segunda-feira, 9 de agosto de 2010


PSICANÁLISE

“Procuro, com o vermelho e o verde, exprimir as mais
terríveis paixões humanas”
Van Gogh

De tanto ver pessoas escravizadas por análises, consumindo tempo e dinheiro em terapia com psicologistas, ele, julgando-se conhecedor da alma humana - embora não acreditando na ciência Freudiana, passou a alimentar curiosidade em se ver acomodado no divã de um profissional capacitado, somente por capricho, dando-se ao luxo descrente de enfrentar perquirição.

Era homem preparado de bom porte social, educação e conhecimentos apreciáveis. Algumas vezes chegou a refletir como seria um encontro entre os desajustes mentais de Vincent Van Gogh (1853-1890) e Sigmund Freud (1856-1939).

Eles nunca se viram, embora, ao mesmo tempo, em certa época, tenha havido compartilhamento de vidas na mesma cidade: Paris.

Considerados pais – um do expressionismo, outro da psicanálise, palavra que foi pronunciada pela primeira vez em 1896 quando já morto o artista da paixão: Van Gogh.

Da incredulidade e curiosidade invadindo seu espírito, o ilustre personagem em busca do saber, inclinou-se pela terapia: psicologar era uma imposição determinada. Encarregou a secretária de localizar alguém de reconhecida competência na arte de interpretar através da palavra os mais recônditos dos sentimentos humanos.

Dias depois, lá estava, no consultório, nosso personagem mergulhado na ansiedade de confirmar sua opinião de pífio o tratamento na psicoterapia. Examinava o bom gosto da sala, adornada de flores, mostrando trato nas úmidas pétalas, telas de bom gosto nas paredes exibiam cores suaves, um divã e pequena poltrona de braço envolviam-se pelo encanto de sons de violinos à distância.

O conjunto de coisas embriagava o paciente quando uma porta ao fundo se abriu para dar passagem a uma linda mulher, carregando olhar de ternura e sorriso de carinho. Sua pele sedosa, seus cabelos, a roupa branca engomada, as mãos encantadoras de longos dedos, criados para o teclado do piano, produzindo sons de paixão. Sua estatura pequena e delicada revelava uma criatura frágil e dócil. Era ela a figura de sonhos acalentados, emergindo para a realidade daquele homem maduro, já tendo nevados os cabelos, imprimindo dignidade à postura elegante e bem cuidada. Um forte magnetismo inundou a sala, se apossando de ambos, que mudos permaneceram por um lapso de tempo.

Cumprimentos respeitando preceito formal, cada um tomando seu lugar para início da primeira sessão. Inibidos pela surpresa do que não fora imaginado, consumiu-se o horário em troca de olhares, cada um aguardando que o outro falasse, já que a palavra seria, neste caso, o principal instrumento a fornecer base para interpretação de passados ou sentimentos armazenados na masmorra da alma.

Segunda e outras sessões:

Ficaram definidas as terapias com a frequência de segundas e quintas, às 16 horas, pontualidade sempre cumprida com rigor e prazer. Os encontros de terapia se esgotavam com velocidade e, o retorno castigava com longa espera que o bem querer da atração já não suportava. Esconder o desejo vulcânico nos secretos guardados e, revelados na linguagem do olhar, encarcerava sentimentos nobres, em nome da ética.

A inibição foi dando lugar ao estabelecimento de confiança, não liberando totalmente a palavra, no entanto, facilitando a exteriorização de pensamentos. A inquirição na troca de olhares chegou a sugerir troca de lugar; ela no divã, ele na poltrona de braço. Durante os encontros, ela transmitia alguns textos que ele devorava com ternura e felicidade, - jamais grafados - tentava através deles, passar os segredos da alma.

Uma quinta-feira chuvosa, tarde escura, parecia prenunciar algo triste, ela cruzava com ansiedade a sala amargada pela ausência que não desejava. Fundiu-se a tarde com a noite sem estrelas, mostrando uma tristeza de lugubridade. Ela queria extrair do silêncio uma informação de aquietamento. Transcorreu-se uma noite em vigília de perguntas sem respostas.

Ao chegar, no dia seguinte, ao consultório, após o almoço, encontrou as rosas vermelhas guarnecidas pelas folhas de avencão-da-serra - Asplenium scandicinum, verde-montanha com um cartão, onde se cumpria o último desejo, com a seguinte inscrição:

- Espero por você onde não será necessária análise. Deixo-lhe o vermelho e o verde para exprimir a mais sublime das paixões humanas.

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*José Reynaldo Nascimento Falleiros (Garcia Netto), 82, é jornalista, radialista e escritor francano. Autor dos livros Colonialismo Cultural (1975); participação em Vila Franca dos Italianos (2003); Antologia: Os Contistas do Jornal Comércio da Franca (2004); Filhos Deste Solo - Medicina & Sacerdócio (2007) e a novíssima coletânea Seleta XXI - Crônicas, Contos e Poesias, recentemente lançada. Cafeicultor e pecuarista, hoje aposentado. Garcia Netto é amigo e colaborador deste blog.
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