sábado, 15 de agosto de 2009

FUTEBOL E GREVE EM PERNAMBUCO
Lavrado aproveitou a paralisação dos vôos para
passear na Praia de Boa Viagem, em Recife
HISTÓRIAS DO RÁDIO ESPORTIVO
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OSWALDO LAVRADO
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Assistindo pela televisão o jogo entre Náutico e Corinthians pelo Campeonato Brasileiro deste ano, no Estádio dos Aflitos, em Recife, lembrei de uma das nossas viagens à capital de Pernambuco pela Rádio Diário do Grande ABC. O que me fez recordar foi a ruindade de corintianos e "nauticanos" na partida de quarta-feira. Um joguinho horroroso, mostrando porque o Náutico está na zona do rebaixamento do Brasileirão e o Corinthians despencando mais que balão em queda livre. Então, vamos a epopéia. Um sábado do começo da década de 90, eu e o Edward de Souza embarcamos num vôo Varig, em Guarulhos, para Recife com a incumbência de transmitir o jogo Náutico e Santos, pelo Brasileirão, no Estádio dos Aflitos. Pela informação que obtive com a empresa que nos vendeu as passagens, nosso vôo não teria escalas, seria direito São Paulo/Recife, com duração de aproximadamente duas horas. Foi confiando nessa informação que embarcamos no sábado, dia do jogo, no vôo das 8h para chegar na capital pernambucana por volta das 10h, pegar um hotel, um banho, o almoço e partir para o trabalho.
No entanto, um imprevisto, que deveria ser do nosso conhecimento, afinal dois jornalistas teriam por dever de profissão saber que as empresas aéreas esboçavam uma paralisação que até nome tinha. Ficou conhecida como greve branca. E realmente, nesse sábado, os empregados da aviação decidiram cruzar os braços veladamente.
Chegamos ao aeroporto de Cumbica por volta das 6h30 da manhã com tempo suficiente para tomar um bom café, ler os jornais do dia e confirmar nosso embarque. No balcão da Varig uma enorme fila, fora do normal pelo horário, indicava que alguma coisa não estaria nos eixos. E não estava. A atenciosa moça do balcão, voz baixa e aveludada, informava que todos os vôos estavam atrasados naquele sábado. O nosso, por exemplo, marcado para as 8h, deveria sair por volta das 12h. Motivo: a maldita greve branca. Não havia como discutir e nada a ser feito senão aguardar. Contrariada e preocupada não restou alternativa à dupla da Rádio Diário senão aboletar-se nos assentos do aeroporto e rezar para que uma benevolente tripulação se dispusesse a pilotar um Boeing com destino a Recife. As preces não foram ouvidas, afinal era sábado e os santos evocados, certamente, estariam pegando uma praia, quem sabe do nordeste brasileiro.
Saímos então às 12h direto para Recife (felizmente não houve escalas). Chegamos ao aeroporto de Guararapes as 13h50 e, de táxi com malas e cuias, rumamos direto para o Estádio dos Aflitos, onde às 16h jogariam Náutico e Santos. Teríamos que abrir a transmissão às 13h, mas isso só foi possível as 14,40h. O locutor de plantão da rádio, Luís Carlos Maia, fez a abertura do horário esportivo e encheu linguiça (termo usado em rádio para preencher tempo) até nossa chamada. Nas cabines, super apertadas, colocaram a equipe da Rádio Diário (eu e o Edward) e da Rádio A Tribuna de Santos (com o narrador Luís Roberto, hoje na TV Globo).
Nesse dia também estreava como novidade no futebol, apenas no Brasil, a logomarca da Coca-Cola, exatamente no meio do gramado. Um negócio estranho e que atrapalhava a vida do narrador, a noção do campo para os jogadores e complicava o trabalho do árbitro. Essa foi a única vez que o símbolo da poderosa Coca ficou em campo. A FIFA, dona do futebol mundial, mandou extinguir o procedimento, não sem antes dar um puxão de orelhas nos organizadores do campeonato, no caso a CBF. Mas, apesar da cabine apertada e do jogo ruim (1 a 0 para o Santos, gol de pênalti marcado pelo centroavante Paulinho McLaren) a transmissão ocorreu sem problemas, isso para nós da Diário e para o pessoal da Tribuna. Na saída do estádio, já escuro, o repórter de campo da Rádio Record de São Paulo, Raimundo Nonato, pernambucano e profundo conhecedor de Recife, nos ofereceu carona num fusquinha que implorava por aposentadoria. No caminho da praia da Boa Viagem, onde ficamos hospedados, Nonato nos contou o sufoco que passou no momento do gol do Santos. Por medida de economia, ( isso é feito até hoje pelas rádios), a Record mandou a Recife apenas o repórter. O narrador (Oswaldo Maciel) ficou em São Paulo transmitindo o jogo off-tube, ou seja, vendo a partida pela televisão. Segundo nos disse Raimundo Nonato, a imagem da TV (só a Globo transmitia) caiu e o repórter (no caso Nonato) sem saber o que ocorria, estranhando o locutor sair do Ar. Nonato ficou perdido. Dois segundos fora do Ar ( que chamamos de buraco) em rádio correspondem a uma eternidade, suficiente para custar o emprego do locutor e do repórter. Raimundo Nonato, visivelmente preocupado em perder a boca na Record, disse que a transmissão somente voltou com o pênalti batido e o jogo no final. Teve que improvisar e inventar cenas para completar a transmissão.
Enfim, o repórter da Record nos deixou no hotel na praia da Boa Viagem, onde então tomamos banho e fomos para a praça do mesmo nome, onde tem uma feirinha permanente e que se pode comprar desde um bode até uma imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem. Depois de percorrer a bendita feira e adquirir coisas que nunca soubemos exatamente sua utilidade, fomos a um restaurante na calçada que dividia a praça da praia. Uma festa. Um cavaleiro e dois amigos em volta de uma mesa com os respectivos cavalos. O Edward me olhava interrogativo: "que diabos é isso, cavalos aqui dentro do restaurante?". Mesmo assim ele se aproximou dos animais e flagrei uma foto sua acariciando um dos cavalos, postada neste blog, observem. Papo vai, cerveja vem, um cidadão, tipo 40 anos, solitário no restaurante, se aproxima e pergunta: " vocês são jornalistas de São Paulo?" Ele soube por meio de outros caras da Imprensa de Recife que estavam no recinto e tinham visto a gente no estádio. Tudo bem. O pernambucano entabulou um papo com o Edward, já que estava mais próximo. Pouco se entendia o que era falado ali, já que era uma noite quente e a casa estava lotada. Uma mistura de gente, fumaça de cigarro, cheiro de bebida, comida e cavalos e um burburinho dos diabos. Em determinado momento, o nosso visitante, um tanto alto pela bebida, mas cordato, simpático e demonstrando simpatia, disse ao Edward: " você como jornalista poderia fazer segunda-feira uma reportagem da "gralha". Sem entender direito, nosso francano respondeu: "gralha, o que é isso? pelo que sei gralha é uma ave que berra muito alto, mas não fala". A coisa ficou complicada, já que o novo companheiro de mesa não conseguia se explicar e muito menos a gente entender o que ele queria dizer. Ficamos sabendo depois que a "gralha" que o pernambucano se referia era nada menos que Agrale, uma fábrica de motos e máquinas agrícolas com fábrica no Recife. Lá pelas tantas o rapaz se retirou, não sem antes deixar seu cartão com o Edward e fazer absoluta questão que a gente fosse lhe visitar e conhecer sua família em sua residência na periferia de Recife. Um sujeito muito legal, diga-se. Fomos para o hotel, acordamos cedo e decidimos aproveitar a segunda-feira de sol e céu de brigadeiro na praia da Boa Viagem. Afinal os aviadores estavam em greve branca, ficaríamos aquele dia em Recife e como ninguém é de ferro...
Dever profissional cumprido, praia devidamente degustada, voltamos a São Paulo no dia seguinte, uma terça-feira, num vôo noturno liberado pelos grevistas, sem maiores problemas. É certo que o avião fez escala em Salvador, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, mas nada preocupante. Claro, avisado previamente de nossa chegada, lá estava o nosso Lampião, com o golzinho da rádio a nossa espera no aeroporto de Guarulhos, com o sorriso de sempre e a pergunta adrede entabulada: "foram bem de viagem?". "sim Lampião, tudo bem, obrigado."
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*Oswaldo Lavrado - jornalista/radialista - trabalhou por muitos no Diário do Grande ABC, rádio e jornal. Comandou a equipe de esportes da Rádio Diário por 10 anos. Recebeu a Medalha João Ramalho, outorgada pela Câmara Municipal de São Bernardo, juntamente com a equipe de esportes da rádio pela organização da Copa Infantil de Futebol, que reuniu cerca de 1,7 mil garotos de 7 a 12 anos de idade. Atualmente é editor do semanário Folha do ABC.
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