quinta-feira, 15 de julho de 2010


A LUZIA "BALAIO"


No início da década de 60 veio o primeiro bispo para minha cidade; "bisco", como dizia minha avó Vitta. A mudança imediata que pudemos notar foi marcante: fecharam o inferninho, zona de meretrício situada no final do Morro da Canjica. Meu avô, italiano da Calábria, era proprietário de algumas casas por aquelas bandas e costumava dizer que as "meninas" eram as melhores inquilinas do mundo.

A casa maior era ocupada pela Luzia "balaio" que tinha três profissões: fazia balaios de vime, cuidava de um boteco montado no cômodo da frente de sua casa e durante a noite, era aquele "mucu-mucu, vucu-vucu". Tanto trabalho resultou numa pneumonia dupla que, mal curada, levou a coitada à morte. Como não tinha parentes, foi velada ali mesmo, na mesa da "sala/boteco" cuidadosamente enfeitada pelas colegas com flores, velas e cortinas pretas.

Lá pelas tantas, foram surgindo também os fregueses e como era sábado, o afluxo foi grande. Começaram, a princípio, lamentando a morte da Luzia, elogiando seus dotes e esforços de sobrevivência nesse mundo cão. Passagens picantes de sua vida foram contadas por alguns dos clientes, enquanto as amigas iam servindo a mortadela, salames, queijos e bebidas, dispostos nas prateleiras. A alegria começou sorrateira e muito tímida a princípio; aos poucos foi transformando-se em estrepitosas gargalhadas, motivadas pelas doses de cinzano, anizete, "rabo-de-galo", "fogo-do-norte", paisano e cachaça. Alguém teve a idéia de ligar o rádio e, pela madrugada, o bailão estava formado.

Para abrir mais espaço, encostaram as mesinhas que apoiavam o caixão num canto e depois, como estava atrapalhando, puseram o esquife, com defunta e tudo, em pé, encostado a uma janela, deixando, porém, as velas acesas, em sinal de respeito. Caixão de pobre, naquele tempo, era feito com lâminas de pinho e recapeado com um tecido roxo, bem fino (mesmo tecido da mortalha).

Não demorou muito até que sobre o caixão uma das velas tombou, transferindo suas chamas para o pinho, daí para a mortalha, alastrando-se pelas cortinas e, em breves minutos, a casa toda estava em chamas.

Não morreu ninguém pois a única incendiada já estava morta e penso eu, que a Luzia "balaio" foi a primeira e única defunta cremada em minha cidade.

Bem, depois dessa história fica difícil encaixar alguma receita, mas, já que falei em meus avós, vou ensinar uma receita de uns docinhos simples que minha "Vó Vitta" trouxe de Bari há mais de cem anos atrás e que estavam sempre à nossa disposição nos potes de vidro, mergulhados no mel, denominados de

STRUFOLLI OU PINGOS DE MEL DA VÓ VITTA: 1 Kg de farinha de trigo; 1 copo de óleo; 5 ovos; 1 xícara (chá) de açúcar; 1 cálice de vinho tinto seco; 1 pitada de sal; 1 colher (sobremesa) de pó royal e 1 litro de mel.

Modo de Fazer: misturar todos os ingredientes (menos o mel). Sovar bastante a massa, enrolar em tiras e cortar (como nhoques). Fritar em óleo quente e deixar escorrer. Passar os "struffolis" pelo mel quente, colocando-os em uma vasilha de vidro ou louça. Espalhe o restante do mel por cima.

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*João Batista Gregório, 58, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e já prepara um novo livro, a ser lançado em breve. Para conhecer a sua produção, acesse o blog do JB, cheio de histórias divertidas, onde cada crônica pitoresca acaba com uma receita culinária especial, testada e aprovada! Clique no endereço abaixo e delicie-se! http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/
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