terça-feira, 13 de julho de 2010


OS PSICOPATAS DA TECNOLOGIA


O uso crescente de equipamentos eletrônicos – celulares,
câmeras fotográficas,
filmadoras, etc. – infelizmente, não está sendo acompanhado de manuais de boa educação


O Brasil está se transformando num segundo Japão, onde todo mundo da classe média pode comprar câmeras fotográficas e filmadoras, além dos celulares que também fotografam e filmam. Isso tem seu lado bom, nada contra. Há aspectos de glamour e curtição, alegria do consumo para quem precisa disso para se sentir feliz, democratização do acesso à tecnologia, ampla difusão e documentação dos tempos que hoje vivemos e que será de extrema utilidade e valor na pesquisa histórica do futuro. Tem, inclusive, ajudado a polícia a desvendar crimes. A crescente proliferação dessas engenhocas mistura profissionais de imagens com uma nova legião de amadores e curiosos, que se tornam fornecedores cotidianos para todo tipo de mídia, principalmente redes sociais, portais, blogs e também a TV aberta, que estimula a produção de flagrantes sensacionais.

O único e grave problema é que essa nova onda de consumo e tecnologia sofisticada, infelizmente, não vem acompanhada de um manual de ética e boa-educação. Para começar, existem os casos de pura inexperiência, sem maldade, mas que incomodam muito. Exemplo explícito foi o comportamento da fotógrafa oficial contratada por um evento de dança, recentemente. Postava-se de forma totalmente inadequada na frente do palco durante as apresentações. E o pior: ali mesmo, atrapalhando a visão do público e o trabalho dos demais profissionais de imagens, subia em cadeiras, pasmem, para fazer suas fotos. Mais inexperientes ainda do que a moça, os organizadores permitiram esse absurdo.

As pessoas precisam aprender que um palco, durante um evento, transforma-se num local sagrado. E que o público pagante, ou não pagante, merece o máximo respeito. É inaceitável que fotógrafos e cinegrafistas, incluindo os oficiais de qualquer evento, se achem no direito de ficar circulando e, com isso, prejudicando o espetáculo e a visão das pessoas. Jorna
listas de carreira e experientes na área de artes e espetáculos, jamais fazem isso. Eles se fixam num determinado local e dali fazem seu trabalho, sem importunar ninguém. Cinegrafistas também inexperientes, ou arrogantes mesmo, ficam circulando como se estivessem num estúdio de TV. Sem perceber, além de atrapalhar e irritar o público, eles acabam prejudicando a concentração dos próprios artistas. Além de irritar e atrapalhar também seus colegas, os fotógrafos, aqueles que buscaram um posto fixo. Muitas vezes perde-se um bom momento para uma foto porque o dito-cujo está lá na frente, com sua câmera ao ombro, como se fosse parte do elenco. Alguns, com a petulância de achar que um equipamento profissional e um crachá lhes dá direito a tudo, e erradamente autorizados pelos organizadores, cometem verdadeiros abusos. Já vi cinegrafista invadir o espaço da coreografia, se enfiando entre os dançarinos. Pena que alguém não lhe deu um belo chute no traseiro. O público teria adorado. Se é para avacalhar, por que não?

Todos os dias surgem novos sites/blogs de dança na Internet, aumentando o número de documentaristas. Nada contra, muito pelo contrário: o jornal Dance também é disponível on line, sempre deu apoio e colaboração a tudo que divulgue a dança, contando com vários e ótimos parceiros nesse campo de atividade. Só, por favor, não copiem o título deste jornal, que chegou muito antes, há 16 anos, quando sequer existia Internet. Sejamos todos originais e criativos!

O problema é que essa verdadeira proliferação de máquinas fotográficas e filmadoras, de profissionais, semi-profissionais e amadores, passou a invadir todos os recintos e a maioria das pessoas não se educou para isso. Erguem suas filmadoras no meio da platéia, na maior cara de pau, e estão se lixando para quem sentou atrás. É mais uma demonstração da falta de educação que assola nosso país. Fruto, convém salientar, do individualismo exacerbado, que leva as pessoas a só enxergar sua própria face no espelho. Elas se acham no direito a tudo, os demais que se danem. Experimente reclamar desses grosseiros. Eles se enchem de razão e não raro partem até para a ignorância, como se o errado fosse aquele que pede educação. Nos workshops de dança é muito comum o professor pedir que não filmem durante a aula. No final, na maioria dos casos, eles dançam para essa finalidade. Pois bem, sempre tem um surdo que puxa a máquina da bolsa e manda ver. Ai o professor fica irritado, se desconcentra, tem que repreender o mal-educado, em prejuízo de todo o grupo, porque isso quebra a dinâmica da aula.

Quem já não viu alguém, no escuro do cinema, ligando aquela luz irritante do celular para conferir seus recados? Será que o infeliz não pode passar uma hora longe dessa tralha? Que diabo de doença neurótica e que carência é essa, que está gerando o que chamo de psicopatas da tecnologia? O que me espanta é que ninguém reclama. Imagine: você pagou um ingresso, em determinado espetáculo, é caro, e o engraçadinho da frente impede sua visão porque deseja filmar. Muitos desafiam o regulamento do próprio teatro. Antes do espetáculo é avisado pelo som que é proibido fotografar e filmar, exceto para pessoas devidamente autorizadas. Mal escurece a platéia e um mar de luzinhas se esparrama por todos os lados. Esses teatros, na minha opinião, são desmoralizados. Isso é caso de ação da segurança da casa. Mas eles nada fazem, com medo de perder a grana dos ingressos. Não querem encrenca, temendo desagradar sua clientela de baixo padrão cultural e educação zero.

Um dos prazeres de fazer este jornal é saber que ele é parte ativa e influente de uma comunidade saudável e espetacular, aglutinada na dança de salão. Espetacular, contudo, não significa perfeita. Ainda temos problemas muito sérios, que precisamos reconhecer e combater, em questões básicas de educação e comportamento em ambientes coletivos. Há pessoas em nosso meio, infelizmente, que sequer sabem usar um banheiro. Não acionam descarga, deixam papel no chão, não lavam as mãos e depois vão dançar, entre outras atitudes feias. Não são poucas, e estão presentes em todos os segmentos, como o tango, salsa, zouk, samba, forró, etc. Algumas, de suposto nível social elevado e acima de qualquer suspeita, são as mais porcas. Não bastasse isso, agora começa a crescer essa legião despreparada, em termos de educação, para o uso da tecnologia. Aí você vai somando tudo e percebe que a situação é desanimadora. Há os que se salvam, ainda bem, espero que você esteja entre eles. Estes fazem a diferença, e que diferença!

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*Milton Saldanha é jornalista, escritor e tangueiro. Editor do Jornal Dance, especializado na divulgação da dança de salão. Acesse http://www.jornaldance.com.br/
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