quarta-feira, 5 de maio de 2010

SEMANA DE HOMENAGEM ÀS MÃES

A MALA DE PAU




Quando minha mãe ia à cabeleireira para cortar o cabelo e fazer permanente era assim: os três filhos mais velhos ficavam na casa de minha tia e os três mais novos, ela os levava consigo. Normalmente era em tardes de sábado e nesses dias, a rotina lá em casa mudava um pouco. O almoço saia mais cedo, a roupa não era lavada e nosso banho era mais caprichado. Como eu era o menor, minha irmã cuidava de mim, no chuveiro. Era aquela choradeira, pois ela esfregava tanto meu pescoço e orelhas que deixava-me todo vermelho e ardendo.

Depois, para o processo de secagem, colocava-me em pé sobre um antigo baú de madeira, com tampa abaulada que minha avó Adelaide trouxera de Portugal, no início do século passado. Vai-se saber quais louças preciosas ou tralhas necessárias vieram, diretamente de Coimbra, naquela respeitável "mala de pau". Entretanto, na minha infância e adolescência, o móvel de carvalho servia-se apenas para guardar roupas sujas ou sustentar moleques molhados.

Num sábado desses, já estávamos todos prontos para acompanhar mamãe ao "Salão da Margarida" que ficava distante de casa, quase no fim da Avenida. Não me recordo bem qual arte aprontei, mas fiz por merecer uma surra de minha mãe. Só me lembro de que, enquanto ela procurava o cordão do ferro elétrico para aplicar-me o corretivo, corri a esconder-me dentro da mala de pau.

Quando ficava nervosa, minha mãe tinha a mania de falar demais, numa lamúria sem fim e, na maioria das vezes, aquela cantilena monocórdica acabava por acalmá-la. Então, fiquei ali, bem quietinho, com as pernas encolhidas, esperando chegar a calmaria.

Sobre a maciez das roupas usadas, acabei por adormecer profundamente, alheio ao fuzuê que se armou na minha casa, por conta de meu sumiço. Inicialmente minha mãe queria achar-me para aplicar a sova prometida, depois para que eu não sujasse a roupa de passeio, mais tarde porque perdera a hora da cabeleireira e finalmente, quando anoiteceu, desesperou-se pensando que eu havia sido sequestrado.

- Meu Deus... os ciganos estiveram aqui hoje pra buscar o porco: devem ter carregado o menino!

Naquele tempo, meu pai vendia porcos, galinhas, cabritos e toda a espécie de animais, que trazia do sítio. Esses bichos ficavam num grande cercado que existia em nosso quintal e minha mãe se encarregava da venda no varejo a diversos fregueses da redondeza. Dentre os compradores, vira e mexe apareciam os ciganos que acampavam na parte alta da cidade, perto da antiga caixa d'água. Meu pai tinha amizade com todos.

Assim que papai chegou da roça, minha mãe, em prantos, implorou para que ele fosse ao acampamento dos gitanos a minha procura. Mas, o velho retrucou, incomodado: Alzira, como é que eu vou lá perguntar uma coisa dessa pra eles?! São gente boa e isso de roubarem criança é lenda... Seria uma ofensa das bravas!

Mamãe já estava disposta a quebrar violinos e pandeiros, quando minha irmã chamou lá do banheiro: - Mãe, achei o safadinho!

A velha levantou-me em seu colo, ainda dormindo. Sentou-se na tampa do baú e começou a beijar-me, chorando baixinho. Acordei-me sentindo aquele cheirinho gostoso de mãe. Vendo-a chorando, segurei uma das pontas de seus cabelos finos e macios e somente consegui perguntar: - A senhora não fez permanente?

Ela respondeu-me, dando um daqueles seus beijos estalados: - Não, filhinho! A Margarida não abriu o salão hoje...

Assim era minha mãe e, quanto à mala de pau, não sei que fim levou!

Por falar em ciganos, segue aí uma receita, modificada ao meu gosto, de:

ARROZ À MODA CIGANA: 2 xícaras de arroz temperado e cozido; 1/2 xícara de pinhões pré-cozidos ou castanhas do Pará; 3 colheres de manteiga; 1 xícara de queijo suiço (aqueles com buracos) picado; 3 ovos batidos; 2 copos de leite; 1 xícara de espinafre cozido, com sal e picado; 1 xícara de brócolis cozido, com sal e picado, 1 cebola picadinha.

Corte os pinhões ou as castanhas em filetes bem finos. Dê uma leve fritada na manteiga e misture aos demais ingredientes. Leve ao forno por 15 a 20 minutos.

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*João Batista Gregório, 57, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e já prepara um novo livro, a ser lançado em breve. Para conhecer a sua produção, acesse o blog do JB, cheio de histórias divertidas, onde cada crônica pitoresca acaba com uma receita culinária especial, testada e aprovada! Clique no endereço abaixo e delicie-se! http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/
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