domingo, 9 de janeiro de 2011

SÁBADO, 8 DE JANEIRO DE 2011

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Foi uma viagem inesperada, turbulenta, divertida, perigosa e acima de tudo profissional. As andanças pelo Brasil para transmissões esportivas da Rádio Diário do Grande ABC reservaram esta aventura, que poderia ter sido trágica, mas felizmente acabou melhor que a encomenda.
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Em 1984, o Santo André, time profissional aqui do ABC, disputava a Primeira Divisão do Brasileirão, fato inédito para o futebol da região. A Rádio Diário acompanhou a equipe em muitas viagens por todo país. Era abril daquele ano, o Ramalhão, como também é conhecido o clube andreense, foi jogar em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul. A partida seria disputada num domingo, no período da tarde e a equipe da rádio viajaria no sábado pela manhã. Antes, porém aconteceram ações extras e inesperadas para essa viagem. Como de praxe, embora a emissora tivesse vida própria, o esquema financeiro era sediado no jornal Diário do Grande ABC. Assim, quando a rádio necessitava, a verba e as passagens eram fornecidas pelo jornal.

Em janeiro de 84 assumi o comando do Departamento de Esportes e a incumbência de solicitar recursos para as viagens ficava sob minha responsabilidade. Na sexta-feira que antecedeu o embarque para Campo Grande, liguei para o Diário solicitando a verba e as passagens. Para minha surpresa, o chefe da grana foi falando: "Olha, Lavrado, o jornal tem permuta com a TAM e sobram passagens áreas aqui no jornal, já que são muito pouco utilizadas. Por favor, aguarde que o Maury liga pra você".
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Mais tarde o Dr. Maury Dotto, diretor comercial da empresa Diário do Grande ABC e que na época tinha mais ligação com a rádio, telefonou e ofereceu: “tenho aqui uma cota de bilhetes que preciso descartar antes que vença o prazo. Você pode utilizar agora. Tem mais, disse o diretor, além da turma do esporte você pode levar outras pessoas da rádio, a passeio". Ele enviou sete passagens. Escalei quatro da equipe que iriam trabalhar e convidei mais três: Sônia Nogueira, secretária da rádio, Márcia D’hipólito, do departamento de jornalismo, e a Soninha, cozinheira da emissora, cujo sobrenome não lembro. Pelo esporte foram o narrador Rolando Marques, o repórter Jurandir Martins, o técnico de som, Agapito Assunção e eu, comentarista.

Em um Fokker 100, avião mais moderno da TAM à época, embarcamos de Congonhas rumo ao mundo. Na primeira escala, em Bauru, deixamos o confortável Fokker e passamos para um “Bandeirante”, com capacidade para 16 pessoas. Nós, da rádio, ocupamos quase a metade dos assentos da aeronave, pequena, sem serviço de bordo, com o piloto (um senhor com mais de 70 anos), e seu jovem assistente, com aparência de 25. Além de nós e da "tripulação", apenas outras duas pessoas corajosas estavam a bordo da "borboleta", que apelidei de Kombi Voadora. Em Araçatuba, na outra escala do vôo, os dois desceram fazendo o sinal da cruz e não subiu ninguém.

Pronto para a decolagem, percebi que estava faltando alguém do nosso grupo. Era o Agapito, que fora ao banheiro do aeroporto e ficou entalado, já que, segundo explicou depois, a porta do sanitário travou pelo lado de fora, obrigando nosso companheiro, aos berros, a chamar a atenção de uma faxineira do aeroporto que abriu a porta. O “bandeirantinho” estava pra decolar quando pedi ao piloto pra esperar a chegada do trapalhão. O homem que comandava a Kombi Voadora resmungou, mas atendeu nosso apelo. Agapito a bordo, o "possante" Bandeirante levantou vôo. A próxima escala seria, e foi, em Urubupungá, onde existia um aeroporto de terra batida que era usado para levar e buscar trabalhadores da usina hidrelétrica que tem lá. Só isso e nada mais, já que a cidadezinha, formada a partir da construção da usina, abrigava, vista de cima, cerca de umas duas mil casas.
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A cabeceira do aeroporto ficava do outro lado da represa e o avião tinha que atravessar a lagoa para aterrissar. Ventava muito e o velho e experiente piloto não conseguia aprumar a aeronave na direção da pista. Fez uma tentativa, deu a volta, fez outra, e nada. O vento tirava o pequeno avião da rota e era necessário dar várias voltas e tentar nova investida. Em uma delas o piloto esbravejou em voz alta: “qualquer dia a gente afunda nessa represa". O clima entre nós era tenso e, inesperadamente, a Sônia Nogueira, uma pândega (o chefe deste blog conhece bem), berrou: "olha "seu" piloto, deixa pra cair na represa outro dia, pois meu relógio é novo e não é a prova d’água". A tensão que tomava conta de todos desapareceu e a gargalhada foi geral. O piloto e seu ajudante também. Finalmente aterrissamos, todos assustados, mas ilesos.

Em Urubupungá não desceu e nem subiu ninguém, portanto se a Kombi Voadora resolvesse tomar um banho de represa não seria por uma causa justa, já que a escala não serviu pra nada. Até Campo Grande nenhum contratempo e fomos todos para o hotel Concorde, tipo, digamos, três estrelas e meia. Lá encontramos com Antonio Edson (Tunico para os íntimos), então narrador da Rádio Globo/SP que estava sozinho para fazer um posto de transmissão para sua rádio. Atualmente Antonio Edson é narrador da Transamérica/FM. O cara, super simpático (nós já conhecíamos) se enturmou.

À noite fomos todos dar uma volta para conhecer melhor Campo Grande. Jantamos em uma cantina do Centro e retornamos ao hotel que ficava poucas quadras do restaurante. O grupo, a pé, rindo e contando piadas descia a rua que levava ao destino. Passava da meia noite, rua quase deserta, o Tunico viu, dentro de uma garagem, um cachorro que parecia dormir. Aí veio a lambança. Imitador exímio de cães, o locutor da Globo começou a latir, forte e grosso, imitando talvez um pitbull. Ele, (Tunico), calculou que o portão estivesse trancado e que não haveria maiores consequências a não ser perturbar os moradores da casa, tipo classe média alta já que havia dois carros modernos na garagem. Mas, pra desespero do Tunico e pavor do grupo o portão estava só encostado e escancarou apenas com uma patada do enorme cão. Foi um sufoco e todos nós, especialmente as mulheres (duas de saias e saltos altos) em disparada pela calçada. Para alívio, Deus devia estar de plantão, o dono do cachorro acordou com o fuzuê e, de pijama, saiu ao portão. Aos berros, o homem chamou o seu Hulk (ouvimos gritar esse nome) e o animal atendeu as ordens, para sorte nossa.

Em silêncio, pálidos e envergonhados, com passos apressados, chegamos ao hotel. Uma das amigas com os sapatos nas mãos, o Tunico com um rasgo nas calças, resultado de uma queda, o Rolando (110 quilos) com os bofes a sair pela boca e o Agapito, que era negro (já falecido), estava branco de susto. Todos, porém, antes de dormir, tomamos um duplo copo d'água com açúcar, muito açúcar. No domingo transmitimos o jogo Santo André x Operário, vencido pelo time do ABC por 1 a 0. A volta, na mesma Kombi Voadora, um temporal, o velho piloto, as irritantes escalas e um co-piloto também jovem, foi outro sufoco que contaremos aqui neste espaço mais à frente.
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*Oswaldo Lavrado é radialista/jornalista radicado no Grande ABC.
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