domingo, 20 de junho de 2010

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COPAS DO MUNDO DE 1954 E 1958
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A primeira Copa do Mundo da minha vida foi a de 1954. Ou melhor, o primeiro jogo de Copa do Mundo. Só lembro o jogo Brasil X Hungria, na Suíça, que perdemos de 4 a 2 como se fosse uma nova grande tragédia nacional, depois daquela de 1950, no Maracanã, quando o Uruguai engoliu o bicho papão que era o até então imbatível time brasileiro, e para o qual bastava um empate.
Em 1954 eu tinha 8 ou 9 anos. Encontrei toda a família em volta de uma mesa, o rádio no centro. Indispensável dizer que ainda não existia TV no Sul brasileiro. Mas a de 1954 foi a primeira Copa com TV, em âmbito local, em Berna, o máximo que a tecnologia da época permitia. Tudo ao vivo, em preto e branco, não existia o vídeo - tape.
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A transmissão radiofônica chegava lá em Pelotas (RS) repleta de chiados. Meu
pai era oficial do Exército e serviu lá. Nossa família vivia como ciganos, mudando de cidade a cada dois anos. A gente adorava, era uma forma de ir conhecendo o Brasil, e foi assim até o velho se aposentar, com 29 anos de carreira. A todo o momento a voz do locutor sumia e voltava, era uma dificuldade técnica enorme fazer uma transmissão daquelas, ainda mais do continente europeu. As rádios formavam uma imensa cadeia, pelo Brasil todo, e o som chegava com segundos de atraso e rarefeito.
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No começo não entendi direito o que estava acontecendo, a razão de um jogo de futebol despertar tanto interesse, inclusive da minha mãe, que jamais ligava para isso. Eu já costumava ir ao estádio de Pelotas, com meu pai, quando jogava o Farroupilha, um dos times da cidade, do nosso bairro, o Fragata. O grande clássico era Pelotas X Farroupilha. Meu pai fazia parte do conselho não sei das quantas, do Farroupilha, então esse foi meu primeiro time de futebol. Até hoje sou Farroupilha (será que ainda existe?) e literalmente desde criancinha. Logo em seguida passei a amar o Inter, por influência do meu irmão mais velho e atraído pela beleza da sua camiseta vermelha, e onde jogavam Bodinho, Luisinho e outros inhos muito famosos naqueles anos 50.
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Ouvindo Brasil versus Hungria, meu pai e minha mãe estavam enfurecidos contra
o juiz. Consta que roubou mesmo, de forma escandalosa. Pelo menos é a versão brasileira do jogo. Nós tínhamos um time respeitável, com o célebre técnico Zezé Moreira, e onde jogavam craques como Nilton Santos, Djalma Santos, o goleiro Castilho. Permitam-me esclarecer que não recordo destes detalhes, estas informações são fruto de pesquisa. Mas a Hungria, que acabou derrotada na final pela Alemanha Ocidental, de virada, 3 a 2, tinha realmente o melhor time do mundo, com o famoso e implacável artilheiro Puskas. A Hungria vinha de mais de 30 jogos sem perder. Dava goleadas incríveis. Enfiou 9 a zero na Coréia, durante a Copa. Na final tinha praticamente o jogo na mão, ganhando de 2 a zero, e deixou a Alemanha Ocidental virar. Ninguém acreditava. Talvez tenha sido a maior zebra da história das copas.
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No jogo contra o Brasil o que ficou fortemente marcado na minha memória foram a fúria do locutor brasileiro, esbravejando contra o juiz, e a revolta da minha família. Parecia que o Brasil estava em guerra e sendo massacrado.

Chega 1958: aí já estou com 13 ou 14 anos. Desta vez moramos em Santa Maria, uma cidade encravada num vale, parcialmente cercada de morros, bem no centro do Rio Grande do Sul. Ficamos lá 9 anos, foi uma cidade marcante na minha vida. Nivia Andres também morou lá, foi onde se formou.
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O Brasil vence de goleada a Suécia, em Estocolmo: 5 a 2. Pelé, quase um garoto, 17 anos, desponta. Foi o grande herói. Foi nessa Copa que eu e certamente metade do Brasil passou a saber da existência do Rei. Nossa Seleção, comandada pelo gordo técnico Vicente Feola, chegou invicta à final. Seu pior resultado foi o empate em zero a zero com a Inglaterra. No resto, só alegria! Assim que o jogo acabou, sob as emoções inesquecíveis da vibrante transmissão da Cadeia Verde e Amarelo, da Rede Bandeirantes de Rádio, somando centenas de emissoras por todo o Brasil, fui para a frente da casa e estourei uma caixa inteira de rojões. O foguetório era ouvido de todos os lados e durou o dia inteiro. O jogo foi pela manhã (no nosso fuso). Até tarde da noite ainda se ouvia rojão explodindo em algum bairro.

Santa Maria viveu naquele domingo de sol, um dia muito lindo, a maior festa popular de sua história. A cidade em peso foi para as ruas. Vinha gente de todos os bairros para o Centro, onde o marco era a Praça Saldanha Marinho. Foi a única vez, naqueles 9 anos lá morando, que vi reunidas e festejando felizes pessoas de todas as raças e classes sociais. Até esse dia eu nunca tinha percebido como a população negra da cidade, que vivia na periferia, era numerosa. Vivendo sempre no núcleo mais central, tinha a imagem de uma cidade de brancos. A cidade, a propósito, era bem racista. Havia um não declarado apartheid. A vitória da Seleção mostrou seu outro lado social. Aquela multidão parecia ter surgido do nada. E me abria, pela primeira vez, graças ao fenômeno e sociologia do futebol, os olhos para a imensa diversidade do nosso Brasil.
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*Milton Saldanha é jornalista e escritor.
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RESULTADOS DE SÁBADO (19-06) DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL DISPUTADA NA ÁFRICA DO SUL:
HOLANDA 1 X JAPÃO 0
GANA 1 X AUSTRÁLIA 1
CAMARÕES 1 X DINAMARCA 2
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RESULTADOS DE DOMINGO (20-06) DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL DISPUTADA NA ÁFRICA DO SUL:
ESLOVÁQUIA 0 X PARAGUAI 2
ITÁLIA 1 X NOVA ZELÂNDIA 1
BRASIL 3 X COSTA DO MARFIM 1
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