segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

DOMINGO, 16 DE JANEIRO DE 2011


Os repetidos desastres ocorridos nos últimos tempos em várias localidades brasileiras e em diversas partes do mundo merecem, muito mais que lamentações, reflexões objetivas. O que está acontecendo com os deslizamentos de morros no Rio de Janeiro é reprise, em maior escala, do registrado no ano passado, que desnuda a insensatez dos governos e o desdém da população. A quota do desastre carioca, que supera 600 mortes, não é mais simples advertência, é fato. Alguém, em outros tempos, já preconizava: “a natureza não se vinga, retoma o que é seu". Faz sentido.

Para nós aqui do ABC fica claro que acidentes do tipo emergentes estão prestes a acontecer, já que é grande o número de moradias (barracos e alvenaria) ao redor dos morros e a beira das represas Billings e Guarapiranga, que margeiam toda a região e parte da Zona Sul capital paulista. O entorno desses mananciais está loteado por gente humilde que, premida pela necessidade, construiu residência em áreas de risco e, mesmo alertados pelo óbvio, insiste em permanecer no local. Em Mauá, também aqui no Grande ABC, há menos de um mês, o movimento de terra provocou a morte de várias pessoas, entre elas crianças e idosos. Pela topografia, o Rio de Janeiro e cidades semelhantes são o alvo preferido de catástrofes anunciadas. Nesse quesito, o ABC está incluído.
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A ocupação de glebas em pé de serra, no topo da montanha e nos arredores de rios, lagos e represas, indica com visibilidade cristalina que a indevida invasão de áreas pertencentes a natureza terá como retorno a inevitável tragédia. Em todo o ABC, exceto São Caetano, cerca de 200 mil pessoas vivem em áreas de risco. Na Região Metropolitana de São Paulo esse número supera aos dois milhões. O Litoral paulista é, igualmente, imenso manancial perigoso de moradias construídas em áreas de risco, que a qualquer momento pode explodir em desgraças naturais. E a chuva não para. O argumento da necessidade premente e absoluta falta de opções dos que insistem em ocupar ou permanecer nesses locais, não justifica colocar em risco a vida de pessoas, especialmente filhos, pais, avós e a própria.

Os recentes acontecimentos ocorridos em várias partes do Brasil não sensibilizam os que moram a alguma distância das tragédias. A desgraça salta aos olhos e alerta para o bom senso, porém o infortúnio parece rondar apenas a casa alheia. A TV mostra, à exaustão, todos os lances do epílogo carioca que comove o País e é notícia no mundo, mas que não serve de alerta aos que insistem em desafiar o imponderável. Daqui alguns dias a tragédia da Cidade Maravilhosa, como todas as outras, irá se perder no tempo e no espaço, ficando apenas na lembrança dos diretamente envolvidos.
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Aliás, e a propósito, parte do povo carioca parece mesmo ter pouco se comovido com a dantesca cena que enluta e abala o Brasil, pois durante o caos, estava na Gávea, festejando, ao som de bateria de escola de samba, a chegada de Ronaldinho Gaúcho ao Flamengo. Uma heresia.
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Os governantes, insensíveis às tragédias alheias, e o povo, que insiste em montar barraco ao pé do morro ou construir mansão no topo da montanha, não podem ficar isentos de responsabilidades e culpas. Em ambos os casos as vítimas caminham em direção a mesma vala, sem discriminação à miséria ou opulência. Desta vez a natureza decidiu reaver seu espaço e, para tanto, está agindo com força total. E, ao que tudo indica, a ação não irá cessar apenas no trágico aviso enviado ao Brasil, via Cidade Maravilhosa, e outras paragens tupiniquins.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC
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