terça-feira, 27 de outubro de 2009

ISSO É O BRASIL: A ONG DOS DESCASADOS

GUIDO FIDELIS

Depois do sexo, esporte em que o brasileiro é campeão absoluto, deixando gringos de todos os quadrantes de queixo caído com a sensualidade das mulheres que exibem empinados bumbuns nas praias e nas ruas, outras preferências nacionais residem na criação de novas igrejas e de uma infinidade de ONGs, negócios que prosperam país afora e que rendem excelentes dividendos aos seus dirigentes. Quanto às igrejas, proliferam como a velha saúva que devorava a produção agrícola no tempo em que inexistiam os sem-terra e os coronéis mandavam e desmandavam no campo. Estão em todos os bairros e atraem fiéis com ofertas imperdíveis, que podem ser pagas em suaves prestações na forma de dízimos. Transpor as portas de certos templos é como transitar numa feira-livre, caminhar entre barracas, escolher frutas e verduras. Basta definir o produto ou o milagre preferido e o desejo será satisfeito prontamente. Com pagamento adiantado, em dinheiro sonante, tudo se comercializa em nome de Jesus.
Como não tenho vocação para erguer uma velha Bíblia com mãos veementes de fanático e pregar, utilizando-me da voz grave e pausada dos arautos do apocalipse, para multidões de crentes que certamente me retribuirão com generosas oferendas no aguardo de que minhas promessas de intermediação com Deus equacionem difíceis questões sobre a melhor maneira de expulsar o diabo, além de indicar rota segura para a glória e o enriquecimento, fico com as ONGs. Nada de imitar Sísifo e empurrar pedra montanha acima. Ao contrário do que se diz, a montanha virá a Maomé. Efetivamente, trata-se de um negócio que exige menos esforço, mais de acordo com minha postura preguiçosa, com meu jeito de agir silenciosamente nos bastidores. Longe de holofotes, de exposição na mídia, de confusão com lobistas e doleiros, dentro do sagrado princípio de que boas transações exigem discrição absoluta.
Há milhares de ONGs, mas há espaço para outras tantas. Elas ocupam o lugar do Estado, são impenetráveis, prosperam graças a contribuições oficiais e anônimas. Pode-se, por exemplo, promover a defesa dos ouriços pretos, de suaçus e libélulas e até mesmo da conveniência de substituir a mala preta pelo canguru como meio de transporte de valores destinados a corromper.
Penso em instituir uma ONG acima de qualquer suspeita e, desde já, aceito candidatos a cargos de direção do grupo que terá forte representatividade e que se disponham a antecipar verbas de custeio, com garantia de retorno, rentabilidade sem nenhum risco para o investidor.
Proponho-me a estabelecer as diretrizes para a criação do Instituto Messalina de Pesquisas Afrodisíacas. Independente dos estudos que serão realizados no campo da sexualidade, voltados para ativar a libido e melhorar o desempenho dos casais, o objetivo principal será o de defender interesses econômicos dos descasados, daqueles que se separam de cônjuges ricos e se transformam em nau sem rumo, em meio às ondas revoltas da incerteza quanto ao futuro que se avizinha, ou seja, sem grana para sustentar o luxo e a mordomia.
A ONG cuidará principalmente de socialites que se sentirem abaladas emocionalmente e desequilibradas financeiramente. Claro, desde que os ex-maridos tenham patrimônio que possa ser dividido e disponham de numerário para pagar gordas pensões. As frequentadoras das altas rodas e de salões elegantes receberão tratamento de primeiro mundo, com advogados, psicólogos, religiosos, professores de expressão corporal e instrutores de lutas marciais, prevenção contra agressões físicas de rivais.
Terão, ainda, imenso instrumental para obter o atendimento do pedido, mesmo que sob ameaça de se revelar, por intermédio de escândalos, a nebulosa origem das fortunas daqueles que abandonaram as companheiras. Será montado amplo esquema de divulgação para infernizar a vida dos desafetos que rejeitarem as propostas de acordo. Em casos excepcionais, homens que perdem o sustento de ricaças liberadas, desonrados por terem sido substituídos por outros parceiros mais jovens e atraentes, também serão admitidos como clientes da ONG. Como brinde promocional, os primeiros clientes receberão um pequeno frasco de cristal, com tampa de ouro, para guardar algumas preciosas gotas das lágrimas
derramadas.
Empreendedores que queiram participar do grupo de trabalho devem enviar currículo, aos meus cuidados, indicando disponibilidade para subsidiar as comissões temáticas. Preferência para os que possam financiar os gastos de minha viagem ao país do Papai Noel, onde serei acolhido em audiência especial a fim de receber como prêmio uma
conta secreta nas Ilhas Jersey.
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* Guido Fidelis é jornalista e escritor (autor de 20 livros)
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