sábado, 11 de julho de 2009

Uma volta à Imprensa de Franca: era 1934
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ADEMIR MEDICI
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Uma das diferenças entre o documento oficial e as notícias de um jornal é que o oficial traz a data, os nomes corretos dos envolvidos, a versão jurídica e administrativa do acontecimento, tudo isso numa linguagem em que os que o assinam não podem se contradizer e precisam sempre se resguardar – daí porque aquela linguagem burocrática, formal, repetitiva e sem graça. Já o jornal focaliza o mesmo assunto, dá a notícia com vida, com os detalhes que um jornalista - e só ele - consegue pinçar, sintetizar e passar a limpo. A boa notícia é gostosa de ler, segura o leitor, é lida, relida, recortada e guardada. Um não vive sem o outro: o documento oficial e o jornal. Nos dois casos é preciso saber ler o que lhe é apresentado.Toda essa introdução - ou nariz-de-cera, na linguagem jornalística - é para apresentar este número isolado do jornal AEC (nº 2, ano I) editado em Franca em 12 de abril de 1934.
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HISTÓRICO
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Alguém enviou o número isolado do AEC ao farmacêutico Pedro Fiorini, de Santa Rita do Passa Quatro, e por um motivo que não sei explicar o exemplar caiu nas mãos de um amigo da juventude chamado Márcio Pelanchi, engenheiro da Brastemp, residente no Bairro Jordanópolis, em São Bernardo do Campo, e que depois se mudou para o Bairro de Santana, na Zona Norte de São Paulo, onde o visitei e depois perdemos contato.
Márcio e Maria Inês, sua jovem esposa, acompanhava o nosso trabalho jornalístico e sabia que eu gostava dessas coisas da Memória, daí terem me repassado o jornal. Isso faz uns 30 anos. Se interessar, repasso o exemplar com muito prazer ao Arquivo Histórico Capitão Hipólito Antonio Pinheiro, da Prefeitura de Franca, via Blog do Edward de Souza.
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MEMÓRIA

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Mas, aqui está o jornal: formato quase tablóide (28 cm x 38 cm), quatro páginas, com artigos, poesias, notas sociais e esportivas, deliciosos anúncios e uma linda seção de Memória, assinada pelo seu redator, José Chiachiri, cujo título, no alto da primeira página, destaca "Chico Amor", simplesmente.
E lá vai Chiachiri escrevendo: "Para além do rio Fartura, num grotão soturno e cavo, rodeada de imensa mataria e de esguios coqueirais, fica a palhoça de Chico Amor. Como se fosse um tonel, que tem por cobertura o céu, a lua e as estrelas, a pobre palhoça fica noites a fio, durante horas inteiras, a ouvir os dolorosos gemidos, repassados de saudosas recordações, que o solitário caboclo dedilha na sua viola querida. Essa humilde palhoça é a única recordação que resta a Chico Amor. É toda o seu passado".
Não é bonito? A crônica prossegue, neste mesmo tom gostoso. Fica a sugestão para que seja republicada na íntegra pelo Blog do Edward.
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GUERRA E REVOLUÇÃO
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Era 1934, e o AEC focaliza, ainda na primeira página, o que era uma memória contemporânea: a morte, em 1932 - na Revolução Constitucionalista - de Ângelo Macatti, sepultado em São José do Rio Pardo. Uma morte perversa, na Ilha das Flores, por fios de arames eletrificados.
A notícia não deixa claro se o soldado morto era de Franca, mas traz o nome de Pedro Fiorini, farmacêutico, filho de Vargem Grande, a quem o exemplar do AEC foi encaminhado. Fiorini ofereceu ao jornal a canção "Ilha das Flores", cuja letra é transcrita na primeira página do jornal. Canção oferecida ao soldado morto e que era entoada no presídio.
No mesmo artigo, o nome de Machado Sant’Anna, que no número 1 do AEC publicou o artigo "A sepultura 91", que recordava a visita feita ao túmulo de Ângelo Macatti, em São José do Rio Pardo.
Um terceiro artigo de primeira página do jornal já previa a II Guerra Mundial. Justino d’Avellar escreve: "O mundo todo, nestes dias em que vivemos, cheira a pólvora e a gás asfixiante. Fala-se em guerra por toda a parte".
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BAILES A ESCOLHER
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Viramos a página. E vamos anotando novos artigos. Uma notícia do Grêmio Cívico e Literário Ruy Barbosa e a comissão que tentava o reativar: Xisto Guzzi, Aurélio Luiz Bettarelo, Victorio Constantino, Joaquim Molina e Aníbal Moreira França.
Dois bailes estavam programados e anunciados: o do Espanha FC, na sede do Centro Espanhol, cuja madrinha era a senhorita Maria Morales; e o do Centro Recreativo Amor à Mocidade, em comemoração ao primeiro aniversário do jazz do clube.
Na página 3, o futebol: Francana 4, Uberaba Esporte 2, no campo adversário - com enviado especial e tudo. Ricardo Pinho e Ricardo Pucci chefiaram a delegação francana, que levou a campo Ié, Felipe e Melani, Alemão, Waldomiro e Juca, Durvalino, Carlito, Walter, Lopes e Felício. Três gols em apenas sete minutos.
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DE SANTO ANDRÉ A FRANCA
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Na última página, anúncios, com um destaque: "No uso do álcool-motor Quito consiste sua demonstração de patriotismo; 50% mais barato que a gasolina. Andrade & Cilurzo, distribuidores das Usinas Junqueira".
(O álcool como combustível, anos, décadas antes do Pró-Álcool e da transformação do Estado de São Paulo num imenso canavial).
Mas o que nos interessa são os anúncios de 1934 na imprensa de Franca. Entre os demais que anunciavam estavam: a Leiteria Polar, o doceiro e pipoqueiro Lázaro Gorga, o cirurgião-dentista Luiz Pimentel, o Salão Paulista (do cabeleireiro Nicola), a Sorveteria Francana, a Alfaiataria Aparecida (de Heitor Medeia), os impressos da tipografia do "Comércio de Franca", Dr. Valeriano Gomes do Nascimento (médico).
Havia uma doce rivalidade: Café Central (de David Oliveira, “o melhor café de Franca”, estabelecido na Praça Barão da Franca, 1165) e seu vizinho Café Globo, da mesma praça, nº 1195: “Ora! Todo mundo já está ciente de que o café e os pasteis mais saborosos são os do Café Globo, a nossa casa”.
Uma ligação com o Grande ABC? O anúncio de Castro Alarcon Fernandes, "o único representante dos afamadíssimos 'Adubos Químicos', de Fernando Hachrat e Cia". Sabem onde ficava a fábrica de Fernando Hachrat? Em Utinga, Santo André.
O jornal AEC tinha o patrocínio da Associação dos Empregados no Comércio de Franca e no seu logotipo de primeira página trazia os nomes de J. C. Oliveira (diretor), J. Chiachiri (redator) e G. Dias (secretário).
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EDWARD DE SOUZA RESPONDE MEU E-MAIL
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Chiachiri, de pai para filho...
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Quando enviei um e-mail contando detalhes ao Edward de Souza sobre esse jornal, ele me pediu que escrevesse toda a história para o blog. O e-mail resposta que Edward me enviou completa a história desse tradicional clube de Franca, acompanhem na íntegra:
“Meu Deus! Este jornal é uma relíquia, Ademir. O Chiachiri é o responsável pelo Museu Histórico de Franca e outro historiador da cidade. É o nosso Ademir Medici daqui. Perdeu a visão depois dos 30 anos, mas tem um bom humor de deixar qualquer um de queixo caído. Espera aí. Vamos corrigir tudo, caro Ademir. Pela data do jornal, o Chiachiri é o pai desse meu amigo deficiente visual, que também dirigia o Museu Histórico de Franca, já falecido. Sobre os demais nomes, não posso precisar quem sejam. Até pelo ano do jornal, concorda?
Olha o detalhe. Esse clube, a AEC, foi o mais tradicional da cidade. Fica no centro de Franca, a quatro quarteirões da casa de meus pais. Era o ponto de encontro da juventude dos meus tempos, nos anos 60 e frequentado pela nata da cidade. Problemas financeiros, no entanto, decretaram o fim de todas as atividades nesse enorme prédio de um quarteirão, com dois andares, sendo o térreo restaurante e o superior salão de bailes. Está à venda para pagar dívidas, de acordo com notícia publicada semanas atrás pelo Jornal Comércio da Franca. Outro problema. Essa informação não é oficial e ainda precisa ser confirmada junto ao Corpo de Bombeiros de Franca, mas a estrutura do prédio está comprometida, é o que se comenta na cidade. Ainda não há informações sobre o preço exato da venda desse prédio, onde muitas gerações de francanos se divertiram nos bailes carnavalescos tradicionais e ao som de orquestras famosas, como Silvio Mazzuca e outras. Há outro clube social ligado a AEC. Sua sede de campo foi construída bem depois. O clube se chama "Castelinho". A venda da AEC (Associação dos Empregados no Comércio) seria para pagar dívidas deste clube de campo, que há muitos anos não está “bem das pernas”.
Edward de Souza
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*Ademir Medici é jornalista e escritor, formado pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Trabalha na imprensa do Grande ABC desde 1968 e especializou-se na área de resgate e reconstituição da memória. Membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Possui um acervo de 32 livros escritos, sendo 24 publicados e oito inéditos. Ademir também ganhou, em 1976, o Prêmio Esso de Jornalismo, em parceria com o jornalista Édison Motta, pela série “Grande ABC: A metamorfose da industrialização”. Atua no jornal Diário do Grande ABC desde 1972. Foi repórter especial, editor de Cidades e Política e secretário de Redação. Atualmente é responsável pela coluna Memória, uma das mais lidas do jornal e do quadro "MEMÓRIA", no programa "ABCD Maior em Revista".
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