segunda-feira, 30 de agosto de 2010

MEMÓRIA TERMINAL ENCERRA ESSE BLOG

NESTA QUARTA-FEIRA MAIS UM CAPÍTULO DE MEMÓRIA TERMINAL, SÉRIE INÉDITA ESCRITA PELO JORNALISTA JOSÉ MARQUEIZ, PRÊMIO ESSO NACIONAL DE JORNALISMO. OS COMENTÁRIOS SERÃO DESATIVADOS A PARTIR DE HOJE E ESTE BLOG TERÁ SUAS FUNÇÕES ENCERRADAS ASSIM QUE FOR PUBLICADO O ÚLTIMO CAPÍTULO DESTA SÉRIE, CUMPRINDO ASSIM NOSSO COMPROMISSO COM O LEITOR.
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GRATO...
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EDWARD DE SOUZA.

domingo, 29 de agosto de 2010

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Como contei no último final de semana neste blog, fui vítima de dois sequestros relâmpagos, ambos bem complicados e ameaçadores. O raio pode não cair duas vezes no mesmo lugar, mas sou testemunha, despenca mais vezes na mesma cabeça. Passados quase dez anos do primeiro, marcado por sequelas emocionais, o segundo, que completou uma década, igualmente deixou rastros que dificilmente se apagarão. Fisicamente sai ileso de ambos, mas as marcas das ações permaneceram.
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Uma tarde ensolarada de domingo, trafegava pela Avenida Robert Kennedy, Bairro Assunção, São Bernardo, quando fui abordado por um trio; dois rapazes e uma moça. Pelos meus cálculos, nenhum deles passava dos 25 anos. São Bernardo tem duas Avenidas com o nome Kennedy, ambas com intenso movimento de veículos e de pessoas que procuram as duas vias para o lazer. A Kennedy (John) fica no sofisticado Jardim do Mar, que abriga a classe média alta, mansões e hotéis de luxo; a Robert Kennedy, no Assunção, mais modesta, porém com moradores de bom poder aquisitivo. Na região da Robert Kennedy estão instaladas algumas empresas de porte como Scania, Rolls Royce, a Nestlé e também o heliporto, hoje utilizado pelo presidente Lula quando vem a São Bernardo, onde tem residência.
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Bem, meu caminho era o Bairro do Alvarenga, as margens da Via Anchieta e Imigrantes. Iria visitar um amigo adoentado e que residia ao lado da fábrica da Nestlé, mas não fui. Por ser uma tarde de domingo a Robert Kennedy estava com pouco ou quase nenhum movimento de veículos, o que permitia, se desejasse, cometer infração e ultrapassar os cruzamentos com o semáforo no vermelho. Como não era, e não é, o meu costume, parei no farol fechado em frente ao Mesc - um dos muitos clubes recreativos de São Bernardo. Percebi que no canteiro que separa as duas pistas havia uma moça e dois rapazes e imaginei, naturalmente, que fossem atravessar a via. O trânsito era zero naquele momento e poderia passar com o farol vermelho sem problemas, mas a prudência fez com que eu parasse. Em segundos estava com um revólver no meu ouvido, arrastado para o banco traseiro por um cara, o outro dirigindo meu Uno e a moça no banco do passageiro com a arma abaixada, mas na mão.
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A mesma ladainha: "calma tio - dizia o rapaz que estava ao volante - só queremos grana". O cara que estava comigo no banco traseiro pediu meu cartão do banco. Felizmente, não viu meus outros documentos, os "manos" odeiam jornalistas. Logo à frente de onde fui abordado, há uma rotatória chamada área verde, onde ficava uma dessas viaturas de policia comunitária e os caras sabiam disso: "vamos passar perto da viatura e se o senhor abrir a boca estará morto, fique quietinho ai e tudo irá bem", decretou o moreno de bigodes ralinhos que estava ao meu lado. Cruzamos a área verde sem problemas e descemos a Joaquim Nabuco, rua do pronto-socorro central, que normalmente tem viaturas da polícia, mas o motorista se apressou em me alertar de novo que poderia me matar ali, caso desse qualquer alarme. Seguimos em direção ao Centro de São Bernardo, onde ficam as agências bancárias da região central. Com pouco de coragem, ou burrice, arrisquei: "olha amigos (amigos?), acho que vocês pegaram o cara errado e estão perdendo tempo, além do risco da casa cair" - não dei tempo para apartes e prossegui: "a agência do meu banco fica exatamente na esquina da rua que eu moro (Marechal Deodoro com Rio Branco, ao lado da Praça da Matriz). Além de estar sem saldo no banco (não menti), sou muito conhecido no pedaço e sempre há na praça da igreja uma viatura. Se vocês pararem ali e os taxistas da praça me virem certamente irão acionar a polícia".
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Sei lá se meu anjo da guarda, novamente, não estava na televisão vendo o jogo do Timão, mas os "manos", assim que entraram na Marechal Deodoro, pararam próximo a Praça Lauro Gomes, onde está a famosa feirinha paraguaia do ABC e muitos camelôs também me conhecem. Pararam, mas não desligaram o motor do Uno. Ao lado havia uma banca de jornais, cujos donos e empregados são meus amigos: "oi Lavrado, tudo bem?" disse a mulher da banca: "tudo bem", respondi, com o coração saindo pela orelha, mas foi a hora. O "mano" que dirigia engatou uma primeira e saiu devagar para não despertar suspeitas. Estávamos cerca de 150 metros do banco e não havia como retornar sem passar em frente da agência, da igreja matriz, da viatura e de uma meia dúzia de taxistas do ponto. Então os caras resolveram me deixar. Falavam entre eles que não valia a pena ficar comigo e correr riscos desnecessários, uma vez que eu não tinha grana, ao menos naquele banco. Mesmo assim eu tremia, pois na praça, quando a mulher da banca me cumprimentou achei que tinha chegado o fim da linha, já que o trio estava nervoso e o cara, que havia pego o revólver da menina, tremia mais que eu.
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Pela Marechal Deodoro fomos em frente, o piloto entrou na Avenida Faria Lima, ao lado do corredor do trólebus, e quando chegamos na rotatória do Paço Municipal, encostou o carro em frente ao Conjunto Anchieta. Descemos todos e eu já me apressava em cair fora e largar o carro com os caras, mas eles saíram correndo, apressados, rumo a favela do DER, que fica na região do Paço. Sorte minha, porque minutos antes, o “mano” que dirigia meu Uno sugeriu rumar para o Rio Pequeno, na Represa Billings, onde resolveriam o que fazer comigo, pois temiam que, me liberando no Centro, eu poderia acionar a polícia. Ainda bem que desistiram da ideia e se mandaram a pé. Minhas pernas tremiam e, diabético que sou, achei que não sairia dali. Mas consegui. Como deixaram as chaves no contato, para minha sorte, liguei o carro e voltei para casa. Meu amigo (doente), que eu iria visitar, economizou algumas xícaras de café ou umas latas de cerveja.
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Não fui ao boteco da Praça da Matriz para o tradicional papo de encerramento do domingo. Sem opção, vi a tranqueira do final do Faustão e a mesmice do Fantástico inteiro. No apto que morava, ainda tremendo, agradeci a Deus por mais esta chance, pois pensava que meu crédito com Ele havia se esgotado no primeiro sequestro. Bem possível que essa tenha sido a primeira vez na história que alguém agradeceu aos céus por estar com a conta bancária no vermelho.
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Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no ABC
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sexta-feira, 27 de agosto de 2010


SÓ NOS RESTA A ESPERANÇA

J. MORGADO

Dia deste acordei um tanto descrente quanto ao destino de nosso país. Acho que, como diz o dito popular, “levantei com o pé esquerdo”.

Os cartazes com candidatos a cargos eletivos sorrindo. Sorrisos cínicos e hipócritas. A maioria, nunca pôs os pés em minha cidade. E agora aparecem em grandes pôsteres dizendo: votem em mim!

Na televisão, discursos com as mesmas promessas de sempre.

Interrogados por jornalistas inteligentes (alguns nem tanto) saem pela tangente tentando, com respostas prolixas, driblar o entrevistador e os telespectadores.

Todos têm soluções milagrosas para os problemas da saúde, da educação, da segurança, do transporte... Mas eles (os problemas) continuam, governo após governo.

Na saúde, a culpa é sempre do governo federal, do estado ou do município. Um jogo de empurra que já se tornou bastante indecente. Filas quilométricas e agendas com datas a perder de vista para consultas ou procedimentos para mitigar ou diagnosticar doenças graves. Velhinhos em longas filas de espera.

Cadê os políticos que só se apresentam para fazer propaganda enganosa?

Na educação, um ensino cada vez mais decadente.

Na segurança, a desvalorização do policial.

Acabei de fazer uma viagem por estradas paulistas e mineiras. 1800 quilômetros percorridos. Sabem quantos policiais eu vi fiscalizando ou fazendo policiamento preventivo? Nenhum! Salvo os que se encontravam nos postos fixos.

Nos transportes, nota-se o lobby junto ao governo para que as coisas continuem como estão. Cadê o transporte ferroviário e fluvial?

Falando em transporte fluvial, nos faz lembrar as inúmeras promessas para “desintoxicar” o Rio Tietê. Há dezenas de anos isso vem acontecendo. Empréstimos são efetuados para deixar o histórico rio livre do caldo maldito que as indústrias (todos sabem quais) despejam diariamente no caudal que nasce e deságua no estado de São Paulo.

Parece-me que quase vinte municípios da Grande São Paulo utilizam o rio para despejar suas imundícies.

"-Vamos fazer com o Tietê o que os europeus fizeram com o Tâmisa e o Sena (rios outrora poluídos e hoje totalmente limpos e piscosos) -". Promessas feitas por vários governadores. O dinheiro aparece, mas as toneladas de esgoto não tratado não desaparecem!

Falo do Tietê como poderia falar da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro ou do Guaíba, em Porto Alegre e de milhares de outros rios e ribeirões que servem de despejo para grandes, médias e pequenas cidades de nosso imenso Brasil.
As favelas outrora inexistentes em médias cidades brasileiras proliferam! E dizem que os pobres estão menos pobres. Não dá para acreditar!

E agora, vejo na internet, uma lista enorme de “cigarras” se candidatando para os cargos legislativos federais e estaduais.

Parece que a fábula de Esopo e recontada por La Fontaine nunca esteve tão viva entre nós:

“Tendo a cigarra cantado durante o verão,
Apavorou-se com o frio da próxima estação.
Sem mosca ou verme para se alimentar,
Com fome, foi ver a formiga, sua vizinha,
pedindo-lhe alguns grãos para aguentar
Até vir uma época mais quentinha!”(...)

Palhaços, cantores, lutadores, jogadores de futebol, mulheres-frutas... E sei mais lá o quê!

E o pior de tudo isso é que os “fãs clubes” desses indivíduos, ignorando a importância do voto para melhorar a democracia (disciplina e responsabilidade), irão votar neles ignorando que se tornarão guitarras e nada mais!

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*J. MORGADO é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista: jgarcelan@uol.com.br
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quinta-feira, 26 de agosto de 2010


O CINISMO E SEUS REQUINTES


Filosofia surgida na Grécia antiga, o cinismo caracterizava-se pelo desprezo às convenções sociais e a procura da felicidade através de uma vida reta e virtuosa, liberta da servidão dos costumes e instituições humanas. Com o tempo, o termo adquiriu conotação pejorativa, pela contradição verificada entre o ideal ascético divulgado e o hedonismo vivido. O cinismo despreza todas as fórmulas da decência e da ética e parece que tem aumentado muito o seu séquito de seguidores nos tempos atuais. No Brasil, então, nem se fala! Os nossos políticos exibem um cinismo profundo cada vez que precisam defender-se, negando até mesmo a própria realidade que, muitas vezes, aparece, escancarada.

Os cínicos são malandros da pior espécie, hábeis e ousados, experientes na arte de mentir e encontrar desculpas para o seu ultrajante comportamento, mesmo que lhes seja impossível ocultar a verdade, porém, sempre há um jeitinho, uma manobra, um acordo de compadres, geralmente celebrado com o apoio de seus pares, sejam do governo ou da oposição, mostrando que o corporativismo reina nas instâncias do poder e, como sempre, uma mão lava a outra...

Certo é que o cinismo demonstrado pelos políticos corrobora a máxima, mais cínica ainda, de que “a mentira muitas vezes contada, se transforma em verdade” ou, “a acusação, muitas vezes negada, inocenta o acusado”. Está claro que nada vai mudar esse inferno ético e moral em que vivemos enquanto não for afastada, definitivamente, a certeza da impunidade, o mal do século (ou do milênio), alegria e inspiração dos corruptos.

Estamos em plena campanha eleitoral e pressinto, com temor, que está em marcha, maquiavélica e cuidadosamente arquitetada, uma farsa destinada a institucionalizar o populismo, de fundo messiânico, em que o pai de todos entrega o povo para a mãe de todos, como se a sociedade não tivesse querer e nem escolha. De certa maneira, não tem, mesmo, porque a mentira, tantas vezes reiterada, acaba sendo a única verdade.

Pior mesmo é perceber que esse festival de cinismo e frouxidão moral acabou por contaminar toda a sociedade. Decência, honradez, honestidade, lealdade e competência já não são consideradas qualidades que podem levar uma pessoa ao sucesso, seja em que seara for. Agora, oportunismo, hipocrisia, esperteza, má-fé e mais uma lista infindável de safadezas, estas sim, são atributos que asseguram carreira meteórica, por mais inexpressivo que seja o cidadão. O que vale é o pendor para a venalidade, essa sim, considerada uma competência sine qua non para o êxito de qualquer empreendimento.

Como parece impossível combater a corrupção e bastante difícil acabar com a impunidade na atual conjuntura, parece que o combate à retórica do cinismo passa por conservarmos, a todo custo, uma mídia livre e autônoma, que privilegie a liberdade de informação e continue denunciando os cínicos de plantão e de ofício. Entretanto, percebo, desolada, que aquela mídia combativa e incorruptível até há pouco tempo está sucumbindo, em troca de um punhado de moedas, assegurada pela veiculação de anúncios institucionais, gordos financiamentos para expansão e rolagem sine die de dívidas. Bem poucos resistem e continuam autônomos, éticos e honrados. Prefiro continuar nesta trincheira e me nego a usar o véu do cinismo fundamentalista que está contaminando o último bastião da democracia.

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*Nivia Andres é jornalista e licenciada em Letra. Suas experiências e vivências estão no blog Interface Ativa! Dê uma espiadinha em http://niviaandres.blogspot.com
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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

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Encontrava-me ainda empregado no grupo contábil do Nelson Pinheiro, quando me apresentaram o advogado João Leopoldo Maciel, responsável por editar um semanário em São Bernardo. Marcamos um encontro em uma padaria próximo da casa onde morava, em Santo André. Ele apareceu, de terno e gravata, e após rápida conversa, me ofereceu um salário, um pouco mais elevado do que recebia sem nada fazer no escritório, para ser o editor do seu jornal. Aceitei de pronto, tal a vontade de voltar a exercer a minha real profissão. Em poucos meses, cumpri a rotina de fazer reportagens, preparar matérias baseadas em releases enviados por Prefeituras e corrigir material enviado por colaboradores. Na sexta-feira, ia para São Paulo fazer a revisão final e acompanhar a impressão do jornal, que era distribuído gratuitamente aos sábados.
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O seu objetivo mais era político, direcionado e a maior parte das páginas continha ataques aos representantes do Partido dos Trabalhadores, a sigla partidária, que conquistaria o apoio de outras, responsável pela eleição e reeleição do ex-metalúrgico Luis Inácio Lula da Silva, com quem cheguei a beber muitas doses de cachaça em bares próximos ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, instalado em São Bernardo.
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Ainda no primeiro ano em que estava nesse semanário, Maciel, como gostava de ser chamado, me convidou para fazer um jornal quinzenal em Iguape, no Litoral Paulista. Concordei, mesmo sem ter a garantia de nenhum adicional sobre o meu salário. Certo que teria hotel e refeições pagas e aproveitaria para me divertir na Ilha Comprida, que já promovia um movimento emancipacionista – queria se tornar autônoma, deixar de pertencer a Iguape. Tanto Iguape como a Ilha me encantaram. Durante dois anos seguidos ia quinzenalmente às duas localidades, entrevistava políticos, comerciantes, moradores e escrevia as reportagens em casa. Iguape é uma cidade tranquila, próxima de Registro e Cananéia. Seu território engloba a reserva ecológica de Jureia e a praia com o mesmo nome – uma das mais lindas praias brasileiras.
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A Ilha Comprida atrai pela extensão de sua orla e pela facilidade de acesso, melhorada com a construção de uma ponte sobre o rio que separa as duas cidades. Cidades, sim, porque a Ilha conseguiu a sua emancipação e tem o seu próprio prefeito, seus vereadores, com seus assessores e funcionários burocráticos. Tanto eu gostei dessas duas localidades que recentemente, num dia, diante da gravidade da minha situação, conversei com a Ilca sobre a minha morte que, eu pressentia, me rondava persuasiva. Ela, com seu otimismo de sempre, passou a mão pela minha cabeça lisa, de cabelos raspados, e com ternura na voz, disse que iríamos ainda viver muitos anos juntos em uma casa tranquila em Iguape, com quintal com árvores e área suficiente para abrigar quantos cachorros e gatos eu quisesse. E mais, todas às tardes, nós pegaríamos o carro e rumaríamos para a Ilha Comprida, onde poderíamos passear, descalços, pelas areias da praia. Essa visão futura da minha velhice me deu um certo alento, me confortava e me devolvia as forças para enfrentar a doença e alimentar a esperança de uma vida longa e com saúde, ao lado da Ilca.
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Desentendimentos com o Maciel provocaram a minha saída dos jornais por ele editados. Voltei a ficar desempregado, mas, desta vez, por pouco tempo. Indicado por Ademir Medici, uma missionária me procurou e propôs escrever um livro sobre o problema dos índios Macuxis, que viviam em uma ampla reserva em Roraima, extremo norte do país, em constantes conflitos com os fazendeiros, garimpeiros e os seus respectivos jagunços. Ofereceu-me um bom dinheiro, caso eu aceitasse ir até a região, de avião, e entrevistar os indígenas, em sua aldeia, e relatar tudo em um livro. O pedido tinha o aval de dom Aldo Mongiano, arcebispo daquele estado nortista. Aceitei e foi uma das experiências mais dolorosas de minha vida.
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Tinha decidido parar de fumar havia poucas semanas e planejava, também, deixar o vício do álcool. Diziam que era mais fácil se livrar do fumo do que do álcool. Eu, no entanto, não sentia muito a falta do tabaco, embora minha mulher tenha relatado, tempos depois, que eu virara uma “pilha de nervos”, me irritava com qualquer coisa e não cessava com reclamações, uma mais esdrúxula que a outra.
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Só tinha estado uma vez em Roraima, a serviço do Jornal do Brasil. Achava que Manaus era uma cidade quente, mas Boa Vista parecia superar capital amazonense em alta temperatura. No aeroporto, fui recebido por emissários da diocese, que me conduziram para um enorme casarão situado na zona central de Boa Vista. Não demorou muito, após um banho frio e troca de roupa, recebi a visita da missionária responsável pela minha vinda para essa nova missão relacionada com índios. Ela me informou que o arcebispo me esperava para uma reunião. Conversamos durante mais de uma hora e, como já estávamos no mês de abril, quando oficialmente há um dia dedicado ao índio, aproveitei para fazer uma entrevista sobre a situação dessa raça no Brasil e, em especial, em Roraima, com a tribo dos macuxis.
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Sobre esse tema, dom Aldo Mongiano me entregou artigo, escrito por ele, publicado no Jornal do Brasil, onde questionava, em certo trecho: "em Roraima, se diz que, sem as terras indígenas, o Estado se torna inviável. Essa afirmação não tem fundamento. Deverão os índios ser sacrificados para salvar a sociedade roraimense? Se pensarmos no atual sistema sócio-econômico do Brasil, mesmo ocupando as terras dos índios com muitas ou poucas riquezas naturais, não serão resolvidos os problemas da sociedade branca, nem em nível nacional nem regional, pois os bens produzidos serão sempre encaminhados para a minoria rica".
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Finalizava: "uma máquina foi montada de forma engenhosa para aliciar e fazer ver que entre índios e brancos há harmonia. São churrascadas, festas, corridas de cavalos para atrair o índio desprevenido e tentar mudar, artificialmente perante ele, a imagem da sociedade envolvente e invasora. Paralelamente, diz-se aos índios que se não aceitaram a demarcação recortada, como a sociedade envolvente quer, o governo deixará de auxiliar as comunidades indígenas nos setor de saúde, educação, agricultura. Como se vê, o método de sempre: aliciamento e ameaça. Também é um só o objetivo: ocupar terras indígenas".
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No dia seguinte ao encontro com o arcebispo, viajei em uma caminhonete até a aldeia dos Macuxis, denominada Maloca Santa Cruz, localizada no pé de uma montanha. Essa maloca se destaca como o principal núcleo da reserva indígena Raposa-Serra do Sol, onde viviam na década de 90 do século passado mais de 25 mil índios. Eles ocupavam quase 54 mil hectares, área geograficamente localizada no município de Normandia, na fronteira do Brasil com a República Cooperativa da Guiana, ex-possessão do governo britânico.
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Minha missão era gravar o relato dos indígenas mais expressivos da tribo e repercutir a situação por eles vivida, destacando o assassinato de dois índios: Damião Mendes e Mário, por jagunços a mando do fazendeiro Newton Tavares. Mas, sob o sol ardente e um calor de quase 40 graus, sem apetite e, portanto, sem me alimentar, tomava doses de cachaça, que havia trazido escondido. Era o vício a me perseguir nos rincões mais distantes. Esse abuso me levou a enfrentar violenta diarréia, resultando em uma infecção intestinal e, em seguida, sinais evidentes de hemorróida. Vou morrer aqui neste fim de mundo, longe das pessoas que mais quero, pensei, olhando para a imensidão da floresta a me rodear...
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Na próxima quarta-feira, o vigésimo capítulo de "Memória Terminal", do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. O Prêmio Esso de Jornalismo é o mais tradicional, mais conceituado e o pioneiro dos prêmios destinados a estimular e difundir a prática da boa reportagem, instituído em meados da década de 50.
(Edward de Souza/ Nivia Andres).
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segunda-feira, 23 de agosto de 2010


FALTA DISCUTIR ECONOMIA

NOS DEBATES


No debate dos candidatos falta o principal:
discutir política econômica em profundidade
e com palavras que todos entendam!

O que tem a ver sua vida com o mercado siderúrgico internacional? De repente, como já aconteceu, o mundo da economia assinala uma super-oferta mundial de aço. O que isso tem a ver com seu cotidiano? Aparentemente, nada. Essas notícias você nem quer ler nos jornais, passa por cima, e vai direto para os cadernos que dizem mais de perto ao seu dia a dia e interesses mais urgentes. O único detalhe é que os automóveis são feitos de aço. Na hora de comprar um novinho, sem saber, você vai pagar mais, ou menos, por causa do preço dessa matéria prima.

O que isso tem a ver com as eleições que estão chegando? Tudo! A economia está toda interligada, e tanto o preço do aço de um carro de luxo, como o do custo de plantar abobrinhas ali no cinturão verde de Mogi das Cruzes, tudo, de alguma forma, vai se refletir no seu bolso, ou seja, na sua capacidade de consumo. Mas a economia não é um processo autônomo, com vida própria, que muda por mero capricho de alguns. Ela é totalmente dependente das decisões políticas. E as decisões políticas, por sua vez, dependem de quem está no poder, tanto nos cargos executivos, como legislativos. Uma lei, por exemplo, que reduza determinados impostos sobre a produção, terá efeito direto e imediato nos custos, na competitividade, no preço final ao consumidor.

A indústria que fabrica máquinas para as fábricas se chama setor de bens de capital. Se esse setor for estimulado com uma política de financiamentos, juros baixos, isenções, etc., fomentará o desenvolvimento do país, vai gerar empregos, abrir as portas para novas tecnologias. Tudo isso que, no final, será o conforto que você encontra em sua própria casa, no trabalho, nos shoppings, nas ruas e estradas. Este computador em que você agora está lendo e escrevendo é um dos grãos dessa mega espiga. Se você agora tem um em casa, outro no trabalho, e pode comprar um usado a preço de banana, é porque num certo dia foi revogada uma lei da ditadura denominada “reserva de mercado”, que proibia a importação de computadores. O fim desse monopólio nacionalista burro, destinado a enriquecer determinados grupos ligados ao poder, chegou muito tarde e isso atrasou nosso país durante vários anos. Existiu por causa da política, e foi extinto graças à política. Quando você liga a luz da sua casa, começa a pagar uma tarifa que depende de decisões políticas. A conta do telefone também. E vai por aí. Olhe em volta. Quase tudo ao seu redor tem um preço que lá atrás, na origem, foi definido a partir de uma política econômica. O impacto final, amigos, é sempre nos nossos bolsos. E o pobre, sem renda, ironicamente é sempre o que paga mais, porque as alíquotas perversamente são iguais para todos. Geralmente as pessoas só se lembram disso na hora de pagar o IPTU, IPVA, IR e outros tributos. Mas quando bebem uma simples Coca-Cola, sem saber, pagam também imposto, que todas as empresas repassam nos preços. Nos Estados Unidos é o “plus tax”, cada consumidor sabe quanto está pagando de imposto em cada compra. Aqui, é simplesmente embutido, e entra como custo do produtor. A cada segundo, em tudo o que você faz, estão presentes a economia e a política, de forma invisível, e às vezes nem tanto.

Espanta-me, pois, que nestes debates entre candidatos ninguém faça perguntas como estas: Qual é sua posição em relação à independência do Banco Central? O que acha da política atual de incentivo às exportações? O que mudaria na política cambial? O que pensa sobre o salário mínimo e o que faria para aumentá-lo, e com que recursos? Como analisa a situação de penúria dos aposentados e que solução aponta? Que soluções sugere para tornar formal a economia informal? Como estimular a elevação do nível de emprego sem prejudicar conquistas dos trabalhadores? Como conciliar oferta de crédito, para expansão do consumo, com controle inflacionário? Qual é seu projeto energético na geração de alta tensão? Privatizar ou estatizar, em que setores? Como será sua proposta orçamentária, sem negligenciar prioridades, mas também sem quebrar o país?

A economia, pelo que vi até agora, não está presente no debate político. Só que é ela que vai continuar determinando nossas vidas. O Congresso hoje está todo loteado entre bancadas que representam setores específicos. Tem a ruralista, que representa os interesses do latifúndio, mas não existe a dos sem terra; existem os representantes dos interesses da agroindústria; a turma da indústria, do comércio. Surgiu até a bancada evangélica. Não conheço a bancada dos consumidores, nem dos desempregados, nem dos aposentados. É a turma sem voz e sem voto. Sem defesa e sem ataque. Não espanta que a discussão sobre um reajuste ínfimo no salário mínimo, ou para os aposentados, leve meses. Nem espanta, mas revolta, quando os parlamentares, legislando em causa própria, aprovam seu próprio aumento exorbitante em apenas duas horas, se tanto.

Não vou dizer em quem você deve votar, porque isso compete a você decidir, com sua consciência e se possível boa informação. Os discursos dos candidatos são todos óbvios e todos concordam que o país precisa de segurança, educação, saúde. Nisso as diferenças entre eles são mínimas. Tanto faz votar em Dilma, Serra, Marina, Plínio. Mas quando o debate entra no campo da economia, ai amigos, começam a aparecer diferenças, e não são poucas, nem superficiais.

Um exemplo: Serra é contra a independência do Banco Central. Dilma é a favor. A opinião da Marina ainda desconheço. O que vem a ser isso? Vamos lá: o Banco Central é o órgão que estabelece toda a política monetária do país. Administra as reservas cambiais (estoque de dólares em poder do país). Emite, vende e compra títulos, para regular o mercado e evitar crises. Abriga siglas que estão todos os dias nos jornais, como Copom – Comitê de Política Monetária; CMN – Conselho Monetário Nacional, entre outras. Uma das suas muitas tarefas é fixar a taxa de juros, que regula a oferta de crédito e mantém o controle inflacionário. Outra, a partir da Constituição de 1988: compete exclusivamente ao BC a emissão de moeda. Para ficar fácil de entender, imagine que o Tesouro Nacional é apenas o cofre, e a Casa da Moeda a fábrica que faz o dinheiro. Mas a decisão de emitir parte exclusivamente do BC, através dos seus conselhos técnicos, com representantes dos bancos, setores produtivos e até dos trabalhadores. Antigamente, o Executivo tomava essa decisão e promovia inflação. O governo JK foi o campeão disso, para construir Brasília. Na prática, era como se o governo pagasse suas contas com vales, porque não havia lastro. O endividamento público ficava astronômico, e quem iria pagar a conta seriam os presidentes seguintes. Os sucessores tinham que administrar com reduzido superávit primário (sobras de caixa, depois das despesas e custeio).

As decisões do BC são técnicas e não políticas. Mas o BC não faz o que bem entende. Seu presidente, indicado pelo presidente da República, só assume depois de sabatinado e aprovado em votação secreta pelo Senado. A qualquer momento pode ser convocado para prestar esclarecimentos ao Congresso (deputados e senadores). Sendo independente, o BC tomará sempre medidas técnicas para controlar a inflação, estabelecendo metas sazonais e adotando as medidas para cumpri-las. É por causa dessa independência que o presidente da República não tem poderes sobre a taxa de juros, não sendo raro até criticá-la. Se o BC deixar de ser independente, suas decisões passarão a ser derivadas não de critérios técnicos e sim políticos, dos poderes Executivo e Legislativo. As duas situações têm vantagens e desvantagens, nenhuma é perfeita, a ponto de excluir a possibilidade da outra. Há países em que o BC não é independente. Em outros, como o Brasil, é. Quando a política monetária dá certo, ou errado, a primeira responsabilidade é desse órgão. Os presidentes, todos, gostam de assumir como deles os sucessos do BC, porque o povão não entende essa estrutura. O BC erra? Lógico, acontece. Mas também acerta, e diria que na maioria das vezes, vide a estabilidade atual da economia brasileira. O BC dos Estados Unidos é o FED, que já errou muitas vezes. O problema é que os erros deles respingam na economia mundial.

Nem Serra, nem Dilma, são irresponsáveis num assunto tão crucial. Apenas divergem, e este seria, no meu modo de ver, um debate muito interessante, para aprofundar em todas as suas conexões macroeconômicas. Tem tudo a ver com nossas vidas no futuro. Mesmo para quem nem desconfia disso.

É necessário ainda desmistificar o economês. Ele foi criado justamente para distanciar as pessoas comuns das grandes decisões e engrenagens que movem os interesses dos poderosos. Sem entender, ninguém contesta. E mais: o economês intimida. Ninguém gosta de admitir ignorância. Mesma opressão da linguagem jurídica hermética e inacessível aos mortais. Tudo é traduzível, para que o povo entenda. Mas será que interessa que o povo saia da sua eterna ignorância?

As biografias dos principais candidatos se equivalem na origem, de pessoas simples, e convergem na vocação democrática. Todos combateram a ditadura, ainda que com métodos diferentes, e arcando com danos também diferentes. Suas propostas para o Brasil são muito parecidas nos mais diversos temas. As diferenças começam a aparecer, de fato, quando se entra em política econômica. Eu concentro toda minha atenção nessa área. Foi nela que já decidi meu voto.

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*Milton Saldanha é jornalista, escritor, tangueiro e sonhador.
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domingo, 22 de agosto de 2010


SEQUESTRO RELÂMPAGO


Rotineiro e banalizado hoje em dia, o sequestro relâmpago é uma das modalidades de crime rentáveis aos marginais e traumáticas às vítimas. Esse tipo de delito acontece em número assustador todos os dias, principalmente nas grandes cidades. Tive o "prazer" de sofrer dois, em épocas diferentes e que serviram para lembrar que "o raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas despenca duas vezes na mesma cabeça", com estragos consideráveis. O primeiro, em 1993, ocorreu em um sábado à noite, no portal de uma casa noturna, localizada na Estrada Velha do Mar, a beira da Represa Billings, no Riacho Grande, São Bernardo. Quatro rapazes, em idades calculadas entre 16 e 25 anos, todos armados, me abordaram e, com um deles ao volante do meu carro, me obrigaram, sem nenhuma gentileza (ao contrário) a passar para o banco traseiro e em alta velocidade deixaram a Estrada Velha e entraram na Rodovia Índio Tibiriçá, sentido São Bernardo/Mogi das Cruzes; uma via de pista única e com tráfego intenso dos dois lados.
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O cara que dirigia, parecia ser menor, conduzia minha Brasília reluzente, incrementada e de dois carburadores como se estivesse nas pistas de Interlagos. Eu estava no meio dos outros dois no banco traseiro. Na frente, o "motorista" e mais outro ao lado. No agitado caminho, cruzando com carros, caminhões e ônibus, o rapaz que parecia comandar o trio, apenas me alertava: "calma tio, não vai acontecer nada ao senhor. Vamos dar uns lances (roubos) lá na frente. Se aparecer alguma barca (viatura policial) aí a coisa complica, já que não vamos nos entregar numa boa e pode sobrar para o tio". Aguenta coração.
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Sempre em alta velocidade rumaram para um local que, em virtude da escuridão e minha "paura", não reconheci, mas sabia onde estávamos e não era reconfortante. Lembrei, então, que o combustível de minha inseparável Brasília estava acabando, e iria abastecer assim que deixasse a casa noturna onde fui prestigiar a estreia de um amigo aqui de São Bernardo. Torci para acabar a gasolina, então os caras teriam que parar e me liberar, já que na Índio Tibiriçá existem apenas dois postos; um ficou para trás e o outro estava um pouco distante. Vale lembrar que a rodovia é conhecida aqui no ABC como Estrada da Morte (essa via, liga São Bernardo a Mogi das Cruzes, passando por Santo André, Mauá, Ribeirão Pires, Poá, Suzano e Mogi). Mas, o combustível não acabou. Deixamos a rodovia e entramos em uma estradinha de terra estreita.
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Eram aproximadamente 23h. Apenas com a luz dos faróis da Brasília iluminando, paramos no que deduzi ser o fim do caminho, já que seria impossível prosseguir. Antes, o cara que parecia ser o chefe havia me prometido: "tio vamos fazer um trato, a gente deixa o senhor ir embora com o carro, o tio não chama os "home" (polícia), assim tudo acaba bem pra todos". Já fora do carro, um dos moleques sentenciou: ”que nada mano a gente já apagou uns caras metidos a besta e não vamos deixar esse ‘véio” nos caguetar aos tiras”. Gelei, nem poderia ser diferente, mas o chefinho" ordenou: "senhor, pode entrar no carro e cair fora".
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Depressinha pulei para o banco do motorista, mas na hora de dar a partida, cadê as chaves? O pilantra que vinha dirigindo sumiu na escuridão carregando o chaveiro. "ei, como vou embora, se o rapaz levou a chave", arrisquei. O líderzinho então berrou: "mano" (em nenhum instante se trataram pelo nome), volta aqui com as chaves senão vai sobrar pra você, fiz um acordo com o tiozinho e vamos cumprir, não é tio?
O "mano" me entregou as chaves e o chefinho ainda me desejou boa sorte (ironia). Não podendo manobrar (o espaço não permitia) fui saindo de ré, sem enxergar nada (uns 300 metros), e encontrei a rodovia. Entrei para o lado que me deu na cabeça e depois de rodar cerca de 200 metros percebi que estava no rumo de Ribeirão Pires. Era o que eu queria.
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Então, minha querida e estimada Brasília se encarregou de mostrar que um amontoado de latas, embora conservada, não tem coração nem estima por ninguém. A gasolina acabou cerca de 50 metros de um posto de combustível com pouca iluminação, dando a entender que estava fechado. A pé, fui até lá. Deveria ser 23h30 (os "manos" levaram meu relógio de estimação e a grana que eu carregava). Entrei no posto onde um frentista veio me atender. Expliquei a situação e o rapaz mandou que fosse falar com o gerente, um gaúcho de quase dois metros, que me atendeu com cara de poucos amigos. Relatei o que ocorreu e pedi que liberasse alguns litros de gasolina pra chegar ao Centro de São Bernardo, onde eu residia. Falei que os "manos" levaram minha grana, mas deixaram meus documentos. Mostrei ao Paulão (esse era o nome do gerente, soube depois), minha identidade e minha credencial de jornalista/radialista. Quando viu os documentos, Paulão berrou: "o senhor é o Lavrado que trabalha na Rádio Diário com o Rolando Marques, Edward de Souza e o Jurandir Martins no esporte? - "sim, sim, eu mesmo", respondi. O gauchão deu ordem para o frentista encher o tanque. Queria acionar a polícia para pegar os "manos", mas não permiti. Ele então disse que era sócio do Santo André, do qual não perdia um jogo, ouvindo a Rádio Diário do Grande ABC.
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Agradeci, liguei a traidora Brasília, e rumei para São Bernardo. Em casa, tomando meu banho, tremia e suava frio. Foi então que caiu minha ficha e me dei conta do perigo que havia passado, onde muitos, por menos, sucumbiram. Agradeci a Deus. Na manhã seguinte, domingo, com a equipe de esportes, viajei para Bragança Paulista, onde fomos transmitir um jogo do Santo André com o Bragantino. Durante a transmissão enviei, discretamente e sem detalhes, um abraço ao Paulão e na terça-feira fui ao seu posto pagar a gasolina e agradecer seu auxilio, este impagável. Na viagem contei a história ao Rolando, ao Ney Lima e ao motorista que conduzia a equipe. Nenhum deles disse nada, mas fiquei com a impressão que o silêncio dos três indicava que não estavam acreditando na minha odisseia. Deixei pra lá. Mais à frente, caso nosso amigo-irmão Edward de Souza autorize, conto como foi o segundo sequestro relâmpago, que durou pouco mais de dez minutos, porém não menos angustiante que o primeiro.
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Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no ABC.
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sábado, 21 de agosto de 2010

SEXTA-FEIRA, 20 DE AGOSTO DE 2010

MITOS E CRENDICES


J. MORGADO



As estradas com destino à Baixada Santista sempre tiveram um trânsito intenso algumas horas antes do término de cada ano. Milhares de veículos com seus ocupantes sofrendo um calor de mais de 37 graus. Na verdade, juntam-se aos numerosos turistas que, aproveitando a temporada de férias e os feriados consecutivos, já ali se encontram.

As ruas de acesso às praias ficam tomadas por veículos procedentes de várias partes do país.

Alguns milhares de pessoas passam a noite de 31 de dezembro para 1º de janeiro, dormindo nos carros sem nenhum conforto, suportando calor de mais de 30 graus. Sem sanitários, pouca comida, etc. aguentam com estoicismo a passagem do ano. E, logo em seguida, começam o retorno aos seus locais de origem.

As roupas formam um colorido interessante; branco, vermelho, amarelo, verde, etc. Cada uma com seu significado místico. Nas mãos, garrafas de espumante, cachaça, vinho...

A finalidade de tudo isso é pular a tal de sete ondinhas, fazer oferendas e pedir aos deuses saúde, paz e dinheiro (deveriam pedir paciência para enfrentar as dificuldades da volta). Não sei bem se e é essa a ordem dos pedidos. Provavelmente dependerá do estágio evolutivo de cada um.

Não vai aqui nenhuma crítica ou censura a quem quer que seja mesmo porque, este é um costume, com algumas variações, dependendo das tradições de cada povo, em qualquer parte do planeta.

As sete ondinhas têm origem, segundo alguns, na Itália e segundo outros, de povos afros.

Esse rito se completa quando se usa roupas brancas, inclusive a calcinha ou a cueca.

A terapeuta holística Rúbia Galante (veja na Internet) diz que a lista de simpatias que se aplica nessa época do ano é muito grande e remonta a centenas e até milhares de anos.

Além das ondas, é comum passar o ano com uma nota de dinheiro no bolso, comer sete bagos de uvas ou o seu número de sorte. As lentilhas, as flores e um sem número de outras coisas são utilizados para atenderem as simbologias supersticiosas enraizadas na população, herdadas de seus antepassados, que nem mesmo sabem sua procedência.

A terapeuta completa: “As pessoas gostam de rituais. A simbologia das simpatias serve para intensificar o que você sente, mas as pessoas têm de entender que as soluções para seus problemas estão na força de seu pensamento”. Para ela (terapeuta), as superstições atrapalham a evolução.

Realmente, EVOLUÇÃO é a “palavra mágica”! Em pleno século XXI, a contar do nascimento de Jesus que nos deixou a frase “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao Próximo como a ti mesmo” que resume todo o ensinamento por ele transmitido que se encontra no Novo Testamento. A partir de 1857, com a introdução do Livro dos Espíritos, seguido de o Livro dos Médiuns e, em 1864, o Evangelho Segundo o Espiritismo, onde os preceitos cristãos são explicados sem as deturpações que os homens nele introduziram, durante séculos (ritos, mitos e crendices).

Nós, espíritas, devemos estar convictos de que não existem milagres e QUE DEUS NÃO REVOGA SUAS PRÓPRIAS LEIS, muito menos que somos regidos pela sorte. Se tal acontecesse, seríamos como marionetes nas mãos de um “destino brincalhão” que nos manusearia ao seu bel-prazer, divertindo os milhares de deuses criados pela imaginação de sabichões (sacerdotes ou sacerdotisas) para dominar pelo medo os povos de que faziam parte. Com isso, adquiriam poder e riquezas, governando, como iminências pardas, países inteiros. Como exemplo, basta nos reportarmos ao Velho Testamento, na passagem do afastamento de Moises para receber os Dez Mandamentos. O povo, liderado por um indivíduo astuto, resolveu criar o bezerro de ouro e adorá-lo como um deus. Isso faria com que eles se liberassem para a luxúria e outros prazeres que a Porta Larga oferece.

Acredito que seria muito mais fácil e confortável que, em vez de enfrentar inúmeros obstáculos, entre eles, acidentes com mortes a lamentar, a fim de pular as tais de sete ondinhas, as famílias devessem se reunir em torno do Evangelho e buscar as palavras de consolo e respostas para suas aflições.

No Capítulo XXI, item 10, do Evangelho Segundo o Espiritismo, há um trecho que diz “Repeli impiedosamente todos esses Espíritos que se apresentam como conselheiros exclusivos, pregando a divisão e o isolamento. Eles são quase sempre, Espíritos vaidosos e medíocres que tendem a se imporem aos homens fracos e crédulos, prodigalizando-lhes louvores exagerados, a fim de fascinar e tê-los sob a sua dominação. São geralmente Espíritos ávidos de poder que, déspotas públicos ou privados durante a sua vida, querem ainda vítimas para tiranizar após a sua morte. Em geral, desconfiai de comunicações que trazem um caráter de misticismo e de estranheza, ou que prescrevem cerimônias e atos bizarros; então há sempre um motivo legítimo de suspeição” (a mensagem é assinada por Erasto, discípulo de São Paulo, 1862) - Edição IDE- outubro/1984.

Nota-se, então, que o homem sempre foi influenciado por espíritos inferiores para criar as crendices, mitos e ritos a fim de satisfazerem desejos impuros, indo de encontro ao estado evolutivo em que se encontravam. Na sua ignorância ingênua, o ser humano não consegue perceber que é manuseado constantemente para praticar atos bizarros, inconsequentes, criminosos, etc...
A vinda de Jesus nos ensinando o Evangelho e a Codificação, colocando em seus devidos lugares o que foi deturpado por sugestão de “espíritos doentes”, trouxe a LUZ DA VERDADE, que os homens insistem em ignorar.

“Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade” (Allan Kardec).

Naturalmente, as superstições só terminarão quando o último sugestionado atirar no lixo o seu pé-de-coelho.
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*J. MORGADO é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista: jgarcelan@uol.com.br
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