domingo, 27 de dezembro de 2009

O MENINO DE BIRIGUÍ
.
As aparências realmente enganam e nos surpreendem, mostrando o quanto somos preconceituosos. Todos fomos, alguma vez, preconceituosos. Uns mais, outros menos. Mas fomos, infelizmente. Isso é próprio do ser humano. O preconceito está sempre presente e não precisa esforço para encontrá-lo. Na própria origem da palavra “preconceito” é possível encontrar seu significado: “pré” é o prefixo de “antes de alguma coisa”, e “conceito” é a idéia que se faz, também, de alguma coisa, pessoa ou fato. Em outras palavras, o juízo que fazemos antes de conhecer mais profundamente as características de uma situação ou pessoa.
Um domingo do início da década de 90, a equipe de esportes da Rádio Diário do Grande ABC se deslocou até a pequena e acolhedora cidade de Birigui, na região de Araçatuba, para a transmissão de um jogo entre o Bandeirante EC e o Santo André. O Bandeirante debutava na Primeira Divisão do Paulistão e, assim, qualquer jogo ali disputado era motivo de festa na cidade que até então havia recebido somente equipes de menor expressão da chamada segundona. Chegamos eu (comentarista e responsável pela equipe), Antônio Alcides (narrador), o repórter Maurício Muniz e o operador de som Aristides Murara. Nessa viagem não havia o inseparável motorista da viatura da rádio, já que percorremos em ônibus longos e cansativos 500 quilômetros até Birigui, por lá chamada de quintal de Araçatuba. Faz algum sentido. A praça em frente ao Estádio Pedro Marin Berbel, também conhecido como "Pedrão", campo do Bandeirante, com capacidade para pouco mais de 10 mil pessoas, fervilhava de torcedores festivos e hospitaleiros.
Descarregamos do táxi a parafernália, que faz parte do cotidiano de uma equipe esportiva de rádio e cada um apanhou uma carga para levar até as cabines reservadas à imprensa.
Nisso chega um garoto (disse ter 12 anos) e, pegando na alça da bolsa, um tanto pesada, que eu carregava, perguntou meio encabulado: "Moço posso ajudar a levar sua bolsa?". Escolado com a vida de cidade grande, tipo São Paulo e o ABC, pensei duas coisas: "esse moleque está querendo surrupiar a bolsa ou pretende entrar de graça no estádio, acompanhando a gente". Desconfiado e sem tirar o olho do garoto, entreguei a carga pra ele levar.
O menino disse chamar-se Vagner. Ao chegar ao portão do estádio, reservado para entrada de policiais, cartolas dos times e jornalistas, fiquei preocupado novamente. O rapaz certamente não era um ladrãozinho, mas, eu acreditava, queria entrar no campo no peito, missão complicada já que os fiscais da Federação Paulista de Futebol e dos clubes exigiam a apresentação de credencial específica de jornalista para liberar a passagem. Pra nossa surpresa, ao chegar ao portão o garoto devolveu a bolsa, agradeceu, esboçou um sorriso, que somente um pré-adolescente feliz pode ter e despediu-se.
Num misto de indignação e surpresa tirei da carteira uma nota correspondente a dez reais e ofereci ao rapazinho. Sem alterar o sorriso, ele agradeceu, não pegou o dinheiro e foi se afastando. Ainda indignado, perguntei: "garoto, você não quer entrar no estádio e recusa a grana; então, por que ajudou a carregar minha bolsa um tanto pesada"? . Olhando diretamente em meus olhos, respondeu: "moço, gosto de colaborar com as pessoas. Toda vez que tem jogo do Bandeirante aqui, eu ajudo alguém. Outro dia empurrei o carrinho da mulher que vende cachorro quente, dei uma mão para aquele senhor (apontou o homem) que vende pipoca e assim por diante; hoje foi o senhor. Não faço isso por dinheiro, gosto de ajudar, sem nenhum interesse; minha mãe (não fez referência ao pai, nem perguntei) me ensinou assim e fico feliz quando posso ser útil".
Papo fluente, trajando bermuda, camiseta regata e chinelo de dedos, surrados, porém limpos, o menino enfiou-se no meio dos torcedores levando de vez o sorriso de quem se sentiu, mesmo que por alguns minutos, recompensado por ter sido prestativo. Certamente não se deu conta da alegria e recompensa que proporcionou a este jornalista e aos integrantes da equipe de esporte da rádio. A atitude de Vagner foi o assunto logo depois de encerrado o trabalho e preencheu nosso tempo durante a exaustiva viagem de volta a São Paulo e ao ABC. O menino de dentes alvos e olhos brilhantes fez com que este calejado jornalista e sua equipe refletissem e chegassem a conclusão que, apesar de tudo, este mundo ainda tem conserto.
Quero deixar a todos os amigos e amigas deste blog, meus votos de um 2010 repleto de saúde, paz, amor, prosperidade e sucesso. 2009 está terminando, e com ele, tudo o que fizemos ou passamos. Coisas boas ou coisas ruins, que não nos desmotivaram a continuar aqui, lutando e vivendo, na esperança da construção de uma sociedade mais justa e de um futuro melhor para a humanidade. ___________________________________________
*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC
___________________________________________