quarta-feira, 8 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

INÉDITO
PARTE XIX
*
SÉRIE
“TRAPALHADAS DE UM FOCA”

CAPÍTULO VI
*
O porre do foca Petrúcio
*
Édison Motta

*
O nome é fictício. Insisti com o personagem real desta história para que ele próprio a redigisse. Ele se acanhou. Talvez não queira relembrar fatos de seus primórdios porque, depois que se consagrou no jornalismo, passou inclusive a lecionar numa renomada faculdade de nosso País. Portanto, vamos chamá-lo de Petrúcio. Porque o nome original é também assim, inusitado, começando com a letra “P”.
Naqueles idos do começo da década de 70, a redação do Diário do Grande ABC apertava-se naquela que, com carinho, denominamos “casinha”. O jornal experimentava um grande progresso. Crescia com a região, nos anos do “milagre brasileiro”. Páginas e páginas de anúncios - havia um caderno só com anúncios de empregos! - se avolumavam. Para preencher o espaço, cobrava-se cada vez mais da redação. O limitado quadro de repórteres não dava conta. Precisávamos, urgentemente, encontrar jornalistas. Eu era o chefe de reportagem. Aos 20 anos, após ter iniciado no jornalismo diário no próprio Diário do Grande ABC, saído para trabalhar na Folha de S.Paulo durante quase um ano e retornado para assumir o novo desafio. Uma tormenta, porque todos os demais integrantes da equipe por mim chefiada eram mais velhos. Rejeição à vista. Mas esta é outra história. Fiquemos com o Petrúcio.
Certo dia, o Fausto Polesi, diretor de redação, chamou-me à sua sala. Estava com um recorte, a coluna de filatelia do jornal. E disse: “olhe, o rapaz escreve, até que bem, a coluna. Quem sabe não pode ser um repórter?” Passou-me o telefone do Petrúcio e eu entrei em contato, solicitando que ele viesse à redação no dia seguinte. E assim aconteceu. Conversamos um pouco, dei-lhe uma pauta (não lembro o assunto) como teste e voltei à efervescência de comandar minha equipe de repórteres da geral (hoje setecidades). Passou a tarde inteira e o Petrúcio não voltou. Quando chegou, enrolou-se todo e não conseguiu escrever a matéria. Envolvido com o fechamento da edição, não dei conta do que estava acontecendo. No dia seguinte a mesma cena: nova pauta e nova “enrolação”. Como o rapaz já tinha uma coluna, procurei evitar o desgaste que seria criado com a direção do jornal. Fui-lhe dando, durante uma semana, seguidas pautas. E a cena repetia-se dia após dia: o Petrúcio saía à rua, com carro e fotógrafo, mas “travava” na hora de redigir o texto. Certo dia, já com a paciência em frangalhos, dei-lhe outra pauta. Havia reclamações de leitores do jornal (naqueles tempos, sem internet, eles eram até mais participativos, com cartas e telefonemas do que nos dias atuais) de que o bar da estação estava precário em matéria de higiene. E que algumas pessoas foram contaminadas pela má qualidade dos lanches ali servidos. Tratava-se de um antigo bar, localizado no mesmo prédio da antiga estação ferroviária de Santo André.
Escalei o Petrúcio. De novo, passou a tarde inteira e nada do Petrúcio voltar. Quando ele finalmente chegou exalava um forte cheiro de álcool. Não havia dúvidas: estava embriagado. Perdi a paciência. Disse a ele: Sente-se e escreva a matéria. É a sua última chance. Se desta vez não sair, adeus vaga. Vou contratar outra pessoa em seu lugar. E voltei aos meus afazeres. Qual não foi minha surpresa quando, algum tempo depois, chega o Petrúcio cambaleante e entrega a matéria. Comecei a lê-la. Estava lá, inteira, completa. Com começo, meio e fim. E eu sabia: foi ele mesmo quem fez porque, de longe, observava seu pestanejar sobre o teclado da antiga máquina de escrever.
Publiquei a matéria e contratei o Petrúcio. Especialmente porque fiquei sabendo depois, pelo fotógrafo que o acompanhou, que ele caiu numa armadilha preparada pelo José Marqueiz, recentemente falecido, Prêmio Esso de Jornalismo Nacional pelo estadão em 1975. O Marqueiz nesta época trabalhava na sucursal ABC do estadão. Era freqüentador e amigo do dono do sujinho da estação. Petrúcio não o conhecia, mas ele estava lá quando chegou com a pauta. Percebendo que a matéria iria “sujar” a reputação do amigo, Marqueiz seduziu o foca com suas incríveis histórias do Xingu, onde passou um bom tempo ao lado dos irmãos Villas Boas e que lhe valeram a matéria do Prêmio Esso. Ocorre que o Petrúcio não bebia. Sua tolerância ao álcool era mínima. Uns dois goles e já ficou de porre. Assim mesmo, voltou à redação para tentar escrever a matéria. E conseguiu! No dia seguinte, ainda de ressaca, Petrúcio ouviu um discurso que fiz para toda a redação: “Olhe aqui, Petrúcio. Depois desta matéria, que você conseguiu escrever de porre, não tem mais desculpa. Se necessário, fazemos uma vaquinha para colocar uma garrafa de uísque ao seu lado. Está contratado!”
Com o tempo, Petrúcio destravou por completo. Consagrou-se um dos melhores repórteres do jornal. Meu braço direito na produção de pautas. Revelou-se, também, um professor inato. Ajudou - sem álcool - muitos focas que, assim como ele, fizeram sucesso no jornalismo. E, depois de algum tempo na redação, onde publicou históricas reportagens assinadas, foi lecionar na faculdade.
____________________________________________________________
Édison Motta, jornalista e publicitário é formado pela primeira turma de comunicação da Universidade Metodista. Foi repórter e redator da Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil; editor-assistente do Estadão; repórter, chefe de reportagem, editor de geral (Sete Cidades) e editor-chefe do Diário do Grande ABC. Conquistou, com Ademir Médici o Prêmio Esso Regional de Jornalismo de 1976 com a série “Grande ABC, a metamorfose da industrialização”. Conquistou também o Prêmio Lions Nacional de Jornalismo e dois prêmios São Bernardo de Jornalismo, esses últimos com a parceria de Ademir Médici, Iara Heger e Alzira Rodrigues. Foi também assessor de comunicação social de dois ministérios: Ciência e Tecnologia e da Cultura. Atualmente dirige sua empresa Thomas Édison Comunicação.