terça-feira, 2 de novembro de 2010

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Existem religiões porque existe a morte e além da morte o grande vazio e a grande interrogação sobre o que nos espera. Todos os credos tentam preencher esse vazio criando céus e infernos mais ou menos semelhantes onde gozaremos a vida eterna como recompensa de nossas boas ações ou padeceremos no fogo por nossos pecados. Não existisse esse medo nem essa interrogação, a gente iria levando a vida a cada dia esperando na próxima esquina a visita da dama de negro que a todos nos levará um dia.
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O Dia de Finados – também chamado de Dia dos Fiéis Defuntos ou Dia dos Mortos – é celebrado desde o século XIII em 2 de novembro, na sequência do Dia de Todos os Santos, em 1º de novembro. No calendário da vida é o dia mais triste do ano, enfeitado pelas flores das recordações e umedecido pelas lágrimas das saudades. É momento de desarrumar corações, de reabrir as feridas da alma. Mais do que encará-lo como um dia associado à morte, é interessante vê-lo como um dia de amor, porque amar é sentir que o outro não morre jamais.
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Dizem os antropólogos que a civilização começou quando começamos a enterrar nossos mortos. Antes disso, éramos simples animais e como tal sem nenhuma noção de nossa finitude nem do grande mistério que significa esse fato biológico. Só quando a morte nos despertou a curiosidade, nossos antepassados começaram a guardar com mais cuidado os corpos de membros da tribo, talvez na primeira esperança de que eles pudessem retornar daquele estado de imobilidade para a vida normal. Seja como for esse sintoma de respeito nos faz mais humanos e como tal, sempre tementes e desafiados pela morte uma circunstância que, pela sua certeza, deveria ser encarada com mais naturalidade.
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Não há nada mais difícil para a grande maioria das pessoas do que lidar com a perda de alguém querido. Esta inexorabilidade que existe na aceitação da morte para o entendimento de muitos é intransponível. Mais do que nunca, é o exercício da generosidade para com aquelas passam por essa situação. E, na hipótese de que isso aconteça conosco, que encontraremos o apoio necessário. Não importam aí a religião, a crença ou a filosofia de cada um. O que deve valer é um sentimento maior de respeito e solidariedade. De acordo com a cultura, a morte é uma tragédia ou uma festa. Na nossa civilização judaico-cristã a morte é sinônimo de dor, de contrição, momento para lágrimas, vestes pretas e absoluto respeito pelo falecido. No Tibet a morte é celebrada com uma grande festa, pois eles entendem esse momento como a liberação da alma quando ela finalmente vai poder galgar planos mais elevados e encontrar-se com seres iluminados que não frequentam o plano terreno.
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A profunda filosofia chinesa diz "que depois da floração tudo volta à sua origem". É a lei da reversão eterna. Para alguns a vida é apenas a sucessão monótona e fria dos segundos assinalando o sofrimento e a incansável luta pelas coisas materiais da vida. Para muitos, entretanto, é um passo além de todas as estrelas, uma passagem para a verdadeira vida no mundo de Deus, sem dores, sem desventuras, onde o amor e a verdade são intensos raios de luz, doces abrigos que acolhem o divino, o sobrenatural, o mistério da fé.
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Os espíritas acreditam na encarnação e reencarnação, o que significa que, a morte do corpo não representa a morte do espírito e, dessa forma, é possível voltar a viver em outro momento, com o mesmo espírito, mas em um corpo diferente. Essa crença se consiste na idéia de que se pode ter mais uma oportunidade para progredir, ética e moralmente. Até os cientistas, que só acreditam no que podem comprovar, tentam explicar que existe vida após a morte.
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Já se fez de tudo com os mortos. De enterrá-los respeitosamente a devorá-los em banquetes rituais. Algumas seitas hindus apenas jogam os mortos aos abutres para que eles se nutram da carne e assim o ciclo da vida não seja interrompido. Modernamente se crema até por uma questão de espaço, pois os grandes cemitérios são cada dia mais inviáveis nas grandes cidades. Queima-se o morto e suas cinzas são jogadas ao vento junto com sua memória. Nascemos condenados e nos resta apenas a dúvida do dia e da hora, o que nos ajuda a manter nossos cérebros vivos e funcionando, pois houvesse uma data marcada e ninguém queria mais viver. E nesse caminho que chamamos de vida, vamos nos aproximando da morte, mas nem por isso ela se torna mais palatável ou compreensível, pois não existe idade para desistir da vida e o grande abismo que nos espera é sempre motivo de medo, curiosidade e temor.
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*Edward de Souza é jornalista e radialista
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