terça-feira, 5 de janeiro de 2010

QUAL É A LÓGICA DO
.
RÉVEILLON NA PRAIA?

Nada melhor para comemorar o primeiro aniversário deste inédito espaço do que compartilhar com os amigos algumas reflexões sobre o significado do réveillon na praia.
Quem leu, logo abaixo, o artigo do mestre Morgado provavelmente ficou com dificuldades para responder à indagação que ele faz ao fim da crônica: Afinal, as pessoas vão à praia no ultimo dia do ano para deixar ou para acumular stress?
Diz a tradição e a nossa cultura que se deve vestir uma roupa branca, ver a queima de fogos e dar sete mergulhos, ou pular sete ondas. Para dar sorte no ano que se inicia.
Passei réveillons inesquecíveis em muitas praias deste País. Os melhores, no Nordeste. Mas, de uns tempos para cá, confesso, tenho arrepios só de pensar naquela multidão aloprada que toma conta das estradas e invade as cidades litorâneas como um bando de vikings salteadores.
Mesmo assim, porque tenho a benção de poder desfrutar do convívio dos meus pais – ambos completando 80 anos nestes 2010 – e de meus familiares, quase todos residentes em Santos e São Vicente, não tenho alternativa senão desfrutar o prazer da companhia deles, mesmo tendo pela frente o desgaste de enfrentar a descida da serra em meio àquela multidão.
Este ano, passei novamente o Natal e o ano novo com eles. No Natal, o movimento é relativamente calmo porque a horda resolve descer é mesmo para o réveillon. Por isso, tive o cuidado de programar a descida para depois da multidão. Sai de casa com minha mulher de moto às 11 h. O movimento na Anchieta e na Imigrantes acabara de se normalizar. O trânsito passou a fluir naturalmente naquele horário, menor até mesmo do que em fins de semana normais.
Pretendia ver o espetáculo dos fogos descendo a serra, onde é possível avistar várias cidades do litoral como Santos, São Vicente, Guarujá, até a Praia Grande. Como tinha algum tempo e o trânsito no ABC e na Capital praticamente inexistia, resolvi contornar a Avenida Paulista, que reuniu mais de 2,5 milhões de pessoas. Algo como incorporar aquela energia positiva antes de descer a serra.
Tudo corria maravilhosamente bem até que em determinado momento, quando estávamos defronte ao Parque do Ibirapuera e vislumbramos aquela árvore de natal maravilhosa... Começou a chover. Nada assustador para quem pilota há 36 anos e provavelmente já experimentou todo tipo de provações, inclusive com chuva em estradas barrentas. No entanto, a chuva implica em mudança na maneira de pilotar, especialmente reduzindo drasticamente a velocidade. Então, na medida em que a chuva ficava mais intensa, mais devagar eu andava. Quando entramos na Via Anchieta, já se aproximava da meia noite. E o plano de ver os fogos do alto da serra começava a murchar. Tudo bem, ao atravessarmos São Bernardo do Campo, mais especificamente defronte a Volkswagen, os fogos pipocaram. Era meia noite. E a chuva, cada vez mais intensa. Depois do pedágio, então, foi um dilúvio. Assim mesmo, com cautela, continuamos já sabendo que os fogos do litoral ficariam para outra oportunidade. O mais importante, àquela altura, era chegar lá. O que quase acabou não acontecendo.
Porque no final de uma descida, na Via Anchieta, cerca de 5 km após o pedágio, há uma ponte estreita. E a água que caiu com intensidade fluiu naturalmente para o ponto mais baixo que é exatamente a ponte. Estávamos a 20 ou 30 por hora, no máximo quando apareceu repentinamente um carro em alta velocidade – provavelmente 140 ou 150 km/h – e entrou simultaneamente na ponte. Ocorre que a enxurrada formou uma lâmina d’água de aproximadamente uns 5 cm, suficiente para provocar aquaplanagem que rouba a direção dos veículos e termina, geralmente, em capotagens e em graves acidentes. De um momento para outro, fomos banhados por uma enorme onda que espirrou do carro apressado e quase nos derrubou. Pior: estava com a viseira do capacete levantada, para evitar que embaçasse e, pela fresta, entrou a enxurrada provocada pela passagem do veículo apressado. Fiquei totalmente sem visão por alguns segundos. Tudo o que pude fazer foi ficar imóvel, calculando sem visão por onde estava a estrada enquanto percebia, pelo reflexo das luzes do farol do carro apressado, que ele ziguezagueou à minha frente e conseguiu recobrar o comando a muito custo porque, com o susto, o motorista apressado tirou o pé do acelerador.
Quando recobrei a visão, percebi que tudo estava bem. Não caímos e não saímos da estrada. Daí para frente, sempre com cautela e debaixo de intenso nevoeiro, conseguimos chegar a Santos por volta da l h da manhã.
A Eva, minha mulher, preferiu ficar em casa com meus pais. Meus irmãos, sobrinhos estavam todos na praia. Deixei a moto, peguei a bicicleta que deixo lá para sempre pedalar quando possível – Santos tem um excelente circuito de ciclovias – e lá fui eu ao encontro dos amigos e familiares.
Parece que levamos a chuva daqui para lá. Porque ela nos acompanhou. Até nossa chegada, e durante os fogos, o tempo estava bom. Mas depois da 1 h fechou e começou a chover. Achei ótimo. Porque estava uma noite muito abafada e aquela chuva foi providencial. E, como num passe de mágica, serviu para dispersar a multidão. E assim foi durante a noite inteira, sob chuva.
Passei um réveillon de muita reflexão sobre a vida. Como é fácil perde-la em função da imprudência dos outros. Agradeci muito ao Criador não apenas pelo novo ano, 2010, mas especialmente pela vida que continuava a pulsar. Foi muito bom relembrar antigas passagens, situações difíceis que foram enfrentadas. Pensei também na falta de lógica desta multidão que vai ao litoral todo final de ano, enfrenta congestionamentos, filas, falta d’água, desconforto e mesmo assim não perde o humor.
E como é contrastante vê-los aqui, no trânsito do dia a dia, com uma pressa interminável, irritação, pouca paciência, a ponto de se matarem por desentendimentos estúpidos no trânsito. A maioria dos acidentes graves e fatais acontece por excesso de velocidade nas avenidas e estradas, no farol amarelo dos cruzamentos e na sucessiva troca de faixas pelas ruas. As pessoas vivem com pressa, muita pressa, os 365 dias do ano para depois se sujeitarem a longas esperas na passagem do ano. Houve quem gastasse mais de dez horas para chegar ao litoral, um percurso que normalmente é feito em menos de uma. Qual é a lógica disso tudo? Se for para começar um novo ano, com sorte, porque não aplicar aquela mesma paciência e bom humor nos demais dias que se seguem?
Convido os amigos a fazerem a mesma reflexão. E que possam aproveitar cada segundo, minuto, cada hora de cada um dos dias do ano que se inicia.
A pressa, além de ser inimiga da perfeição, é traiçoeira e anda de braços dados com o infortúnio.
Vida longa e feliz aos companheiros Ademir Médici, Oswaldo Lavrado, mestre Morgado, Guido Fidelis, Virginia Pezzolo, Milton Saldanha, Nivia Andres, Garcia Netto, João Paulo de Oliveira, Cristina Fonseca (Cris) e, em especial, ao irmão Edward de Souza, o grande catalisador deste encontro.
Uma saudação especial aos leitores e comentaristas que fizeram deste blog um ícone na Internet. Feliz 2010 e, parafraseando o mestre Morgado, com paz, muita paz e saúde para todos.
Sem pressa.
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*Édison Motta
é jornalista
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