quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010



FLAGRANTES DA VIDA (V)


À medida que fatos vão sendo revelados, a memória é reativada e outros vão surgindo por entre a fumaça ofuscante do tempo. Os comentários deixados por nossos leitores estimulam lembranças dormidas, agora despertadas na erupção do vulcão da saudade. Ficou pequeno o espaço de cinco capítulos para contar uma história que já não é minha, envolvendo tantas e queridas figuras.

O rádio foi e ainda é veículo de comunicação muito imediato, o que lhe assegura posição estável entre as modalidades existentes. Homens e mulheres do rádio despertavam paixões só pela voz que possuíam, já que imagem havia apenas no imaginário dos ouvintes. Saint Clair Lopes - o Sombra (E), personagem por ele vivido com sucesso, que conheci como diretor da Rádio Nacional, foi grande locutor e também radioator de sucesso, pertencendo à época de Celso Guimarães e Rodolfo Mayer. Participou da primeira novela da Rádio Nacional – “Em busca da felicidade”. Contava-se no Rio que uma senhora de grandes posses, apaixonada por sua voz e sem herdeiros, deixou-lhe, em testamento, um patrimônio que não era pequeno. Eram ardentes as paixões pelas figuras do rádio e frequentes as aberturas de portas com amplas oportunidades aos radialistas. O fato explica o alto interesse alimentado por muitos pela carreira no mundo radiofônico.

A Rádio Nacional apresentava com sucesso de audiência em todo o Brasil o programa “Balança mais não cai”. A Rádio Mauá (emissora do trabalhador) viu possibilidade em disputar a preferência dos ouvintes com um humorístico bem elaborado. Assim foi criado e dirigido por Nêna Martinez e Zani Filho, “Palácio Flutuante”; eu estava lá (D), contratado como narrador. Não se conseguiu o intento, embora fosse boa sua qualidade e elenco.

Era prefeito do Rio o Cel. Delcídio Cardoso cuja ligação sentimental com uma linda cantora de fados, radicada no Brasil, Ester de Abreu (D) , provocava inveja ao galante mundo masculino da época. Durante seu governo ocorreu à primeira visita ao Rio de Nossa Senhora de Fátima; o prefeito entregou-lhe a chave ouro da cidade na Praça XV, em frente as barcas de Niterói. Eu estava lá, comandando a equipe da Emissora Continental, em cobertura da chegada e procissão pelo centro. Nossos repórteres carregavam pesados BTP’s às costas, microfones volantes da ocasião. Em um lindo domingo de sol, quando Oduvaldo Cozzi, o poeta dos esportes, iniciava no Maracanã a narração de uma partida, um incêndio ali ao lado, irrompeu-se na favela do Esqueleto, agredindo, com voracidade, barracos e pessoa; eu estava lá, com os Comandos Continental, a chamar por recursos humanos de bombeiros, médicos, hospitais e sociedade solidária. Ainda um domingo de sol, eu estava lá, levando Martha Rocha (D), aquela das polegadas a mais, ao Maracanã, para o pontapé inicial de um Fla-Flu. Andei tomando café na esquina da Machado de Assis com Largo do Machado, (Café São Paulo), ao lado do Brigadeiro Eduardo Gomes e sua mãe. Passei momentos de ritmo na batida da caixa de fósforos que o Ciro Monteiro (E, ao lado de Ivon Cury e Garcia Netto) gostava.

Fui cicerone de Marly Sorel (E) filmando na Atlântida. Andei pelo restaurante “Sambão e Sinhá” em que o Ivon Cury tornou famoso.

Ao assumir a direção da Rádio São Paulo, antes pertencente ao grupo de Paulo Machado de Carvalho, da Record, que me senti entre um de bando feras do radioteatro brasileiro: Marthus Mathias (D), Gilmara Sanches (E), Ézio Ramos, Diva Lobo, Amélia Rocha, Dolores Machado e tantos outros cobras da novela de rádio. Eram todos dubladores de artistas famosos do cinema internacional. Citarei Mathias que dublava a série Os Flintstones. Na Rádio São Paulo, à época, iam ao ar 30 novelas por dia, numero que reduzi para seis ao final de minha gestão. Chegou de Jaú um menino humilde e aplicado que me honra ter feito por seu mérito, um sucesso, incluindo o cognome que lhe dei: locutor sorriso, Eli Corrêa.

Foram muitas as noites gloriosas vividas em serenatas com Noite Ilustrada, que gravou um samba que fiz: “No braço do meu violão”. Lúcio Cardim, a expressão maior da música sentimental brasileira, autor de “Matriz ou Filial” ainda hoje confundida como sendo de Lupicínio Rodrigues. As longas madrugadas cheias de sonhos embriagavam nossos espíritos de romantismo, cantando ao lado de janelas em homenagem à beleza da mulher brasileira. As noites no Nick Bar, o encanto e o perfume de lindas mulheres, o piano e a voz do Dick Farney (D), mais tarde na Praça Roosevelt (Farney Bar) eram o prêmio que a vida nos reservara. Em um capítulo passado me lembrava J. Morgado, na mesma praça, a Boate Stardust, frequentada pela nata paulistana, vinha surgindo em início de carreira a eletricidade de Jair Rodrigues, o sambista que ainda hoje faz vibrar a plateia. Naquela boate, quando em São Paulo, ao final de seus programas na TV, sempre armado de boa sátira, jantava o pioneiro do gênero talk show: médico, ator, autor, diretor e nunca igualado promotor de entrevistas chegava ao Stardust Silveira Sampaio (E), acompanhado das figuras da alta estirpe paulistana, entre as quais a ilustre Bia Coutinho.

É bastante grande a seara de lembranças, no entanto, o espaço da série para revisitar o passado acabou. Obrigado, amigos, por viajarem comigo na saudade.

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José Reynaldo Nascimento Falleiros (Garcia Netto), 81, é jornalista, radialista e escritor francano. Autor dos livros Colonialismo Cultural (1975); participação em Vila Franca dos Italianos (2003); Antologia: Os contistas do Jornal Comércio da Franca (2004) e Filhos Deste Solo - Medicina & Sacerdócio (2007). Cafeicultor e pecuarista, hoje aposentado. A Série Relembranças foi editada em cinco capítulos semanais, às quintas-feiras, quando o profissional revisitou, com sua memória privilegiada, flagrantes da vida que fazem parte da história de nosso país.
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