terça-feira, 2 de junho de 2009

BASTIDORES DA HISTÓRIA
WANDERLEY DOS SANTOS
APRESENTAÇÃO:
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ÉDISON MOTTA
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Tal como o imenso oceano, que guarda em sua grandeza impenetráveis mistérios, a história também é uma porta aberta ao infinito. Raros brasileiros têm noção de que muitos de nós temos algum parentesco com João Ramalho, o primeiro homem branco que subiu a Serra do Mar e deu inicio à civilização do Planalto de Piratininga, hoje São Paulo.
Quando Martin Afonso de Souza navegava em direção a São Vicente, no comando de uma grande expedição portuguesa para inaugurar a primeira cidade do País, em 1532, foi socorrido por Ramalho, em Bertioga, que evitou um confronto com os índios canibais de então. Pelo nível de organização das aldeias e influência de Ramalho nossa história teria sido outra não fosse a diplomacia e apoio do judeu-português, genro do cacique Tibiriçá e marido da índia Bartira. Mais à frente, Ramalho também liderou a resistência do Pátio do Colégio e livrou da morte os jesuítas Anchieta, Manoel da Nóbrega e o povoado de São Paulo.
A saga de João Ramalho, pouco conhecida, foi uma das paixões de Wanderley dos Santos (Foto). Sua obstinada devoção à história trouxe à tona preciosas revelações, garimpadas nos arquivos da Cúria Arquidiocesana paulista.
Agora, com exclusividade, Ademir Médici, um dos grandes expoentes do jornalismo histórico do País, conta-nos um pouco da história de Wanderley. Alguém que fez um trajeto parecido com o de Edward de Souza, o autor deste Blog: saiu de Franca para a grande cidade e depois voltou. Ademir mantém há 19 anos a coluna diária “Memória”, do Diário do Grande ABC. A convite do Blog brinda-nos, em três capítulos, com um resumo da trajetória e obra de Wanderley, alguém que tive o prazer de conhecer pessoalmente e que nos deixou muito cedo.
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ADEMIR MEDICI
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PRIMEIRO CAPÍTULO- FRANCA AO ABC PAULISTA
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O menino da Vila Carrão revisa a história oficial
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Em 4 de novembro de 1995 Wanderley dos Santos enviou de Franca para São Bernardo do Campo uma carta manuscrita oferecendo algumas informações importantes e outras preocupantes. Vale sintetizar:
1 – Decidido: Wanderley iria retomar pesquisas sobre a formação histórico-social da região metropolitana de São Paulo.
2 – Uma boa descoberta para a história do Grande ABC: o livro de pintura de Miguelzinho Dutra, o autor de “Ruínas da Vila Velha de Santo André”, traz a informação que o pai deste pintor, chamado Tomás da Silva Dutra, nasceu na velha Borda do Campo, em 1738, sendo filho de Tomé da Silva Dutra, que fora dono de um sítio chamado Santo André e que é citado por Wanderley em seu livro clássico “Antecedentes Históricos do ABC Paulista: 1553-1892”.
Wanderley dá a informação e pergunta: “Esse achado merece artigo agora ou em abril de 1996”, que é a data em que a Santo André atual, do Grande ABC, comemora seus aniversários.
3 – A má notícia: a carta postada em Franca foi escrita às vésperas da internação de Wanderley na Santa Casa local. Admite ser portador de graves problemas neurológicos. Terá que ser submetido a uma cirurgia no cérebro, mas está otimista e confiante em Deus. Tão confiante que fazia planos para participar do IV Congresso de História do Grande ABC, marcado para 1996 na cidade de Diadema.
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Desde 1989 Wanderley dos Santos dirigia o Arquivo Histórico Capitão Hipólito Antonio Pinheiro, da Prefeitura de Franca, do qual foi o fundador. Anteriormente, desde 1974, chefiou o Arquivo da Cúria Metropolitana, respondendo diretamente ao então cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns.
Wanderley manuseou e sistematizou a documentação histórica da Igreja de São Paulo, formada a partir da fundação da cidade, no quinhentismo. Mexendo com tantos papeis, fez muitas descobertas. Uma delas: a grande maioria dos municípios conta com muitas falhas a sua própria história.
A matéria-prima da pesquisa de Wanderley dos Santos foi a documentação da Igreja, mas ele nunca deixou de consultar outras fontes, cruzando informações, produzindo textos e monografias, difundindo seus achados pelos jornais da capital e do interior ou por meio de palestras.
Tornou-se uma referência. Virou citação constante. Criou um arquivo histórico próprio, centrado na documentação secundária – livros e teses conhecidas e sua biblioteca particular era imensa – mas, principalmente, de documentação primária, formada por registros manuais que trazem a sua caligrafia incomparável.

Seu último projeto seria o Dicionário Histórico e Geográfico do Estado de São Paulo. Não deu tempo de concluir.

O Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo fica na Avenida Nazareth. Antes ocupava um prédio da Igreja na Praça Clovis Bevilacqua, a poucos metros da Sé. Num almoço no restaurante que funcionava nos baixos desse prédio, indagamos o porquê de Wanderley nunca ter se casado. A resposta foi simples e calma, como era do seu temperamento: “Eu tenho uma missão que é a história, não posso pensar em projetos pessoais”.
Era 1981. Passaria quase toda a década de 1980. Mas como compreender as coisas do coração: a paixão de Rosimar foi mais forte. Veio o casamento – claro, na matriz da Vila Carrão, seu bairro em São Paulo. Chegaram os filhos. Wanderley teve que abrir mão do trabalho na Cúria e encontrar um emprego que lhe rendesse um salário suficiente para sustentar a família formada. Franca ganhou a corrida. Como tantos outros municípios, também a cidade conhecia o trabalho sério de Wanderley. Daí a mudança para o interior e um belo trabalho realizado na cidade que dera ao Grande ABC a figura envolvente do jornalista Edward de Souza, que se bandeou para São Paulo, e para o Grande ABC, e que agora, de volta ao ninho francano, nos possibilita lembrar a figura de um irmão que se foi melancolicamente, Wanderley dos Santos.

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Dezembro de 1995 passou; 1996, novo ano. Operado duas vezes do cérebro, Wanderley chegou a se recuperar parcialmente. Mas não resistiu e faleceu na madrugada de 16 de janeiro de 1996.

LINHA DO TEMPO
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1951, 19 de fevereiro – Wanderley dos Santos nasce em São Paulo, filho de Benedito Cruz dos Santos e de Lydia de Almeida Santos.
1966 – Fascinado pela história regional, inicia longa investigação dos episódios que culminaram na formação e evolução dos bairros paulistanos.
1972 – Decide prolongar suas pesquisas no Grande ABC.
Esposa: Rosimar Zotelli dos Santos; filhos: Elidia, Hosana e Wanderley José.
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NÃO PERCAM NESTA QUARTA-FEIRA O SEGUNDO CAPÍTULO DESSA SÉRIE ESCRITA POR ADEMIR MEDICI.
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*Ademir Medici é jornalista e escritor, formado pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Trabalha na imprensa do Grande ABC desde 1968 e especializou-se na área de resgate e reconstituição da memória. Membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Possui um acervo de 32 livros escritos, sendo 24 publicados e oito inéditos. Ademir também ganhou, em 1976, o Prêmio Esso de Jornalismo, em parceria com o jornalista Édison Motta, pela série “Grande ABC: A metamorfose da industrialização”. Atua no jornal Diário do Grande ABC desde 1972. Foi repórter especial, editor de Cidades e Política e secretário de Redação. Atualmente é responsável pela coluna Memória, uma das mais lidas do jornal e do quadro "MEMÓRIA", no programa "ABCD Maior em Revista".
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