segunda-feira, 6 de julho de 2009

UM DOS LIVROS MAIS VENDIDOS NO MUNDO

Um prédio elegante no centro de Paris; uma desconfiada
zeladora de meia-idade que tem um gato chamado Leon;
uma garota cáustica, às turras com a família;
um cavalheiro japonês sorridente e misterioso.
Com esses ingredientes díspares, Muriel Barbery
fez do romance “A elegância do Ouriço”
um dos livros mais vendidos
na França e em todo o mundo.
NIVIA ANDRES
*
"A ELEGÂNCIA DO OURIÇO"
*

À primeira vista, não se nota grande movimento no número 7 da Rue de Grenelle: o endereço é chique, e os moradores são gente rica e tradicional. Para ingressar no prédio e poder conhecer seus personagens, com suas manias e segredos, será preciso infiltrar um agente ou uma agente ou, por que não, duas agentes. É justamente o que faz Muriel Barbery em “A elegância do Ouriço”, seu segundo romance. Para começar, dando voz a Renée, que parece ser a zeladora por excelência: baixota, ranzinza e sempre pronta a bater a porta na cara de alguém. Na verdade, uma observadora refinada, ora terna, ora ácida, e um personagem complexo, que apaga as pegadas para que ninguém adivinhe o que guarda na toca - um amor extremado às letras e às artes, sem as diferenças de classe e de esnobismo que mancham o perfil dos seus muitos patrões. E ainda há Paloma, a caçula da família Josse. O pai é um figurão da política, a mãe dondoca tem doutorado em letras, a irmã mais velha jura que é filósofa, mas Paloma conhece bem demais o verso e o reverso da vida familiar para engolir a história oficial. Tanto que se impõe um desafio terrível: ou descobre algum sentido para a vida, ou comete suicídio e incendeia o apartamento da família no seu aniversário de treze anos. Enquanto a data não chega, mantém duas séries de anotações pessoais e filosóficas: os Pensamentos profundos e o Diário do movimento do mundo, crônicas de suas experiências íntimas e também da vida no prédio.
As vozes da garota e da zeladora, primeiro paralelas, depois entrelaçadas, vão desenhando uma espiral em que se misturam argumentos filosóficos, instantes de revelação estética, birras de classe e maldades adolescentes, poemas orientais e filmes blockbuster. As duas filósofas, Renée e Paloma, estão inteiramente entregues a esse ímpeto satírico e devastador, quando chega de mudança o bem-humorado Kakuro Ozu,um japonês com nome de cineasta que, sem alarde, saberá salvá-las tanto da mediocridade geral como dos próprios espinhos.
A história se passa quase inteiramente no edifício à Rua de Grenelle, 7, onde ambas residem. Paloma e Renée passam a vida preocupadas em apagar os traços de suas existências e têm bastante sucesso em se tornarem quase invisíveis aos outros, apesar de terem vidas interiores muito ricas e de quase não perderem nada do que acontece ao seu redor, principalmente quanto às intenções das pessoas que conhecem e seus preconceitos embolorados. Elas se protegem contra qualquer indiscrição, contra qualquer comportamento, que possa levá-las a serem descobertas, que possa revelá-las como as pessoas sensíveis que são, inteligentes, cultas e mordazes na caracterização dos habitantes do edifício e da sociedade francesa em geral. Só são descobertas por um novo residente, um oriental, japonês, que passa a viver neste abrigo de alto luxo da burguesia parisiense. Sua chegada ao edifício causa muita curiosidade da parte de seus moradores mais tradicionais. Ele, no entanto, assume que é realmente uma pessoa de fora, apesar de usar precisa e corretamente a língua francesa. É um estranho no ninho, que não precisa nem saber, nem se limitar às regras sociais estabelecidas e consegue estender sua amizade às duas mulheres, compreendendo-as e deixando suas personalidades florescerem. Com Kakuro Ozu elas podem ser naturais, verdadeiras e encantadoras.
O livro é pleno de observações de muito humor sobre a vida moderna; divertidas descrições do que é esperado no comportamento de cada um e irônicas coincidências que geram preciosas observações sobre literatura, linguagem, envelhecimento, psicanálise, e muitos outros aspectos do dia a dia atual. Tudo muito bem empacotado numa maravilhosa escolha de vocabulário, contrastes irônicos permeados por um tom jocoso e irreverente, ímpar. E para quem achou estranho o título, Paloma pode explicar: “A senhora Michel tem a elegância do ouriço: exteriormente, está coberta de espinhos, uma autêntica fortaleza, mas pressinto que no interior, também é tão requintada como os ouriços que são uns animaizinhos falsamente indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes.” Aliás, outra grande virtude do livro é mostrar que para ser refinado, culto, elegante e sensível, ninguém precisa ser rico, basta ter disponibilidade e querer aprender.
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*Nivia Andres, jornalista, graduada em Comunicação Social e Letras pela UFSM, especialista em Educação Política. Atuou, por muitos anos, na gestão de empresa familiar, na área de comércio. De 1993 a 1996 foi chefe de gabinete do Prefeito de Santiago, Rio Grande do Sul. Especificamente, na área de comunicação, como Assessora de Comunicação na Prefeitura Municipal, na Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACIS), no Centro Empresarial de Santiago (CES) e na Felice Automóveis. Na área de jornalismo impresso atuou no jornal Folha Regional (2001-06) e, mais recentemente, na Folha de Santiago, até março de 2008.

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