quinta-feira, 18 de março de 2010


RÁDIO - PAIXÃO,

ROMANTISMO & REALIDADE (II)


"Deveríamos usar o passado como trampolim e não como sofá." (Harold Macmillan)

Muitas pessoas vivem vida longa e feliz adotando uma rotina pacata, sem passar por ondulações de um corcovear valente agitando emoções. Minha circulação ao longo da vida sempre se afinou com aventuras e decisões que me deram inteiro prazer. Seja nos afetos, em exercícios profissionais ou escolha de caminhos, fui cavalgando de maneira diligente minha história.

Não tenho críticas para quem adotou vida calma, todavia, não conseguiria dormir com a serenidade, sem busca e velocidade. Se existe antagonismo e aventura em ser hoje interno seminarista e amanhã servir em uma trupe circense, eu exercia funções antagônicas. Minha mãe desejava um padre na família, desejo que me levou interno ao Seminário Santo Afonso, em Aparecida do Norte, ordem religiosa Redentorista fundada em Nápoles (1732) por Santo Afonso de Liguori. A vocação sacerdotal não inibiu meu trabalho futuro como ponto de teatro, no centro do palco, oculto por um alçapão, apontando para os atores o texto da peça. Eis aí relembranças da adolescência.

A ausência do chefe da família, falecido aos 53 anos, cobrou-me participação mais presente na qualidade de mais velho dos descendentes. De retorno a minha cidade ocorreu minha contratação por forte empresa comercial que vendia do alfinete ao caminhão. Incluía em seu conglomerado uma Casa Bancária de alto poder e influência regional: Organização Hygino Caleiro. Passei a produzir e apresentar com seu patrocínio exclusivo o maior programa de auditório de toda a região, “Variedades Hertzianas”. Conseguimos nível elevado de sucesso e várias apresentações de nossos artistas de Franca no programa Cezar de Alencar, na Rádio Nacional.

Ao mesmo tempo, Silveira Lima, meu contemporâneo do Rio, inclusive da Rádio Mauá, foi contratado pela PRA7 de Ribeirão Preto. Fala fácil, atraente, em auditório era concorrente respeitável. Eu em Franca fui abordado pela Rádio 79, de Ribeirão, para lançamento de um programa. Acumulei Franca com Ribeirão, para onde viajava uma vez por semana - quintas -, nos ônibus de estradas poeirentas, vestindo o antigo guarda-pó. Provavelmente, minha platéia de hoje nem sabe o que é. Fui rivalizar audiência com Silveira Lima no programa que criei: “Enquanto o tempo passa”. Foram momentos e glórias maravilhosas, gente de nível musical acima da média, onde posso destacar Armandino no violão, com desempenho de mestre a dedilhar cordas que faziam chorar.

A Renner SA ganhara destaque nacional em roupas masculinas quando já contávamos com seu patrocínio: “Informativo Renner” na Radio Hertz, negociação que entabulei compromissando-me a apresentá-lo várias vezes por dia. Uma longa história do rádio será contada a seguir e relativa à formação de redes das emissoras do interior. Entre elas, participei do grupo de Emissoras Coligadas, empresa que chegou a deter o domínio de 33 organismos espalhados por São Paulo, Minas e Paraná. Ulysses Newton Ferreira, baiano, chegado ao Rio na adolescência para trabalhar na portaria do Hotel dos Estrangeiros, cujo cunhado Arthur era o gerente. Era o hotel de maior expressão no Brasil por volta de 1865 e assim permaneceu na Praça José de Alencar, próximo ao Largo do Machado, local do assassinato à traição de importante político brasileiro, natural de Cruz Alta, RS, o senador Pinheiro Machado, em 8 de novembro de 1915. No saguão do hotel, foi apunhalado pelas costas, perda irreparável para o mundo político.

Aprovado em concurso do Banco do Brasil, Ulysses assumiu sua função de funcionário da agência de Jaú, SP. Inicia-se, assim, a vida de um grande empreendedor na radiodifusão brasileira. Uniu-se por casamento com Maria da Gloria Fagundes Ferreira, de tradicional família jauense. Já atuando na área com sua primeira emissora na cidade, continuou no Banco do Brasil, adquirindo novas transmissoras em Marília, Lins, Presidente Prudente e Franca, concluindo por chegar ao domínio de 33 emissoras, nas mais expressivas regiões do país.

Vivendo exclusivamente como profissional de microfone, não me ocorrera em algum momento pensar em administração. Meu tempo era aplicado no rádio, preencher espaços com criatividade nos programas de auditório, - ainda hoje copiados pela TV - dinamizar e avançar na informação jornalística do rádio, dando-lhe urgência e instantaneidade. O rádio traduzia as esperanças de meu sonho que não era pequeno por fortemente vivo em meu projeto de vida.

Foi quando Pedro Dermínio, francano e contador, foi destacado por Ulysses novo gerente da Radio Hertz. Acostumado na capital, nos escritórios centrais da empresa, não sentia qualquer prazer em retornar ao ninho antigo. Atraiu-me para que assumisse a função de gerente, indicando-me ao diretor Ulysses Newton Ferreira. Atendendo a chamado, fui por primeira vez a uma entrevista com o líder que se tornaria meu grande instrutor de negócios, meu amigo detentor dos títulos que pude conhecer em um homem sério, arrojado e progressista. Participei de seu projeto com amor e fidelidade. Era ele nossa vocação a construir crescente desenvolvimento e modernidade no rádio brasileiro. (continua)

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*José Reynaldo Nascimento Falleiros (Garcia Netto), 81, é jornalista, radialista e escritor francano. Autor dos livros Colonialismo Cultural (1975); participação em Vila Franca dos Italianos (2003); Antologia: Os contistas do Jornal Comércio da Franca (2004); Filhos Deste Solo - Medicina & Sacerdócio (2007) e a novíssima coletânea Seleta XXI - Crônicas, Contos e Poesias, recentemente lançada. Cafeicultor e pecuarista, hoje aposentado. A Série Relembranças II será editada em capítulos semanais, às quintas-feiras - uma revisita do profissional de memória privilegiada, à história do Rádio Brasileiro, que se confunde com a sua própria história.
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