quinta-feira, 8 de julho de 2010


O Centro de Tratamento e Pesquisa A. C. Camargo, mais conhecido como o Hospital do Câncer de São Paulo, é um dos maiores e mais modernos complexos hospitalares da América especializados no tratamento dessa doença. Por seus corredores já passaram e passam centenas de milhares de pessoas à procura de solução para os seus problemas, seja por meio de cirurgia ou pelo tratamento quimioterápico ou radioterápico. Nas horas em que não há médicos nem enfermeiros visitando os pacientes na cama, costumo andar pelos corredores, carregando um saco plástico com os medicamentos e duas máquinas – uma para filtrar a dieta e outra a quimioterapia -, para melhorar o fluxo sanguíneo.

Numa dessas caminhadas, foi que avistei – seria ele mesmo? – o maestro Flavio Florence, 50 anos – oito a menos que eu – e que há vinte anos rege a Orquestra Sinfônica de Santo André. Fui ao seu encontro e nos cumprimentamos. Ele demonstrava tranquilidade e a resignação necessárias para tratar um câncer de cólon, diagnosticado em novembro de 2006. Espera, apenas, que os médicos da Clínica Oncológica definam em que estágio se encontra a doença. Vem preparando-se, também, psicologicamente. Uma de suas leituras é o Câncer como Ponto de Mutação, do psicoterapeuta Lawrence LeShan. Possui dois livros de cabeceira: Grandes Esperanças, de Charles Dickens e As pequenas Memórias, de José Saramago.
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Ao contrário de muitos acometidos pelo mal, o maestro tomou a iniciativa de comunicar à Imprensa de que, neste ano de 2007, devido ao tratamento, irá diminuir o número de suas regências. Florence não se oculta sob o manto da fortaleza masculina e reconhece: “Foi devastador saber da doença. Cresci imaginando o câncer como uma sentença de morte sofrida. Esse pensamento vem com frequência, principalmente na quimioterapia. Não tenho perfil desse câncer, que afeta pessoas com mais de 50 anos. Levo vida saudável, corro, me alimento bem. Não consigo ver porque esse raio caiu na minha cabeça”.

Admite que o seu estado físico seja bom e não o faz sentir com câncer. Mas é inevitável – reconhece – não pensar na morte, no trabalho, na orquestra, nas partituras que deixara. Florence reconhece que a doença transformou a sua vida. Acredita que está mudando, começando tudo a partir do zero, dando atenção ao que não via antes. Sente que pertence ao grupo de sobrevivente, não ao dos condenados, e que a sua obra será a chance de sua sobrevida.

Essa passagem, quando conto, a pessoa pensa ser uma anedota. Ocorreu quando eu estava na sala de espera do Centro de Quimioterapia. Ao meu lado, um senhor, com pouco mais de cinquenta anos de idade. Um pouco aborrecido, comentei com ele sobre o meu receio de perder a voz. E ele, de pronto, sério, me disse: E eu, que perdi o pinto. De princípio, nem acreditei. Considerava que o câncer não atingia o órgão sexual masculino. Mas era verdade. Reconheceu que os médicos se esforçaram ao máximo para evitar a castração, mas foi impossível e, para que a situação não se agravasse, foram obrigados a adotar essa atitude drástica e irreversível.
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Estou me lembrando desse fato em razão de uma reportagem publicada na revista Foco, do Hospital do Câncer, abordando a incidência do câncer no pênis. A capa chama a atenção. Abaixo do título Assumindo o controle, vêm três linhas: Estudo com marcadores moleculares mostra que é possível evitar três em cada quatro cirurgias reparadoras do câncer de pênis, doença que atinge quatro mil brasileiros a cada ano. Foi, então, que me interessei mais atentamente por esse tipo de doença no órgão sexual. Até esse dia, sabia apenas que as células cancerígenas se alojavam em várias partes do corpo, mas sequer imaginei sua estada no pênis. Nas páginas internas, o texto de abertura faz o alerta: fartamente citado em tratados do pai da psicologia Sigismund Freud e acostumado a ser o centro de atenções quando o assunto é a superioridade masculina, o pênis anda meio esquecido no meio oncológico. Ou melhor, andava meio esquecido, pois uma série de pesquisas realizadas por especialistas do Hospital do Câncer A C. Camargo está colocando o órgão na pauta do dia de algumas das mais importantes publicações científicas internacionais, como o Urology Lancet Oncology e Nature Oncology.

O mérito é notável, sobretudo porque o câncer de pênis, tema dessas pesquisas, não passa nem pela cabeça dos cientistas das grandes potências da América do Norte e Europa, já que muitas vezes sequer é estudada nas escolas de Medicina. Pois aqui no Brasil não é bem assim. A reportagem revela que esse interesse surgiu depois dos estudos desenvolvidos pelo oncologista Gustavo Guimarães, após análise retrospectiva de 1953 a 2000, sobre um grupo de 125 pacientes do departamento de cirurgia pélvica do Hospital do Câncer. Esses estudos foram publicados pela revista Urology, em abril e julho de 2006 e, depois, republicados nos editoriais da Nature e da Lancet, duas das principais revistas médicas internacionais.

Relata: os estudos indicam que mais de 50% dos pacientes portadores de câncer de pênis com metástase morrem da doença em menos de dois anos. As pesquisas avaliaram fatores clínicos, anatomopatológicos e moleculares, para identificar marcadores genéticos que indicam grupos de risco para metástase linfonodal. A partir da identificação, será possível apontar a necessidade de uma segunda cirurgia para extração dos gânglios. Em outro trecho, numa entrevista com o oncologista Gustavo Guimarães, a reportagem esclarece: a doença é caracterizada pela presença de uma ferida expressiva, pouco dolorosa e com cicatrização lenta, na pele da cabeça do pênis (glande). O diagnóstico é realizado por meio de exame médico clínico e, para que não restem dúvidas, o médico pede confirmação por meio da biópsia – que consiste na análise do patologista, em laboratório, de uma amostra do tecido atingido.

Diz, ao final: os tratamentos não costumam afetar definitivamente a fertilidade, mas, nos casos de amputação, afetam diretamente a vida sexual do paciente. O grande desafio proposto pelos especialistas é avaliar o prognóstico do paciente e a presença de marcadores moleculares que indiquem a real necessidade de exposição a outros riscos cirúrgicos que, além de tudo, potencializam o trauma e complicam na sua recuperação.

Janeiro de 1977. Regresso há quatro meses de Manaus, encontrava-me bastante confuso em Santo André, ou melhor, sem saber com quem morar. Por enquanto, ficava na casa de meus pais, enquanto a Eva na casa de seus avós paternos e a Ilca com os seus pais, mas já trabalhando como secretária em uma empresa de São Bernardo. Quando fui para Manaus ser correspondente do Jornal do Brasil, deixei a Eva morando em uma casa que havia começado a pagar – ia ter uma casa própria pela primeira vez - e ela, quando foi morar comigo, abandonou a casa e doou os móveis e eletrodomésticos para seus parentes, uma vez que havia mobiliado a residência na capital amazonense.

E, em outubro de 1976, quando deixei Manaus, também abandonei a casa, com aluguel atrasado, e deixei os imóveis e eletrodomésticos, inclusive o aparelho de telex do jornal – o que causou a ira do repórter que me substituiu e chegou a dizer que eu “deixara penhorado até o telex” – soube anos depois, num retorno a Manaus.

Ao receber o pouco do fundo de garantia por tempo de serviço, a Eva me convenceu a morar com ela em um pequeno quarto, anexo à casa de uma de suas tias. Comprei colchão e alguns apetrechos necessários e aceitei, sem quase alternativa. Mesmo assim, continuava encontrando-me diariamente com a Ilca, esperando-a na saída do trabalho. Só que estava difícil arrumar emprego. E eu bebia cada vez mais, desanimado, sem esperança... Ficava a maior parte do tempo em um bar, defronte à casa de meus pais, jogando sinuca e tomando cachaça com limão – despesas com a qual eu pedia para marcar.

Até que, final deste ano de 1977, arrumei emprego como redator do Notícias Populares, jornal que mantinha a mesma turma na redação da época da criação do bebê-diabo, o Ebrahim Ramadan, como diretor, e o Lázaro Campos como editor de polícia. Só Edward de Souza havia saído do jornal, estava no Sistema Globo de Rádio. Lázaro Campos morreu anos depois, sem dinheiro e esquecido, derrubado pelo álcool. Por desacerto com o pessoal, acabei sendo demitido antes de um ano e voltei a ficar desempregado. Meses apenas. O então prefeito de Santo André, Lincoln dos Santos Grillo, me arrumou um emprego como assessor da Prefeitura e comecei a ganhar algum dinheiro – o suficiente para tomar cachaça, comprar cigarros e arcar com algumas pequenas despesas.

Acumulei esse cargo de assessor, como correspondente da sucursal do jornal O Globo em São Paulo e, então, passei a ganhar um bom salário, também apenas por pouco tempo. A cachaça me impedia de manter um bom trabalho em jornal e só permanecia na Prefeitura porque, em serviço público, você é um ilustre desconhecido. Ainda nesse período, aproveitei e reuni em livro as entrevistas com os irmãos Cláudio e Orlando Villas Boas, as memórias gravadas com Orlando no Posto Leonardo Villas Boas e a série vencedora do Prêmio Esso de Jornalismo, nacional, de 1973. A primeira edição, lançada em Ubatuba, Litoral Norte paulista, fez relativo sucesso...
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Na próxima quarta-feira, o décimo terceiro capítulo de Memória Terminal, do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. O Prêmio Esso de Jornalismo é o mais tradicional, mais conceituado e o pioneiro dos prêmios destinados a estimular e difundir a prática da boa reportagem, instituído em meados da década de 50. (Edward de Souza/ Nivia Andres) Arte: Cris Fonseca.
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SEMIFINAIS DA COPA DO MUNDO 2010 NA ÁFRICA DO SUL. QUARTA-FEIRA (07-07) ESPANHA 1 X ALEMANHA 0 (A ESPANHA É FINALISTA). JOGA DOMINGO CONTRA A HOLANDA, 15H30 DE BRASÍLIA. SÁBADO, ALEMANHA E URUGUAI DISPUTAM O TERCEIRO LUGAR, TAMBÉM ÀS 15H30 DE BRASÍLIA.
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