domingo, 29 de agosto de 2010

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Como contei no último final de semana neste blog, fui vítima de dois sequestros relâmpagos, ambos bem complicados e ameaçadores. O raio pode não cair duas vezes no mesmo lugar, mas sou testemunha, despenca mais vezes na mesma cabeça. Passados quase dez anos do primeiro, marcado por sequelas emocionais, o segundo, que completou uma década, igualmente deixou rastros que dificilmente se apagarão. Fisicamente sai ileso de ambos, mas as marcas das ações permaneceram.
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Uma tarde ensolarada de domingo, trafegava pela Avenida Robert Kennedy, Bairro Assunção, São Bernardo, quando fui abordado por um trio; dois rapazes e uma moça. Pelos meus cálculos, nenhum deles passava dos 25 anos. São Bernardo tem duas Avenidas com o nome Kennedy, ambas com intenso movimento de veículos e de pessoas que procuram as duas vias para o lazer. A Kennedy (John) fica no sofisticado Jardim do Mar, que abriga a classe média alta, mansões e hotéis de luxo; a Robert Kennedy, no Assunção, mais modesta, porém com moradores de bom poder aquisitivo. Na região da Robert Kennedy estão instaladas algumas empresas de porte como Scania, Rolls Royce, a Nestlé e também o heliporto, hoje utilizado pelo presidente Lula quando vem a São Bernardo, onde tem residência.
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Bem, meu caminho era o Bairro do Alvarenga, as margens da Via Anchieta e Imigrantes. Iria visitar um amigo adoentado e que residia ao lado da fábrica da Nestlé, mas não fui. Por ser uma tarde de domingo a Robert Kennedy estava com pouco ou quase nenhum movimento de veículos, o que permitia, se desejasse, cometer infração e ultrapassar os cruzamentos com o semáforo no vermelho. Como não era, e não é, o meu costume, parei no farol fechado em frente ao Mesc - um dos muitos clubes recreativos de São Bernardo. Percebi que no canteiro que separa as duas pistas havia uma moça e dois rapazes e imaginei, naturalmente, que fossem atravessar a via. O trânsito era zero naquele momento e poderia passar com o farol vermelho sem problemas, mas a prudência fez com que eu parasse. Em segundos estava com um revólver no meu ouvido, arrastado para o banco traseiro por um cara, o outro dirigindo meu Uno e a moça no banco do passageiro com a arma abaixada, mas na mão.
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A mesma ladainha: "calma tio - dizia o rapaz que estava ao volante - só queremos grana". O cara que estava comigo no banco traseiro pediu meu cartão do banco. Felizmente, não viu meus outros documentos, os "manos" odeiam jornalistas. Logo à frente de onde fui abordado, há uma rotatória chamada área verde, onde ficava uma dessas viaturas de policia comunitária e os caras sabiam disso: "vamos passar perto da viatura e se o senhor abrir a boca estará morto, fique quietinho ai e tudo irá bem", decretou o moreno de bigodes ralinhos que estava ao meu lado. Cruzamos a área verde sem problemas e descemos a Joaquim Nabuco, rua do pronto-socorro central, que normalmente tem viaturas da polícia, mas o motorista se apressou em me alertar de novo que poderia me matar ali, caso desse qualquer alarme. Seguimos em direção ao Centro de São Bernardo, onde ficam as agências bancárias da região central. Com pouco de coragem, ou burrice, arrisquei: "olha amigos (amigos?), acho que vocês pegaram o cara errado e estão perdendo tempo, além do risco da casa cair" - não dei tempo para apartes e prossegui: "a agência do meu banco fica exatamente na esquina da rua que eu moro (Marechal Deodoro com Rio Branco, ao lado da Praça da Matriz). Além de estar sem saldo no banco (não menti), sou muito conhecido no pedaço e sempre há na praça da igreja uma viatura. Se vocês pararem ali e os taxistas da praça me virem certamente irão acionar a polícia".
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Sei lá se meu anjo da guarda, novamente, não estava na televisão vendo o jogo do Timão, mas os "manos", assim que entraram na Marechal Deodoro, pararam próximo a Praça Lauro Gomes, onde está a famosa feirinha paraguaia do ABC e muitos camelôs também me conhecem. Pararam, mas não desligaram o motor do Uno. Ao lado havia uma banca de jornais, cujos donos e empregados são meus amigos: "oi Lavrado, tudo bem?" disse a mulher da banca: "tudo bem", respondi, com o coração saindo pela orelha, mas foi a hora. O "mano" que dirigia engatou uma primeira e saiu devagar para não despertar suspeitas. Estávamos cerca de 150 metros do banco e não havia como retornar sem passar em frente da agência, da igreja matriz, da viatura e de uma meia dúzia de taxistas do ponto. Então os caras resolveram me deixar. Falavam entre eles que não valia a pena ficar comigo e correr riscos desnecessários, uma vez que eu não tinha grana, ao menos naquele banco. Mesmo assim eu tremia, pois na praça, quando a mulher da banca me cumprimentou achei que tinha chegado o fim da linha, já que o trio estava nervoso e o cara, que havia pego o revólver da menina, tremia mais que eu.
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Pela Marechal Deodoro fomos em frente, o piloto entrou na Avenida Faria Lima, ao lado do corredor do trólebus, e quando chegamos na rotatória do Paço Municipal, encostou o carro em frente ao Conjunto Anchieta. Descemos todos e eu já me apressava em cair fora e largar o carro com os caras, mas eles saíram correndo, apressados, rumo a favela do DER, que fica na região do Paço. Sorte minha, porque minutos antes, o “mano” que dirigia meu Uno sugeriu rumar para o Rio Pequeno, na Represa Billings, onde resolveriam o que fazer comigo, pois temiam que, me liberando no Centro, eu poderia acionar a polícia. Ainda bem que desistiram da ideia e se mandaram a pé. Minhas pernas tremiam e, diabético que sou, achei que não sairia dali. Mas consegui. Como deixaram as chaves no contato, para minha sorte, liguei o carro e voltei para casa. Meu amigo (doente), que eu iria visitar, economizou algumas xícaras de café ou umas latas de cerveja.
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Não fui ao boteco da Praça da Matriz para o tradicional papo de encerramento do domingo. Sem opção, vi a tranqueira do final do Faustão e a mesmice do Fantástico inteiro. No apto que morava, ainda tremendo, agradeci a Deus por mais esta chance, pois pensava que meu crédito com Ele havia se esgotado no primeiro sequestro. Bem possível que essa tenha sido a primeira vez na história que alguém agradeceu aos céus por estar com a conta bancária no vermelho.
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Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no ABC
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