quarta-feira, 17 de junho de 2009

BRIZOLA SOBE, JÂNIO QUADROS RENUNCIA

SEGUNDA PARTE
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Do livro inédito “Periferia da História”, adaptado para nosso blog.
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Milton Saldanha

Naquela encarniçada disputa pelo governo gaúcho chegou a vez do comício do Brizola em Santa Maria. O palanque era enorme, construído na Praça Saldanha Marinho para os festejos do centenário da cidade, ao longo do ano, em 1958, e acabou virando uma grande tribuna livre, usada para todo tipo de evento, de Carnaval à festa de igreja. O PTB conseguiu reunir de 50 a 60 mil pessoas, até ali, com certeza, a maior concentração política que a cidade já conhecera. Era uma grande festa, com luzes, rojões, bandeiras e alto-falantes instalados por toda a praça e esquinas mais próximas. Consegui subir no palanque, tinha só 13 anos. A segurança nem ligou. Levava uma bandeira na mão e fui me enfiando por entre a multidão de políticos. De repente estava lá na frente, ao lado do próprio Leonel Brizola, a grande estrela da noite, e ali fiquei durante todo o comício, agitando a bandeira, gritando, aplaudindo, com o entusiasmo de um militante. Um deputado estadual, Croacy de Oliveira, raposa velha, ficou observando tanta vibração e me falou, naquele tom dos sábios mais velhos e de quem está acostumado a fazer demagogia com todo mundo: “você vai ser um grande político!” Enganou-se o deputado. Na verdade não me tornei grande em coisa nenhuma, exceto em caráter.
Brizola era muito jovem, usava um bigodinho estilo Clark Gable, cabelo bem preto e crespo, puxado para trás, com brilho de algum fixador, como era moda. Estava com paletó xadrez, mas sem gravata, sorria e abanava para a multidão o tempo todo. Ao seu lado, muito simpática, sorridente, dona Neusa, sua mulher, irmã do presidente Jango. Lá do alto a gente via aquele mar de cabeças, faixas, cartazes, bandeiras, mãos erguidas aplaudindo, punhos fechados esmurrando o ar. Rostos, só de quem estava mais perto do palanque. O resto era uma massa sem face, que gritava de tudo e ao mesmo tempo, ninguém sem entender ninguém, só muito barulho.
Brizola ganha a eleição, foi um passeio. Até ali, contudo, pouco se sabe sobre ele, exceto que fora um bom prefeito de Porto Alegre. Seu primeiro ano de governo do Estado transcorre opaco, até que vira líder de massas populares da noite para o dia, em poucas horas, algo realmente impressionante. Logo você saberá como isso aconteceu.
No centro da Praça Saldanha Marinho, a principal de Santa Maria, havia um potente som, instalado sobre a cobertura de um coreto. Pertencia a rádio Santamariense e ligavam todos os dias às 6 da tarde, quando era transmitida a Hora da Ave Maria, um momento bonito da cidade, com a prece e a música. Mas sempre que havia alguma notícia em edição extraordinária eles também ligavam o som da praça, momento em que os transeuntes paravam qualquer coisa que estivessem fazendo para ouvir. Eu estava passando na frente da praça na tarde daquele 25 de agosto de 1961 quando o som entrou de repente: “E atenção, Brasília, urgente! O presidente Jânio Quadro acaba de renunciar. Deixou uma carta e já saiu do Palácio do Planalto, tomando rumo ignorado. Repetimos: o presidente Jânio Quadros acaba de renunciar!
Todas as pessoas por ali ficaram mudas e inertes por alguns segundos. O choque foi brutal, principalmente porque quase todo mundo já estava começando a gostar do Jânio, em seu sétimo mês de governo, inclusive eu, que ainda não votava, mas tinha sido um incisivo defensor do seu principal adversário, o marechal Teixeira Lott, candidato do PTB, o “Homem da Espada”, contra o “Homem da Vassoura”. Aquelas loucuras populistas do Jânio eram gostosas para o povão. E, para nós da esquerda estudantil, a condecoração a Che Guevara, então ministro da Fazenda de Cuba, tinha sido um gesto tão surpreendente quanto simpático. Qualquer coisa que pudesse irritar os norte-americanos nos alegrava. Jânio, eleito pela UDN – União Democrática Nacional, semente daquilo que virou PFL e atual DEM, só que pior ainda, como se sabe tentou um golpe e caiu do cavalo. Tinha sido eleito com mais de 5 milhões de votos, recorde absoluto até ali na história republicana. Tinha apoio e simpatia nas Forças Armadas. Seu marketing populista era eficiente, ainda que barato, envolvendo coisas minúsculas como proibição de briga de galos e biquínis nas praias. Tinha acariciado a esquerda com Guevara e deixado desconfiada a direita. Quebrava protocolos e inventava modas, como seu famoso jaleco, sem gravata, com mangas curtas. Estava intensamente presente na mídia, todos os dias, pelos mais variados e até banais motivos. Dava a impressão que estava começando a endireitar o país. Pena que era só impressão. Por tudo isso, superestimou suas chances de se tornar ditador, com o plano de fechar o Congresso. Voltaria da renúncia nos braços do povo, como se dizia, só que o povo ficou em casa ouvindo a crise pelo rádio. Ninguém, absolutamente ninguém, de norte a sul, saiu sequer na calçada da própria casa para chamar Jânio de volta. Ele ficou várias horas na base aérea de Cumbica (não existia o atual aeroporto internacional), em Guarulhos, com a faixa presidencial na mala. Esperando, evidentemente, para usar no triunfal retorno. Depois embarcou num navio cargueiro, iniciando seu exílio voluntário, numa solidão deprimente.
E assim o louco, insensato, jogou o país numa crise institucional gravíssima, que nos custou muito caro, ou mais do que isso, danos irreparáveis, sobretudo a partir da ditadura militar implantada em 1964.

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AMANHÃ, O CAPÍTULO FINAL AQUI NO BLOG: O RIO GRANDE DO SUL SE LEVANTA EM ARMAS E DIZ NÃO À DITADURA. COMEÇA A CAMPANHA DA LEGALIDADE. É 1961.
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*Milton Saldanha, 63 anos, gaúcho da fronteira, é jornalista profissional, com mais de 40 anos de atividades. Começou em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 1963. Foi repórter e exerceu cargos de chefia em alguns dos principais veículos do Brasil, como Rede Globo, jornais O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde, Diário do Grande ABC, revista Motor 3, Folha da Manhã (RS) e outros. Foi repórter em Última Hora, trabalhando com Samuel Wainer. Já assinou artigos e reportagens em mais de uma centena de publicações de todo o Brasil. Trabalhou também em assessoria de imprensa, para empresas e entidades públicas, como Ford Brasil, Conselho Regional de Economia e IPT- Instituto de Pesquisas Tecnológicas. É autor do livro “As 3 Vidas de Jaime Arôxa”, pela Editora Senac Rio, e participou como cronista da antologia “Porto Alegre, Ontem e Hoje”, pela Editora Movimento, do Rio Grande do Sul. Assinou também orelhas de diversos livros sobre dança e música, de autores brasileiros. Um ano antes de se aposentar, quando era editor-chefe do Jornal do Economista, em São Paulo, fundou o jornal Dance, que em julho completa 15 anos. Tem novo livro pronto, ainda inédito. É “Periferia da História”, onde conta de memória 45 anos da recente história brasileira. Trabalha em novos projetos editoriais, como jornalista e escritor. Na área de dança, organiza uma coletânea com os melhores editoriais publicados no Dance. Atualmente prepara um livro sobre Maria Antonietta, grande mestra da dança de salão carioca, que morreu recentemente. Apaixonado por viagens conhece quase todo o Brasil e já visitou cerca de 40 países. Por hobby e paixão é dançarino de tango.
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