sábado, 31 de julho de 2010

MAIS UMA DA SÉRIE ACREDITE SE QUISER

O encarregado de uma grande indústria de calçados, cujo nome, por motivos óbvios, vamos manter em sigilo, enviou ao blog as recomendações do Departamento de Recursos Humanos, aos empregados da firma, afixadas no mural da fábrica, que publicamos a seguir:

DA DIRETORIA AOS FUNCIONÁRIOS

INDUMENTÁRIA:
Informamos que o funcionário deverá trabalhar vestido de acordo com o seu salário.
- Se o percebermos calçando um tênis Nike de R$ 350,00 e carregando uma bolsa Gucci de R$ 600,00, presumiremos que vai bem de finanças e, portanto, não precisa de aumento.
- Se ele se vestir de forma pobre, será um sinal de que precisa aprender a controlar melhor o seu dinheiro, para que possa comprar roupas melhores e, portanto, não precisa de aumento.
- Se ele se vestir no meio termo, estará perfeito e, portanto, não precisa de aumento.

AUSÊNCIA DEVIDO À ENFERMIDADE:
Não vamos mais aceitar atestado médico como prova de enfermidade. Se o funcionário tem condições de ir até o consultório médico, pode vir trabalhar.

CIRURGIA:
As cirurgias são proibidas. Enquanto o funcionário trabalhar nesta empresa, precisará de todos os seus órgãos, portanto, não deve pensar em remover nada. Nós o contratamos inteiro. Remover algo constitui quebra de contrato.

AUSÊNCIAS DEVIDO A MOTIVOS PESSOAIS:
Cada funcionário receberá 104 dias para assuntos pessoais a cada ano. Chamam-se sábado e domingo.

FÉRIAS:
Todos os funcionários deverão entrar em férias nos mesmos dias de cada ano. Os dias de férias são: 01 de janeiro, 07 de setembro e 25 de dezembro.

AUSÊNCIA DEVIDO AO FALECIMENTO DE ENTE QUERIDO:
Esta não é uma justificativa para perder um dia de trabalho. Não há nada que se possa fazer pelos amigos, parentes ou colegas de trabalho falecidos. Todo esforço deverá ser empenhado para que não funcionários cuidem dos detalhes. Nos casos raros, onde o envolvimento do funcionário é necessário, o enterro deverá ser marcado para o final da tarde. Teremos prazer em permitir que o funcionário trabalhe durante o horário do almoço e, daí, sair uma hora mais cedo, desde que o seu trabalho esteja em dia.

AUSÊNCIA DEVIDO À SUA PRÓPRIA MORTE:
Isto será aceito como desculpa. Entretanto, exigimos pelo menos 15 dias de aviso prévio, visto que cabe ao funcionário treinar o seu substituto.

O USO DO WC:
Os funcionários estão passando tempo demais no toalete. No futuro, seguiremos o sistema de ordem alfabética. Por exemplo, todos os funcionários cujos nomes começam com a letra "A" irão entre 8h00 e 8h20, aqueles com a letra "B" entre 8h20 e 8h40, etc. Se não puder ir na hora designada, será preciso esperar a sua vez, no dia seguinte. Em caso de emergência, os funcionários poderão trocar o seu horário com um colega. Os supervisores dos funcionários deverão aprovar essa troca, por escrito, mas há um limite estritamente máximo de 3 minutos no vaso. Acabando esses 3 minutos, um alarme irá tocar, o rolo de papel higiênico será recolhido, a porta do box abrirá e uma foto será tirada. Se for repetente, a foto será fixada no quadro de avisos da empresa sob o título “Infrator Crônico”.

A HORA DO ALMOÇO:
Os magros têm 30 minutos para o almoço, porque precisam comer mais para parecerem saudáveis. As pessoas de tamanho normal têm 15 minutos para comer uma refeição balanceada que sustente o seu corpo mediano. Os gordos têm 5 minutos, porque é tudo que precisam para tomar um “Slim Fast” e um remédio de regime. Muito obrigado pela sua fidelidade à nossa empresa. Portanto, toda dúvida, comentário, preocupação, reclamação, frustração, irritação, agravo, insinuação, alegação, acusação, observação, consternação e “input” deverá ser dirigida para o RH com a carteira de trabalho em mãos.
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Atenciosamente
Diretoria de Recursos Humanos
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sexta-feira, 30 de julho de 2010


O BAÚ


Na frente da penteadeira ela podia ver o quarto.

Os lençóis de linho meio rotos e ainda do enxoval haviam sido atirados para o lado em vã tentativa de refresco, pois o calor do sol do meio da manhã esquentava demais o aposento.

Passou as mãos pelos cabelos e foi surpreendida, num repente, pelo passado.

De olhos fechados pretendeu recolher o imaginário feito de campos verdes com cobertura fofa entremeada de florezinhas amarelas. Surpreendeu-se menina, rindo de prazer ao colher os minúsculos ramalhetes que usava para decorar sua cabeça. Tudo para ela, em seu mundo, eram campos floridos.

Dividiu uma vez mais as madeixas e viu-se jovem, morando ainda na fazenda, encantada com aquelas paisagens, já com mostras de querer explorar não só essa sensação de liberdade, mas o misto de curiosidade e timidez, toda a vez que trocava olhares com um dos jovens empregados.

Um punhado a mais de emoções apanhadas em sua mente, ainda com os olhos fechados, ao se lembrar que ele lhe dera um pequeno buquê daquelas flores amarelas, para impressioná-la e mostrar que desde muito a observava.

Em silêncio, os dois conversavam através de olhares e desenvolveram tal aptidão de troca de sentimentos que o futuro já estava, assim, determinado. Acabariam juntos, embora as famílias resistissem ao enlace. Em silêncio, trançaram planos secretos em um dialeto próprio, feito de olhares e piscadelas. Aquele lençol era a testemunha silenciosa que a forçava a se recordar de tudo.

Uma mecha de saudades foi juntada, embora atravessada pela dor da perda súbita do companheiro. Seus devaneios bem vividos tentavam reunir o passado, lembrança que, volta e meia, a surpreendia e que ela fazia questão de conservar entrelaçada, como exercício para evitar definitivamente sua perda e, por isso, seu baú que descansava embaixo da janela do quarto foi arrumado com o que fora sua existência, organizada como uma longa cabeleira recém penteada.

As preciosidades conservadas ali por admiração acabaram enfurnadas. Levantou a tampa e, por baixo de tudo, viu o ramalhete de flores secas. Lembrou-se da mãe bordando o lençol de linho de seu enxoval, depois imaginou sentir o delicado roçar da grama verde em suas pernas e viu a cena de entrega daquelas flores, ora tingidas de marrom pelo tempo. Só o laço, tirado da roupinha do primeiro filho, ficara conservado.

Queria prender tudo aquilo, todo aquele seu tesouro e, para que o entrelaçamento de anos de felicidade não se desfizesse em longos fios desordenados, fechou o baú! Ao olhar suas mãos viu-se ainda segurando as flores secas, o início e o fim de todo o seu trançado de memórias.

A distração a fez selar o destino do buquê, através das prestimosas mãos da empregada.

*SILVANA BONI DE SOUZA é farmacêutica bioquímica, especialista em Homeopatia. Escritora de contos e crônicas, desde 2000 participa de projetos dinâmicos como estes dois conhecidos e já consagrados: http://www.vivasp.com/; http://www.carmenrochacontos.pro.br/, além do blog: http://www.deshortsnasiberia.com.br/, de sua autoria.

quarta-feira, 28 de julho de 2010




Cheguei em casa aliviado após o término da segunda fase da quimioterapia que, desta vez, incluiu nistatina, uma potente medicação capaz de derrubar um garanhão. Nessa semana em que fiquei no hospital, recebi a visita dos amigos de sempre: Paulo Pereira e Severino Ferreira da Silva, o Jacaré. E é conhecido por esse apelido de tal maneira que, um dia, ligaram para a sua residência, e pediram para falar com o “seu” Severino. Sua esposa, casada com ele há quase 40 anos, chegou a dizer: Olhe, aqui não mora nenhum “seu” Severino. Aqui, é a casa do “seu” Jacaré.
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Meu estado físico, durante essas visitas, deveria se encontrar em estado de penúria. Percebi tristeza em seus olhos e, o Paulo, como das vezes anteriores, saiu quase sem se despedir, cabeça baixa, talvez para ocultar os olhos molhados por lágrimas. Paulo é emotivo e, acredito, imaginava o amigo em seus últimos dias de vida. Em casa, pensei em como aproveitar os vinte e um dias que teria de folga, até iniciar a terceira semana. Essas perspectivas foram eliminadas já no segundo dia de descanso. Comecei a sentir fortes dores de cabeça, ânsias de vômito, diarreia e tonturas.

Cheguei a pedir para morrer a continuar sofrendo. Minha mulher tentava me acalmar. Nesse dia, cheguei a escrever um extenso recado para o Paulo Pereira. Só me lembrava de uma frase do personagem de Victor Hugo, em Os Miseráveis, Jean Valjean que, no leito da morte, dizia a Fantine, salvo engano, que “morrer é nada, não viver que é medonho”. Acredito que esta foi a primeira vez que senti o verdadeiro e mais profundo sentido dessa frase de uma pessoa consciente da aproximação da morte. A dor é muito mais forte, é uma dor que demonstra a fragilidade do ser humano e o quanto ele é vulnerável à doença.

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Três dias após chegar em casa, num sábado à tarde, percebendo a piora da situação, minha mulher decidiu me levar urgentemente para a ala de emergência do hospital. Fui, protegido por um fraldão, estirado no banco traseiro do carro. Em São Paulo, defronte ao hospital, não consegui andar e precisei ser conduzido em uma cadeira de rodas. Fomos atendidos de imediato e, o médico, logo de início diagnosticou febre alta e a necessidade de internação. Constatou-se, mais tarde, que eu estava com infecção hospitalar e, caso não fosse socorrido a tempo, teria perecido. Ainda meio alucinado, pedia para minha mulher não deixar que me internasse. Desejava voltar para casa. O médico, ouvindo minha súplica, foi direto: não poderia, em obediência aos seus princípios, liberar um paciente necessitado de cuidados médicos urgentes.

Lembro-me de ter sido levado para um quarto no terceiro andar do hospital, onde já se encontrava um paciente descendente de japoneses. Sei, ainda, que, deitado, acordei três vezes com um líquido amarelado sobre meu peito. Minha mulher e a enfermeira disseram tratar-se da abertura da sonda. Não era verdade. Eu vomitava, não conseguia segurar a medicação. Dormi e, dessa noite, não me lembro de mais nada. Pensava em ter alta no dia seguinte, mas acabei por ficar sob observação médica durante nove dias. Período em que o meu estado reuniu oncologista, cardiologista, infectologista e os especialistas da Central da Dor. Minha mulher me revelou mais tarde que, desta vez, ela pensou que eu não iria suportar. “Se fosse em outro hospital, você teria morrido”, disse. Quando o médico oncologista Ulisses Nicolau me deu alta, não sei se por brincadeira, me agradeceu minha contribuição pela descoberta de uma nova espécie de vacina.

Regressei na semana seguinte e os médicos, reunidos, concluíram que eu não suportaria continuar com o tratamento tradicional da quimioterapia. Optaram pela aplicação do Erbitux, um medicamento fabricado na Alemanha. Para conseguir autorização do plano de saúde para realizar o tratamento com esse novo remédio foi preciso contar com a ajuda da advogada Lívia Faé Vallejo, que entrou com processo judicial e obteve a liminar assegurando o cumprimento das determinações médicas. A essa advogada, sem dúvida, devo e continuarei devendo um pouco do que resta de minha vida. Esse novo tratamento consistiu em trinta sessões de radioterapia e sete de quimioterapia, este, uma vez por semana. Indagado se agora eu conseguiria ficar bem, um dos médicos, o otorrinolaringologista Ricardo Teste, me olhou fixamente e disse apenas: Mais ou menos.
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A pessoa possuidora de um tumor maligno começa a demonstrar interesse por tudo que se relacione com a cura dessa doença que, em tempos considerados antigos, mais exatamente na década 50 do século passado, era chamada de coisa ruim e praticamente sinônimo de morte. Por isso é que procurei ler de imediato uma matéria da revista Veja, de 20 de junho de 2007 (foto a esquerda), com a chamada no alto da capa, a direita: "Câncer - A esperança das terapias - alvo", que incluía uma das terapias que eu acabara de experimentar. Havia mais uma razão para justificar o meu interesse: depois do violento baque sofrido nas duas sessões de quimioterapia, o doutor Ulisses Nicolau percebeu que eu não suportaria continuar com esse tratamento e decidiu por um mais avançado, cuja ação se limitava a combater o tumor, as células malignas, sem matar as benignas. Adiantava: os planos de saúde não estavam autorizando esse tipo de tratamento e eu, nem minha mulher, tínhamos recursos suficientes para cobrir essas despesas. A advogada Lídia Faé Vallejo se ofereceu para entrar com uma ação contra a seguradora de saúde, que realmente indeferiu o tratamento na base do medicamento denominado Erbitux, fabricado na Alemanha. Conseguiu a liminar e comecei, então, o tratamento.
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E é por isso que a reportagem da revista me despertou a atenção. È de autoria de Anna Paula Buchalla. Essa jornalista cobriu o encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, realizada em Chicago, nos EUA, e , em certo trecho, afirma: em relação a dez anos atrás, a medicina avançou sobremaneira na compreensão de mecanismo envolvidos no desenvolvimento e no comportamento das células cancerosas. Agora, é possível traçar o perfil genético de diversos tumores, como os de mama e de pulmão. Essas informações, aliadas a análise genética do próprio paciente, levaram à criação de tratamentos individualizados – a atual meta na guerra contra o câncer. Ou seja, identificar que remédio funciona melhor para um determinado grupo de pacientes com características semelhantes. Algumas dessas armas estão disponíveis. E cita: esses medicamentos também são conhecidos como biológicos, agem de forma inteligente, impedindo a proliferação das células tumorais sem afetar as células saudáveis. Seus representantes mais difundidos são: Erbitux (cabeça e pescoço), Mabthera (linfoma), Herceptin (mama), Nexavar (rim), Glivec (leucemia), Sutent (rim) e Avastin (intestino). Em outro trecho, citava David Cameron, professor de oncologia da Universidade de Leeds, na Inglaterra, que dizia: o objetivo final é associar apenas medicamentos biológicos, eliminando a quimioterapia do rol de tratamento contra o câncer.
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Eu havia feito o tratamento com o medicamento Erbitux e, três semanas depois, sentia que não havia melhorado. Estava fraco, sem forças e quase sem esperanças de voltar a ter uma vida normal. O exame mais moderno de imagem que havia feito anunciava o diagnóstico: processo expansivo com epicentro na fosseta de Rosemüller e espaço retrofaríngeo esquerdos, e que se estende cranialmente por aproximadamente 4,2 cm, até a fossa média da base do crânio, onde promove destruição óssea da asa maior esquerda do esfenoide, do ápice do rochedo e côndilo occipital esquerdo. De todo esse diagnóstico, eu só entendi que o processo era expansivo e isso era o que mais me preocupava.
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Na próxima quarta-feira, o décimo sexto capítulo de Memória Terminal, do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. O Prêmio Esso de Jornalismo é o mais tradicional, mais conceituado e o pioneiro dos prêmios destinados a estimular e difundir a prática da boa reportagem, instituído em meados da década de 50. (Edward de Souza/ Nivia Andres) Arte: Cris Fonseca.
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Os leitores (as) que participarem com seus comentários no capítulo desta quarta-feira, irão concorrer ao sorteio de dois livros, um para cada premiado, escrito pelo jornalista José Marqueiz, intitulado "Villas Boas e os Índios", edição raríssima que não pode mais ser encontrada em livrarias, brinde oferecido pela Ilca, esposa do jornalista. "Villas Boas e os Índios" é um livro constituído de reportagens e entrevistas com os irmãos Cláudio e Orlando Villas Boas, resultado do trabalho jornalístico de José Marqueiz na selva brasileira, que lhe valeu o Esso Nacional de Jornalismo. Participem e concorram. ( Edward de Souza).
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segunda-feira, 26 de julho de 2010


MUSEU OSCAR NIEMEYER
35 mil metros de emoção a cada centímetro


Curitiba possui um tesouro que todos os brasileiros precisam conhecer. É muito fácil de achar, tem preços populares, e se chama Museu Oscar Niemeyer. Não é um museu qualquer. Enquanto você visita vai sendo surpreendido a cada momento, envolvendo-se em grande emoção.

Ali funcionavam repartições burocráticas do governo do Paraná. O conjunto foi totalmente reformado, com projeto de Oscar Niemeyer, este nome que orgulha o Brasil, por suas obras aqui e em muitos outros países.

São 35 mil metros quadrados de emoção a cada centímetro. Hoje, abriga exposições de pintura, desenho, escultura, design, fotografia, maquetes, etc., com dois acervos, um sempre temporário e outro permanente. Este último fica alojado no popularmente chamado “Olho”, uma fantástica torre apoiada por uma coluna em forma de parede, que contrasta em porte com a impressionante leveza que transmite. O “Olho” parece flutuar no ar, como uma nave branca que ali estivesse pairando e espreitando a cidade. A inspiração foi na copa da araucária, árvore típica do Paraná, mas o povo, sempre imaginativo, passou a chamar como “Olho”. Síntese de toda a genialidade de Oscar Niemeyer, esse humanista de incrível simplicidade e generosidade, hoje reverenciado pela arquitetura mundial.

Visitar o museu vale a viagem a Curitiba. Nem que seja só para isso. Se o conjunto arquitetônico estivesse vazio já seria, por si só, uma imperdível atração. Com seu conteúdo, torna-se cativante passeio da alma pelas profundezas dos sentimentos mais edificantes e que fazem a vida e o mundo valerem a pena. A defesa do homem e dos princípios que devem reger suas relações estão presentes literalmente nas paredes deste santuário da cultura brasileira. É como um templo que prega em seus escritos e obras a redenção dos oprimidos, fazendo a denúncia da violência, das guerras, ditaduras, fome e miséria. A arte engajada, com seu compromisso único de ser agente de transformação social, mas nem por isso piegas, explicita e óbvia.

É preciso buscar nos olhos das figuras esquálidas retratadas por um pintor como o equatoriano Guayasamín (1919-1999), por exemplo, a milenar dor legada pela civilização pré-colombiana depois do seu massacre pelo colonialismo ibérico. Em seus traços de gênio da pintura e do desenho, amado por Pablo Neruda, de quem era amigo, estão nítidas as influências dos muralistas mexicanos Orozco e Diego Rivera, Picasso, Portinari, Di Cavalcanti e outros guerreiros das telas, mármore e bronze. É impossível não ficar paralisado na frente dos quadros de Guayasamin, sorvendo cada detalhe dos seus traços, não sendo difícil também ser levado às lágrimas. Pena mesmo é que não fiquem ali por mais tempo, pois são patrimônio artístico do Equador e precisam voltar para casa. Só isso já dá uma dimensão do que é essa casa curitibana onde se respira cultura e sensibilidade a flor da pele. Mas tem muito mais. As fotos do peruano Martin Chambi, em preto e branco, feitas com uma câmera rudimentar, de fole, são épicas e remetem ao esplendor e miséria do altiplano andino. Basta trocar de sala e entra-se num mundo totalmente diferente e menos angustiante, com as 25 telas de artistas que retratam a serenidade do porto de Paranaguá e seus navios docemente ancorados. Ou, em outra, na vida mansa e acolhedora do interior mineiro, com aquele estilo puro e inocente, gostoso, cheirando a café com bolo de fubá.

Visitar o Museu Oscar Niemeyer, enfim, é uma necessidade das almas famintas por ternura. Vale a viagem.

Os funcionários são gentis, a organização impecável, banheiros que brilham, há uma cafeteria confortável e irresistível, livraria e loja esbanjando classe e bom gosto. Tudo de primeiríssimo mundo.

Atravessar o túnel branco, em curva, que liga o prédio ao anexo “Olho”, parece uma caminhada pelo espaço sideral. Até quem detesta lugares confinados, como eu, ali nada sente, exceto deslumbramento.

Em ampla área estão as maquetes das principais obras de Niemeyer pelo Brasil e mundo. Vale a pena demorar ali, conferir cada uma, em detalhes, e ler cada texto onde o próprio artista do concreto armado explica sua paixão pelas curvas que marcam intensamente seu estilo. Inspiração que vem de várias fontes, incluindo as sedutoras curvas das mulheres belas. A catedral de Brasília, obra de um ateu assumido, quem diria, com sua estonteante beleza lembra mãos que se erguem em súplica ao céu. Niemeyer é ousado, atrevido, desafiador. Mas, acima de tudo, um poeta. Sorte nossa que é também brasileiro!

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*Milton Saldanha é jornalista, escritor, tangueiro e sonhador.
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Para saber mais sobre o Museu Oscar Niemeyer, de Curitiba, acesse www.museuoscarniemeyer.org.br
Em visita à cidade, todo mundo conhece o local. Basta pedir ao taxista "Museu do Olho".
Aproveite, também, para conhecer o Jardim Botânico, cartão postal da cidade e um dos mais belos mundo.
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domingo, 25 de julho de 2010

NO TEMPO EM QUE O AMOR ERA ETERNO

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Sou da geração em que os namorados fugiam e o amor era eterno. Tudo acertado, na calada da noite eles desabavam num carro emprestado ou num lombo de cavalo e deixavam loucos pais e mães. A moça era levada à casa de um casal amigo das duas famílias que garantiam sua virgindade até a hora do casamento. Mas o estrago já estava feito. Uma moça de família passar uma noite com o namorado numa estrada ou em casa estranha! Era o bastante para vencer a resistência familiar e correr as proclamas, enquanto os dois fugitivos eram mantidos isolados um do outro, depois da prazerosa noite de amassos. Muitos pais sérios de hoje casaram nessa base, uma história romanesca e cômica.

Meu avô, no começo do século passado, percebendo que sua amada estava prometida para o filho de um rico fazendeiro, arquitetou um plano audacioso para a época, principalmente porque a jovem, que viria a ser minha avó, tinha pouco menos de 14 anos de idade. Montado num cavalo, pela madrugada chegou de mansinho e bateu na janela onde a jovem, acordada, o aguardava. E fugiram pelas ruas poeirentas de Franca. Amanheceram num posto policial da cidade onde se casaram, por ordem do delegado de polícia, que chamou o capelão para celebrar as núpcias. Antes, os pais dos noivos, furiosos, foram comunicados e mesmo contrariados, participaram da cerimônia. Tudo pela honra, afinal, uma menina de 14 anos, virgem, havia fugido de casa no lombo de um cavalo e passado a noite em companhia de um homem pouco mais velho. Um amor eterno, registraria a história, que só a morte conseguiu interromper, depois de 10 filhos e muitos e muitos anos de feliz e pacífica convivência.

Tempos depois, nos anos 50, 60, a vida continuava difícil para um adolescente. Para conhecer melhor aquela menina bonita da escola, precisava torcer para que ela aceitasse o convite para a matinê de cinema. Depois, tinha que conseguir a autorização dos pais. Tudo isso para poder segurar na mão. Sexo, nem pensar. Era preciso amargar um longo namoro no sofá e muito tempo depois arriscar um pedido formal de casamento.
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Foi na minha época que surgiram as calças de naycron - revolucionárias -, as camisas Volta ao Mundo, assim como os sapatos Vulcabrás - eu usei esse sapatão como uniforme escolar. E do sabonete Life Boy. Ainda tinha os seriados enlatados da televisão. Bonanza, Combate, Missão Impossível, Bat Masterson, Magnum, Papai Sabe Tudo, Vigilante Rodoviário... Lembram-se disso? Do James West? Coisas inocentes... E como marcou o tal de Repórter Esso, hein?

E mais: sou da geração dos hippies que revolucionaram totalmente os costumes, pregando o amor livre, a não violência e protestando contra a guerra no Vietnã. Eram totalmente adeptos do pacifismo. Moravam em comunidades onde todas as tarefas domésticas eram divididas. E por aí afora. Fase importantíssima. Com eles apareceram os exercícios de meditação, os incensos, as gírias e algumas drogas - infelizmente. Seus cabelos eram compridos e suas vestes despojadas. O lema era “Paz e Amor”.

Hoje tudo mudou. Ninguém pede mais autorização aos pais para namorar e não se foge. Muito ao contrário, se fica. Nunca entendi e nunca vou entender, pois não faz parte da minha geração a diferença entre ficar e namorar. Mas deve existir algum, pois as meninas e meninos separam definitivamente uma coisa da outra e parece que ficar, segundo ouvi dizer, tem um conotativo mais irresponsável, menos comprometedor, tipo arte pela arte ou amor pelo amor. E assim os casais vão ficando, ficando até que alguma gravidez indesejada ou um desejo súbito os leve ao casamento que não precisa mais do consentimento dos pais e muito menos da aquiescência do pároco. Basta juntar as escovas e tudo está revolvido sem escândalos.

Imagino que essa geração dará casais bem mais sadios que a nossa, acostumada ao rigor dos pais mal-humorados e das mães vigilantes, para não falar naquele irmão menor ávido comedor de chocolates e vigilante na preservação do patrimônio moral familiar. Quando pequeno fui um destes “malinhas” - conhecidos na época como "velas" - a serviço de minha avó. Para ganhar balas e doces ela me deixava como um cão de guarda em volta de uma tia que namorava num banco de madeira, colocado no alpendre da casa. E pedia para que eu ficasse no meio do casal, coitados. Ao lado do aspecto cômico, muita crueldade se praticou em nome da moralidade, como separar casais que se amavam, exilar filhas amorosas e até surrar namorados mais ousados. Não é à toa que o “bardo” continua fazendo sucesso com seu Romeu e Julieta, pois os amores impossíveis são sempre mais lembrados que o amor comum.

As pessoas de mais de 50 anos aprenderam a tapa e na rapidez a assimilar todas as mudanças do mundo. Não existem mais velhos como antigamente. Essa foi uma geração que mudou tudo. Culpa da pílula, dos Beatles, da Internet, da globalização, do Muro de Berlim, da televisão, da tecnologia, do Viagra. Até morrer ficou diferente, perceberam? Os filhos, por falta de emprego, não têm mais anseios de ir embora. Ficam morando eternamente e com os controles remotos da TV, do DVD, do ar-condicionado na mão. Afinal, quem detém o poder do controle remoto manda na casa. São eles.

Acredito que essa geração nunca ouviu falar que os casais antigos fugiam, nem saiba ou imagine o que é isso dispondo de toda liberdade que eles dispõem para se encontrarem e se afastarem, se experimentarem e experimentarem a vida sem que por isso reputações sejam derrubadas. Tudo bem longe do meu tempo onde uma “moça falada” estava condenada à perpétua solidão ou à constante troca de pares, pois não mais era noiva adequada a ninguém e muito menos apreciada pelas famílias de quem herdariam o nome. Cheguei a uma conclusão, vivo num mundo muito louco onde cada um veste sua fantasia e pula sozinho; e desta época jamais sentirei saudades!
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*Edward de Souza é radialista e jornalista
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sábado, 24 de julho de 2010

HOJE É ANIVERSÁRIO DE J. MORGADO!


Ao Mestre, que nos deseja PAZ, MUITA PAZ!,
todos os dias,queremos, hoje, cumprimentar
e cantar, com a voz dos anjos, entoando

FELIZ ANIVERSÁRIO!

E agradecer pelo muito que aprendemos com os seus magníficos textos e ensinamentos, que são arte e vida plena em forma de palavras!

PARABÉNS, J. MORGADO!

Muitas alegrias, vida longa
e

PAZ, MUITA PAZ!

São os votos dos articulistas, colaboradores e
leitores do Blog de Edward de Souza.
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SEXTA-FEIRA, 23 DE JULHO DE 2010

CARIDADE E AMOR AO PRÓXIMO



Assistindo a um programa de televisão onde é mostrado o desperdício de gêneros alimentícios e o aproveitamento destes por pessoas pobres, me veio à mente o Capítulo XVI, item 8 do “Evangelho Segundo o Espiritismo”. “DESIGUALDADE DAS RIQUEZAS” “A desigualdade das riquezas é um desses problemas que se procura em vão resolver, se não se considera senão a vida atual. A primeira questão que se apresenta é esta: Por que todos os homens não são igualmente ricos? Não o são por uma razão muito simples: é que eles não são igualmente inteligentes ativos e laboriosos para adquirir, nem moderados e previdentes para conservar.

É um ponto matematicamente demonstrado que a fortuna, igualmente repartida, daria a cada qual uma parte mínima e insuficiente; que, supondo-se essa repartição feita, o equilíbrio estaria rompido em pouco tempo, pela diversidade dos caracteres e das aptidões; que, supondo-a possível e durável, cada um tendo apenas do que viver, isso seria o aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e o bem estar da Humanidade; que, supondo-se que ela desse a cada um o necessário, não haveria mais o aguilhão que compele às grandes descobertas e aos empreendimentos úteis. Se Deus a concentra em certos pontos, é porque daí ela se derrama em quantidade suficiente segundo as necessidades”...

O acima transcrito é apenas o primeiro parágrafo do item mencionado. A lição continua. No parágrafo terceiro destaca-se: “Deplora-se com razão o lamentável uso que certas pessoas fazem de sua fortuna, as ignóbeis paixões que a cobiça provoca”... O restante da lição, o leitor poderá continuar a ler no livro codificado por Allan Kardec, em 1864.

A reportagem aludida nos mostra os necessitados catando alimentos jogados no lixo e os aproveitando para suas refeições diárias. Muitos desses alimentos, principalmente verduras, legumes e frutas estão apenas levemente amassadas ou começando a apodrecer. Devidamente recuperados em parte saciam a fome de milhares de pessoas.

Entrevistado, um dos trabalhadores do entreposto comercial respondeu a uma pergunta do repórter: – Qual a razão da não doação dos alimentos imprestáveis para os pobres? Fugindo à resposta, disse: – Não sei.

Lembrei-me, então, de outra lição, esta de Emmanuel o mentor de Francisco Cândido Xavier, inserida no livro “Religião dos Espíritos” página 207, que tem como título “Campanha na Campanha”- Edição FEB-1988.

Essa página se baseia na Questão número 886 CARIDADE E AMOR AO PRÓXIMO, do “Livro dos Espíritos”, codificado em 1857, que diz: “Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade como entendia Jesus?”

– Benevolência com todos, indulgência com as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.

O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, porque amar ao próximo é fazer todo o bem que está ao nosso alcance e que gostaríamos que nos fosse feito. Esse é o sentido das palavras de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como irmãos”...

Como disse antes, a lição continua e prossegue dizendo que “a caridade, para Jesus, não se limita à esmola. Ela abrange todas as relações com nossos semelhantes, sem inferiores, iguais ou superiores”...

Quanto à página mencionada, “Campanha na Campanha”, vejamos um pequeno trecho:

“Campanha”, além de outros significados na sinonímica, pode também figuradamente expressar “esforço para conseguir alguma coisa”.

Possuímos, desse modo, campanhas múltiplas no terreno da solidariedade, como simples dever; todas, porém, rogando a campanha da indulgência no âmago de si mesma.

Ouçamos, assim, o que nos diz semelhante campanha íntima:

• Ergue um lar que recolha os infortunados da via pública; entretanto não expulses do coração as vítimas do mal, para que o mal não as aniquile.

• Estende o prato reconfortante ao faminto; contudo, não te falte apoio moral para os sedentos de compreensão.

Estes são apenas dois dos treze elevados pensamentos constantes nessa maravilhosa e educativa (como sempre) obra ditada por Emmanuel ao nosso Francisco Xavier.

A leitura constante dos três livros mencionados nos trará, certamente, condições de entender a humanidade num todo. E, quando tomarmos conhecimentos de tragédias que se desenrolam em todo o mundo, nos lembraremos que nos encontramos em um estágio evolutivo ainda bastante precário. Um dia começaremos a sair deste período de expiação e provas e ingressaremos na etapa seguinte que é o mundo em regeneração. É evidente que isso não se dará como num passe de mágica. Os sinais serão imperceptíveis e serão poucos os que notarão a diferença. Provavelmente, as guerras serão em menor número; o analfabetismo e a fome começarão a ser erradicadas e os homens começarão a se respeitar uns aos outros...

Esses e outros sinais levarão talvez um, dois ou mais séculos para serem notados, mas, certamente começarão.
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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista: jgarcelan@uol.com.br

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