquistou também o Prêmio Lions Nacional de Jornalismo e dois prêmios São Bernardo de Jornalismo, esses últimos com a parceria de Ademir Médici, Iara Heger e Alzira Rodrigues. Foi também assessor de comunicação social de dois ministérios: Ciência e Tecnologia e da Cultura. Atualmente dirige sua empresa Thomas Édison Comunicação.
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*Milton Saldanha conta amanhã outra história inédita neste blog, com o título: "Deu no Correio do Povo", não deixem de ler. Na sexta-feira artigo especial e muito aguardado de J. Morgado. Outro capítulo de "Histórias das redações de jornais" na segunda-feira
. Edward de Souza vai contar o caso de uma foquinha de jornalismo enviada para cobrir estranhos acontecimentos que ocorriam numa moradia da Vila Luzita, em Santo André. Brincadeira de mau gosto, tensão, pavor e a fuga da repórter, que ficou só de calcinha. Não percam esse capítulo inédito na próxima semana.
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