sábado, 11 de abril de 2009

JUDAS É MALHADO NO SÁBADO DE ALELUIA

Edward de Souza

Repetem-se as cenas de costume neste sábado de aleluia. A malhação de milhões de bonecos pelo mundo afora, representando a figura de Judas Iscariotes, considerado traidor de Jesus Cristo. Judas teria vendido Cristo por trinta moedas, entregando-o ao governador da Galiléia, que o condenou à morte na cruz, encerrando-se assim o Drama do Calvário, trágico episódio da maior relevância para a história do cristianismo. A malhação do Judas, como o carnaval, tornou-se uma festa popular. Para muitos uma comédia de mau gosto, para outros, motivo de gozação e deboche, de crítica às autoridades em evidência e a pessoas de quem não se gosta ou até mesmo odeia-se.
A Malhação do Judas é um espetáculo que revive a festa pagã das Capitales Romanas. Popularíssima na Península Ibérica, radicou-se na América Latina a partir dos primeiros séculos de colonização européia. Câmara Cascudo afirma que “o Judas queimado é uma personificação das forças do mal e constituirá vestígios dos cultos agrários, espalhados pelo mundo”. A Igreja dela se aproveitou para incutir melhor na alma do povo a execração do gesto infame de Judas Iscariotes. Segundo a Bíblia, Judas era um dos 12 discípulos que seguiam Jesus, porém sempre se mostrou diferente dos outros, pois era mentiroso, infiel e interesseiro. O motivo da malhação é o fato de Judas ter traído Jesus com um beijo, mostrando-o aos soldados que o perseguiam.
Malhar o Judas é uma prática ainda muito comum, apesar de o costume praticamente ter sido banido das grandes cidades por falta de locais adequados e dos perigos que representa. Aqui no Brasil, a malhação de Judas vem desde o século 18, tendo origem no Rio de Janeiro, quando os bonecos traziam fogos de artifícios presos no ventre. Esses fogos eram acesos no Sábado de Aleluia e ardiam sob os aplausos do povo, como vingança à morte de Jesus Cristo. No Interior, a tradição continua viva. Os bonecos geralmente são do tamanho de um homem, forrado de serragem, trapos e jornal, que é arrastado pelas ruas, surrado e, por fim, queimado, normalmente ao meio-dia. Em algumas cidades, como em Franca, Batatais, Ribeirão Preto e até em Santo André, no ABC Paulista, eles são pendurados em postes de iluminação pública e galhos de árvores. Depois de enforcado, o boneco é explodido com bombas que são colocados em seu corpo. Algumas queimas de Judas que eu conheço e presenciei são tradicionais, como em Santo André, sempre feita, há mais de 40 anos, por Vanderlei Vicente Ferreira, o popular “Rancharia”. Nessa cidade do ABC, “Rancharia” queima o Judas na Rua Coronel Fernando Prestes, centro da cidade, em frente a Lanchonete André Center, do amigo Antonio Amorin. Antes do meio-dia, o trânsito pára naquele local para a queima do boneco. Em Franca, ela é realizada há 56 anos por outro amigo, Thomaz Tardivo, em frente ao famoso Clube dos Bagres, na rua General Carneiro. Normalmente os bonecos feitos pelo Tardivo têm armação de madeira e cabeças de papel machê com acabamento artístico. A pintura dos cabelos, barbas, bigodes, olhos, narizes e bocas é feita com tinta acrílica e também há um cuidado especial com as roupas. Tradicionalmente, o nome do Judas é apontado pelos organizadores da festa folclórica. Nomes como Fernando Collor, Sadan Hussein, Bin Laden, Nazaré, Xuxa, George Bush, José Dirceu, Palloci, governadores e prefeitos já foram levados à forca como sinal de protesto da população contra o mal comportamento. É costume antigo fazer o julgamento de Judas, sua condenação e execução. Antes do suplício, alguém lê o testamento de Judas, em versos, colocado especialmente no bolso do boneco. O testamento é uma sátira das pessoas e coisas locais, com graça oportuna e humorística para quem pode identificar as figuras alvejadas.
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista. Escreve aos sábados no Divã do Masini e às quintas-feiras no Jornal Comércio da Franca.
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