quinta-feira, 14 de maio de 2009

O RÁDIO DE VÁLVULA E A COPA DO MUNDO

Edward de Souza
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Anos dourados
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Antigamente, no final dos anos 50, a vida era muito diferente. Tempinho bom, onde eu corria em rua de barro, empinava pipas e jogava bolinhas de gude. Lembro-me dos tombos nos inúmeros campos de futebol que existiam em todos os lados da cidade de Franca, de 80 mil habitantes, hoje com mais de 350 mil moradores. A "molecada" nem sonhava que um dia inventariam a televisão com desenhos animados, videogame, computadores, jogos eletrônicos, celulares, enfim, uma parafernália de novidades que acabariam por transformar as ruas, outrora poeirentas, os "campinhos" de futebol, os velhos pastos e riachos de águas claras, em autódromo para "assassinos" do volante atropelarem e matarem velhinhos indefesos.
1958, Copa do Mundo na Suécia e eu estava na casa dos meus avós. Não me esqueço o dia em que grudei num velho rádio de válvulas e junto com vovô e outros tios, ouvi emocionado os jogos do Brasil na Suécia, com transmissão de Pedro Luiz e comentários de Mário Moraes pela Rádio Nacional de São Paulo, hoje Rádio Globo. A voz do locutor narrava às peripécias de um jovem negro, de apenas 17 anos, prestes há completar 18 anos. Ao seu lado, mitos como Nilton Santos, Djalma Santos, Didi, Gilmar dos Santos Neves, Vavá, Bellini, Zagalo, e o já consagrado Garrincha, entre outros. Em cima do rádio, um gramofone amarelo usado pelo meu avô para ouvir Francisco Alves, Carlos Galhardo, Orlando Silva e outros, em 78 rotações. Vovô Joaquim, italiano falante, gesticulava e gritava sempre que ouvia a voz emocionada de Pedro Luiz gritando, lá no fundo, o nome de Garrincha e Pelé. Os gols iam saindo, com os pés, de cabeça, na cobrança de uma "folha seca" através de Didi, e o Brasil estava novamente, depois de 1950, numa final de Copa do Mundo, graças ao talento desses 11 jogadores e dos fora-de-série Garrincha e Pelé. A final seria contra os anfitriões, a Suécia. Meu avô e tios prepararam uma grande festa. No fundo sabiam que essa Seleção Brasileira não era a mesma de 1950, que fez chorar milhões de brasileiros ao perder a final por 2 x 1, em pleno Maracanã, para o Uruguai, quando precisava apenas de um empate. Essa tinha Garrincha e o endiabrado "neguinho" que fazia gols de todas as formas e, com menos de 18 anos, encantava o Mundo. O jogo começou e lá estávamos nós ao pé do rádio novamente. Minha avó Anita colocou as panelas de pipocas, o vinho e o refrigerante que eu tomava nervoso ao ouvir os gritos da improvisada platéia em volta do velho rádio com válvulas. Fui tomado de grande emoção e jamais me esquecerei disso, quando Pedro Luiz anunciou o início da grande final na Suécia. Mais do que nunca o Brasil precisava do talento daqueles maravilhosos jogadores, das fintas de Garrincha, dos gols de Pelé, do talento de Nilton Santos, da segurança de Gilmar dos Santos Neves, Bellini, Djalma Santos, etc. 4 minutos de jogo e um silêncio na sala. Gol da Suécia. A primeira panela de pipocas caia ao chão ruidosamente. Os grãos se misturaram com as lágrimas desse menino que, nervoso, não se continha, apesar de ser consolado pelo avô, que dizia: "nós ainda vamos ganhar, temos Garrincha, Pelé"... Impaciente, eu andava para todos os lados, vendo minha avó varrendo o chão e logo depois colocando mais pipocas perto do rádio, desta feita ao lado de um delicioso bolo de fubá. Não demorou muito e o grito de gol do Brasil encheu a sala. Garrincha havia entortado a defesa sueca e Pelé entrou para empatar o jogo. Os gritos de alegria impediram que pudéssemos ouvir a queda da segunda panela de pipocas ao solo. Coitadinha da vovó Anita, paciente, limpava o chão e preparava mais. Eu me perguntava, será que ela também, italiana, torcia pelo Brasil? A resposta veio rapidamente, quando ela gritou para meus tios Nenê e José:
- Aumentem o rádio, não estou ouvindo direito aqui da cozinha.
Estávamos em outros tempos e a comunicação era difícil, complicada até. Mas era através das maravilhosas ondas hertzianas que o Brasil havia parado nesse mês de junho de 1958. Foi através do milagre do rádio que milhões de brasileiros, do Iapoque ao Chuí gritaram histéricos o segundo gol brasileiro, de virada, em plena Suécia. Depois o terceiro e o quarto gol. Não importavam, nessa altura, quantas panelas de pipocas haviam caído ao chão. Nem mesmo quando a Suécia esboçou uma reação ao fazer seu segundo gol. Viria o quinto. Pelé selava o placar e fazia chorar todos os brasileiros. Brasil 5 x Suécia 2. Abraços e choros incontidos. O Brasil era, pela primeira vez, campeão do mundo. Hoje, sinto saudades daqueles tempos, do futebol mágico de Garrincha e Pelé, dos meus avós que se foram e de quem não me despedi direito; sentir saudades é sinal de que se está vivo!
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*Edward de Souza é Jornalista e radialista. Trabalhou nos jornais, Correio Metropolitano, Folha Metropolitana, Diário do Grande ABC e O Repórter, da Região do ABC Paulista. Em São Paulo, na Folha da Tarde, Gazeta Esportiva, Sucursal de "O Globo", Diário Popular e Notícias Populares, entre outros. Atuou nas Rádios: Difusora de Franca, Brasiliense de Ribeirão Preto, Rádio Emissora ABC, Diário do Grande ABC, Clube de Santo André, Excelsior, Jovem Pan, Record, Globo - CBN e TV Globo de São Paulo. Participou de diversas antologias de contos e ensaios. Assina atualmente uma coluna no Jornal Comércio da Franca, um dos mais tradicionais do interior de São Paulo.

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J. Morgado escreve artigo inédito amanhã no blog. "Sinceridade, um caminho para a evolução," será o tema abordado pelo jornalista nesta sexta-feira. Não deixem de ler e comentar esse artigo especial do final de semana. ( Edward de Souza).
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