segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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Na tentativa de desanuviar um pouco o clima tenso dos últimos dias, carregado pelo noticiário cotidiano sobre catástrofes provocadas por excesso de chuvas, ou a falta delas, que assola várias regiões do Brasil, relatamos algumas aventuras por que passam os profissionais da imprensa esportiva. Na maioria das vezes, os personagens são figuras pouco conhecidas do público, porém tem igual ou mais importância de locutores, comentaristas ou repórteres. São os operadores de som, responsáveis pelo sucesso ou fracasso de uma transmissão externa.
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Um domingo de calor intenso, de uma tarde de março dos anos 80, a equipe de esportes da Rádio Diário do Grande ABC estava na cidade de Novo Horizonte para transmissão de um jogo de futebol entre Novorizontino e Santo André, pelo Paulistão. O time da casa debutava no campeonato e tudo na cidade referente ao futebol era novidade. O estádio da cidade passou por reformas improvisadas como a construção de arquibancadas e cabines de Imprensa para o que campo pudesse ser aprovado pela Federação Paulista de Futebol (FPF). Para tanto, foi necessário dividir uma avenida em dois espaços para abrigar as novas instalações. A praça em frente ao campo fervilhava, já que, mesmo sendo um time modesto, o Santo André era atração.
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Para alcançar as cabines, os jornalistas passavam por, no mínimo, cinco portarias com a obrigação de apresentar a credencial aos fiscais do clube e da FPF. Superados os obstáculos, chegamos ao espaço reservado à Rádio Diário. Um tanto atrasado com as paradas pelo caminho para a apresentação do documento, nosso operador de som, Aristides Murara, jovem de cabelos longos e encaracolados, porém de pavio pequeno, não conseguia fazer contato com a central da rádio, em São Bernardo. O tempo passava e essa pendenga irritava cada vez mais o pessoal da equipe, especialmente eu que comandava o grupo e ficava no pé do rapaz, já a ponto de explodir. Murara corria entre a cabine, o campo, (onde estava a linha do repórter) e, claro, se desgastava em discussões com o pessoal da telefônica, responsável pela conexão Novo Horizonte/São Bernardo.
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Em determinado instante entra na cabine uma moça, identificando-se como Salomé e dizendo ser relações públicas do G.E. Novorizontino. Interrompeu nosso trabalho, já que o espaço da cabine era pequeno, uma vez que lá se encontravam dois caras da telefônica, o Murara, eu, e o narrador Edward de Souza. O clima era tenso, habilmente ignorado por Salomé. Simpática e falante (não poderia ser diferente) a moça, mesmo percebendo nosso desespero por não conseguir colocar a rádio no ar, falou que o clube iria presentear cada integrante da Imprensa com um par de sapatos oferecido por uma fábrica da cidade. Para tanto ela precisava saber o número que cada um calçava.
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Por azar, ou destino, Salomé elegeu o Murara como o primeiro a revelar o tamanho de seu calçado: "por favor, senhor, qual o seu número?", perguntou Salomé. Com o fone nos ouvidos, irritado, vermelho do sol e espumando de raiva, Murara reperguntou: “não entendi, quer repetir". A moça, com uma prancheta e uma caneta nas mãos, renovou o apelo: "qual o seu número?". Sem atinar direito o que Salomé queria, e lembrando o bando de fiscais que lhe pediram o número da credencial, Murara foi curto e grosso: "254 e, por favor, deixa a gente trabalhar". Salomé não entendeu bulhufas e, sem se despedir, deixou a cabine. Mesmo tensos com o piripaque da linha, todos caímos na gargalhada. Murara forneceu a Salomé o número de sua credencial. Pendenga com a linha resolvida, jogo transmitido, retorno a São Paulo, o assunto, até pra descontrair, foi o presente prometido pela Salomé, que, claro, nunca chegou a nossas mãos, muito menos aos pés.
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Um ano depois o Novorizontino já possuía outro estádio, mais moderno e aconchegante, construído em uma das fazendas de seu presidente, Dr. Jorge Ismael de Biasi, um dos agropecuaristas mais abastados da região. Das cabines de imprensa podia se avistar as vacas pastando tranquilamente. Voltamos a Novo Horizonte outras vezes, porém nunca mais tivemos notícias da simpática Salomé. O mesmo Aristides Murara, meses depois, se envolveu em pendenga com um fiscal da Federação, pois estava sem camisa no campo do Guarani, em Campinas, uma tarde onde o calor beirava 40 graus. Porém isso é assunto para outro artigo, mais à frente, aqui neste blog.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC
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